sexta-feira, 8 de maio de 2009

Clarice... sempre Lispector...


Há poucos dias, por acaso mesmo, assisti uma entrevista com a biógrafa Teresa (não guardei o sobrenome) e a cineasta Suzana Amaral - aquela que fez o filme 'Macabéa', do livro 'A Hora da Estrela'. Parei, como sempre faço, diante do nome Clarice Lispector, e ali fiquei a assistir, com a esperança inicial que sempre tenho: finalmente, vão desmitificar Clarice.
(Quando leio ou assisto entrevista com a professora de literatura Nádia Gotlib, sinto o fascínio que ela tem por Clarice Lispector - os olhos brilham, o riso torna-se natural, enquanto ela fala, com intimidade, sobre Clarice. Nádia fala sobre a alma - angustiada e angustiante - de Clarice Lispector, com a miscelânea das facetas que Clarice construiu e mostrou na vida. Mas Nádia, às vezes, vai além, e chega desmitificar Clarice, não por que 'desvenda o mistério de Clarice'. É tamanha a naturalidade com que fala a respeito, que Nádia consegue materializar, em palavras, o que sente, ainda hoje, em Clarice Lispector. Ela fala sobre a Clarice menina, a Clarice mulher, a Clarice mãe, a Clarice dona-de-casa, a Clarice jornalista, a Clarice advogada formada, a Clarice amiga, a Clarice escritora - e, mais ainda, sobre a alma de Clarice, que sentia fome de escrever, mas recebia tão pouco pelos escritos, que o corpo sentia o frio da discriminação, da crítica negativa, da comparação, do distanciamento, da solidão de outras solidões que compreendessem o que ela mesma não entendia dentro de si. Por isso, na minha opinião, ninguém mais aproximou-se tanto de Clarice Lispector, sem querer rotulá-la, ou limitá-la, senão Nádia Gotlib. Explicado isso, fecho parênteses, e prossigo.)
Para início de conversa, quem entrevistou Teresa e Suzana foi um repórter (também, não guardei o nome - seria proposital?) que não conhecia sequer a biografia e a obra de Clarice Lispector. Ele quis saber de ambas em que ano nasceu Clarice, em que lugar "especificamente" (e o tempo, na televisão, voando). Acho que, diante das respostas controversas e confusas ("talvez, tenha sido em 1920, não tenho certeza", "naquele tempo, era só criar a data que quisesse"), o repórter ficou sabendo menos ainda. O "mistério de Clarice" prevaleceu. Dali pra frente, não houve evolução, na entrevista. A biógrafa perdia-se visivelmente, não tendo certeza de coisa alguma, enquanto a cineasta dizia que gosta de fazer filme com livro de Clarice, por que Clarice deixa muitos espaços de "não-comunicação", aonde ela, Suzana, pode ser ela mesma, e criar estória. Diante disso, minha esperança já havia adormecido, e eu não pensava mais na angústia de Clarice Lispector, pois tinha a minha angústia presente.
Com tudo isso na cabeça, ainda consigo pensar mais a respeito: O que diria Clarice disso tudo? Não faço a menor idéia, por que Clarice sempre foi imprevisível (ainda bem). Uma mosca podia perturbar-lhe a cabeça, num momento, enquanto, logo depois, ela se via comendo uma barata. Clarice, me parece, vivia nos extremos - mas não deixava de percorrer, conhecer tateando, todo o trajeto (de um extremo ao outro). Se, às vezes, nem ela sabia em que caminho estava, não serei eu a dizer que Clarice diria/faria isso ou aquilo.
Não sabendo dela, digo eu.
Ironicamente, lembro agora de uma reportagem de um grande Jornal brasileiro, sobre o velório e o enterro de Clarice. De acordo com a reportagem, sendo ela de origem judaica, o corpo recebeu tratamento especial, com lavagem interna, inclusive. Dissecaram-na fisicamente. Mas fazia parte do ritual, e o corpo já não tinha mais a alma de Clarice.
Hoje, não havendo mais corpo, continuam tentando dissecar a alma de Clarice, como se, de repente, surpreendentemente, numa ocasião dessas, começasse jorrar sangue de Clarice pelas paredes, ou, então, se materializassem vísceras (de Clarice Lispector, obviamente). Ainda assim, acredito, fariam exames de DNA e o escambau, para comprovarem a marca registrada: Clarice Lispector.
Tento imaginar, daqui a séculos, alguém descobrindo que, no 2º milênio cristão, existiu uma escritora "hermética" chamada Clarice Lispector, e ler algumas obras dela. Será que também vai querer dissecá-la, com a mesma voracidade que tentam meus contemporâneos, analisando, através das próprias palavras escritas por Clarice, esquecendo que Clarice era também silêncio? ("Há um silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras."). Quem garante que, se Clarice estivesse viva (num outro tempo, ou em todos os tempos), ela sentiria/pensaria/escreveria o que ela sentiu/pensou/escreveu, muitas vezes sem saber por quê?...

Não vou adiante. Ponto final.

2 comentários:

  1. Finalmente Nara França...adorei! ;)*
    Conheço bem essa entrevista com Nádia. Desmambrei-a da entrevista feita com Clarice que tenho no youtube.
    Gosto mais da parte (a parte) em que pessoas que conviveram com ela se manifestam e dizem que ela era 'normal'.
    Ninguém garante nada Nara...mas vamos adiante..!!
    Ponto inicial... :P

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  2. Parabéns Nara...adorei!!
    Um dia isso teria que acontecer..."criar coragem" pra mostrar.
    Esse é só o começo.
    Marlene

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