terça-feira, 28 de julho de 2009

As medidas do peso


Se existe um tema que sempre dá e ‘vende’ ibope é a condição da criança. Discursam políticos. Juízes, advogados, e tantas outras ‘otoridades’ defendem os direitos da criança. Todo mundo tem sempre palavras ‘nobres’, quando se refere à criança. Acho que é por que o assunto emociona quem ouve, quem lê, quem assiste, pois toca fundo a alma humana, que, voluntária ou involuntariamente, alimenta esperanças, sempre ‘empurrando’ para o futuro, o melhor da vida.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – o ECA (não gosto da abreviatura, me causa náusea mesmo!) – completa, este ano, 18 anos, mas ta tão feinho, coitado, pisoteado, amassado por tantas mãos interpretativas, hipócritas. São tantos os direitos das nossas crianças, que a maioria delas acaba mesmo ‘despencando’ na sobrevivência, sem qualquer direito.
Criança é sempre um olhar que me fascina (talvez, por que também eu queira acreditar em algum futuro, não sei). Durante todos esses anos de trabalho jornalístico, fiz incontáveis matérias sobre, abordando inimagináveis aspectos. Às vezes, até eu me surpreendia, diante do “furo de reportagem” que tinha à minha frente. Mas, mais, muito mais que o trabalho, de todas as matérias de comportamento (minhas prediletas), tudo o que envolve a criança me fascina mesmo.
Só vou relatar alguma coisa da minha memória, pra que você acompanhe o que estou tentando escrever. Já entrevistei garotos de 10-12 anos, em pleno ato de furto (percebi isso, ao virar uma esquina). Enquanto um permanecia de olho no movimento da rua, sentado no muro alto, o outro (que, até então, eu não sabia) devia estar furtando objetos dentro da casa, que nem se podia ver da rua. Eu me aproximei lentamente, “como quem não quer nada” (eu nem sabia o que queria mesmo, e se queria alguma coisa). Percebi que o garoto estava ajudando o outro, que subia no muro, com um saco de viagem maior que ele. Quando me viram, obviamente (eu também faria isso), saltaram à calçada, e tentaram disfarçar a ‘bagagem’. O meu disfarce venceu. Cumprimentei os dois, fiz de conta que não havia percebido coisa alguma, e ‘puxei papo’, conversa fiada mesmo. Aos poucos, ambos perceberam a atenção e o respeito (sinceros) que estavam recebendo. Quando sentamos, os três, no meio-fio, eu propus fazer uma matéria, eles toparam. O “olheiro” disse que queria ser advogado, “pra defender quem não sabe se defender sozinho”, e o “transportador” (da ‘bagagem’) disse que pretendia ser médico, e ganhar muito dinheiro. Fiz até fotos dos dois (sem identificá-los, claro). No final, falei que eu só queria fazer um pedido, antes de ir: Voltem na casa, e devolvam a ‘bagagem’. E me afastei, fui embora, sem olhar pra trás. Longe, quando voltei a olhar, não os vi nunca mais.
Outra vez (essa não é história jornalística), eu estava atravessando uma praça central, e vi uma garotinha linda, cinco aninhos, no máximo, sujinha, chupeta na boca, sozinha. Fiquei olhando fixamente pra menina, até ela se aproximar de mim, e, com a chupeta presa entre os dentes, tentar puxar minha bolsa. Queria furtar. Tentei falar com ela (uma criancinha!), enquanto ela me interpelava: “então, me dá dinheiro, me dá dinheiro”. Sem tirar a chupeta da boca. Acabou desistindo de mim. Eu não a esqueci.
Por onde vou, sempre vejo crianças e adolescentes puxando ou empurrando carrinhos de papelão (não sabem eles o quanto contribuem com o “inteiro’ ambiente). Alguns bebês são carregados dentro dos carrinhos improvisados, cobertos com pedaços de papelão. Não faço fotos dessas imagens. Perambulam o dia todo pelas vias públicas, às vezes comendo o que encontram nas lixeiras, e o dinheiro que conseguem, na venda dos papelões, dão para os pais, em casa, ou então gastam com pedras de crack, consumidas em latas de refrigerante, ou cerveja, que encontram nas calçadas da vida.
Diante de tudo isso que narrei aqui, permita manifestar que não suporto ouvir discursos inócuos sobre o trabalho infantil. “Criança não deve trabalhar, só estudar”. “Criança tem direito à educação, ao lazer, etc”. Todo esse ‘palavreado’, pra mim, não passa de baboseira, coisa de gente que não conhece a realidade infantil, gente que não atravessa uma rua sequer, gente que permanece, lá do alto do seu prédio, observando o mundo, e falando ‘merda’. Lamentavelmente, é justamente esta gente que é entrevistada, que está na mídia, que recebe destaque nos eventos (sempre na hora do discurso). Tudo por que (e só por isso) fala bem, é gente bem articulada – boa aparência, olhar persuasivo, timbre de voz seguro, e essas ‘merdas’ todas que a gente lê (até sem querer) nessas mensagens de auto-ajuda, que não ajudam, anestesiam apenas.
Trabalho infantil não pode?... Ah, mas se é na televisão pode, né?... Desde manhã, até de madrugada, os canais de televisão exibem crianças, em seriados, novelas, programas “infantis” (traduzindo: retardados e recheados de violência). Ah, mas são crianças lindas, limpinhas, bem nutridas, bem vestidas, bem maquiadas, bem ‘adestradas’. Ora, não seja por isso. Basta pegar qualquer criança, qualquer uma mesmo, em condição de rua, dar um banho, com muita água, sabonete, shampoo, e depois providenciar os retoques finais: banho de loja, banho de cabeleireiro. Pronto. O pequeno catador de papel, ou o pequeno vendedor de balas e chicletes (que a gente nem olha) no sinal, está ‘no ponto’ para ir trabalhar na televisão (já que, na TV, ele pode trabalhar). Ora bolas, sem essa de “dois pesos, duas medidas”. O que precisamos mudar são as medidas (práticas) do peso da nossa responsabilidade, em relação ao universo infantil. Menos ou mais que isso é blá blá blá...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Historinha antiga


Há quarenta anos, a mesma discussão: Afinal, foi mesmo um norte-americano, o primeiro homem a pisar na lua?... Há quem vá mais longe, nas conjecturas, questionando, inclusive, que modelo de cueca Neil Armstrong, o comandante da grande missão, estava vestindo (ou não?), por ocasião do ‘grande evento’ (sunga, ou samba-canção?).
Se foi verdade, ou encenação hollywoodiana, o responsável maior por isso foi John Kennedy, que, em 62, estabeleceu que os Estados Unidos mandariam, de qualquer jeito, um homem à lua, antes do final daquela década. Aconteceu - pelo menos nos aparelhos de televisão do mundo inteiro (que não eram tantos como hoje), e as imagens lunares, ou lunáticas, continuam dando voltas e voltas em torno da terra.
Cá entre nós, será que o presidente norte-americano havia pensado em Armstrong para a tarefa, ou tinha outro nome para ser o primeiro a pisar na lua?... Diariamente, até hoje, a gente tem vontade de mandar gente à ‘merda’ – poderia ser à lua, naquela época... Vai saber, né?... O resultado é que Neil protagonizou o grande momento, teatral, ou histórico (por que, mesmo teatral, continuaria sendo histórico). Afinal, ele comandava.
Há poucos dias, inclusive, Mr. Obama recebeu os três astronautas que fizeram o voo histórico: Buzz Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong. Os velhinhos são uma graça, tão simpáticos, que pouco me importa saber se eles chegaram à lua mesmo, ou ‘viajaram na maionese’. Os norte-americanos sabem aplaudir de pé os seus mitos, sejam eles ‘gerados’ em Hollywood, ou não. Aplaudam. Armstrong, Aldrin e Collins merecem, por que, se não foram eles a ‘desvirginar’ a lua, incorporaram os papéis, de forma tão brilhante, que outros atores não os superariam na representação.
...
Esse filme norte-americano me faz lembrar uma historinha antiga, tão antiga quanto a aterrissagem da Apollo 11 na superfície lunar (ou lunática). Mais do que tenha representado para todos os habitantes do (nosso) planeta, a chegada do homem na lua foi importantíssima, eu exagero até em escrever que foi vital para uma menina de sete anos, que conhecia o mundo, naquela época, através de uma janela de trem – e como tudo passava tão rápido.
Há quarenta anos, não havia o diálogo que há (ou seria legal que houvesse) hoje, nas famílias. Os adultos eram ‘seres estranhos e distantes’, às crianças. Por isso, talvez, a fantasia era mais fértil, parecia ocupar mais espaço que a realidade, por que o ‘real’ era adulto, não infantil.
Há quarenta anos, num dia qualquer, o pai da menina chegou em casa, com uma caixa enorme de papelão. A mãe e os irmãos da menina aproximaram-se de imediato, curiosos. A menina ficou escondida, atrás da cortina, esperando, sonhando (quem sabe?). Foi quando o pai explicou, em tom solene: - Comprei nossa primeira televisão, para assistirmos a chegada do homem na lua. A menina esqueceu a caixa, cuidadosamente colocada no chão da sala, e aproximou-se do pai, fazendo um monte de perguntas confusas: - Tem gente lá em cima, na mesma lua que a gente vê aqui embaixo? Como eles foram pra lá? Eles vão morar lá agora?... perguntas... perguntas... um ‘rosário’ e meio de perguntas... O pai, rindo muito, foi explicando à esposa e aos filhos o que representava ‘pisar na lua’, na história humana, enquanto desencaixotava o ‘objeto estranho’.
Há quarenta anos, a menina olhou, pela primeira vez, um aparelho de televisão, sem compreender a ‘mágica’ daquela caixa escura, enorme. O pai, naturalmente, tratou de ligar o aparelho. No primeiro indício de áudio e imagem, a mãe correu, e, atrás dela, a menina e os irmãos fugiram à cozinha. O pai os chamou de volta, o que só aconteceu, quando a mãe foi à sala. “Não tem perigo” – garantiu o pai, gargalhando. O que a família assistiu, naquele instante, foi alguma coisa indescritível, secreta para cada um.
A menina descobriu que havia mais mundos que ela já fantasiara. Era muita gente vivendo, respirando dentro daquela caixa, que se, antes de ser descoberta, parecia tão grande, tornou-se pequena, minúscula. Foi o pai quem disse à menina que todos os que ela via na televisão moravam dentro daquela caixa – e por isso o aparelho tinha de ser desligado, para “todo mundo comer, dormir, ir ao banheiro, tomar banho, lá dentro mesmo”. Ah, a menina não perdia a oportunidade de ficar espiando atrás do aparelho (desligado), quando ninguém estava na sala. Mesmo quando apanhava da mãe (“por que não pode mexer”), a menina saía satisfeita da sala, por que a imaginação iluminava o ‘mundo escuro’ que ela conseguira visualizar.
Quantas estórias a menina sonhou, espiando dentro daquele aparelho, e jamais assistiu na televisão... e ainda sonha... A menina era – sou eu!...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Bom Francisco


“Meu nome é Francisco. Procuro moça, de 19 a 30 anos,
temente a Deus, para casamento. Celular número...”


(Eu li seu recado, bom Francisco – estava lá, num dos tantos telefones públicos de Aparecida de Goiânia...)

Bom Francisco, perdão pela demora em escrever, mas, tenha certeza, não esqueci seu pedido perdido naquele telefone público, no interior de Goiás. Talvez, a demora, bom Francisco, decorra do fato de eu não ter mais 19, nem 30 anos. Nem é minha intenção aqui convencer-lhe a ‘flexibilizar’ o ‘prazo de validade’ do pedido às suas pretendentes.
Bom Francisco, seu pedido emocionou minha alma descrente – não sou temente a Deus, pois não O conheço. Temo o que me é conhecido. Mas você, bom Francisco, deixou transparecer não temer o olhar alheio, e ousou registrar, em letras trêmulas, seu maior desejo, ao público transeunte. Só por isso, bom Francisco, sem conhecê-lo (nem imaginá-lo), sei do seu bom coração – coração que se destaca, em meio a tantos outros, por (ainda) crer na existência de uma moça “casadoira”, “temente a Deus”. Com isso, bom Francisco, você deixou, a quem, como eu, se debruçasse ao seu pedido, a pista de alguém que acredita em tantos valores, hoje meio abandonados, esquecidos.
Mas não quero desanimar-lhe o espírito, bom Francisco. Acredite, acredite sempre no amor, nas boas intenções – acredite principalmente no que você sente. E tudo, nesta vida de nadas, terá valido a pena, bom Francisco. A mim também, que, ao lembrar do seu ‘anúncio’, carregado das melhores intenções, faz voltar, à janela da minha visão estrábica, a minha alma menina.
Permita que eu fique, aqui no sul do País, a imaginar o bom Francisco casando com a sonhada – e tão procurada - “moça temente a Deus”, educando seus filhos, transmitindo-lhes, através do exemplo cotidiano, os valores do coração. Permita que eu sonhe, bom Francisco, que, em algum lugar, além de Aparecida de Goiânia, também outros bons Franciscos ousam expor seus desejos, na tentativa, talvez inocente, de escrever o sentido à própria existência.
Obrigado por existir, bom Francisco. Obrigado pelo pedido deixado naquele telefone público. Obrigado por não esquecê-lo jamais.

sábado, 18 de julho de 2009

A prosperidade do Alemão


O Alemão parece mesmo ser um cara cheio da grana, talvez, com uma riqueza acumulada maior até que a de Bill Gates, ou algum sheik árabe. Será que o ‘Guiness’ sabe da existência do Alemão?... As autoridades econômicas mundiais deveriam ‘comprar’ conselhos do Alemão, para quem a crise não causa nem cócegas.
A verdade é que a prosperidade do Alemão é tão notória, que tropeçamos nela, diariamente, e, na maioria das vezes, nem nos apercebemos disso. Ta pensando que o Alemão é meu amigo?... Até poderia ser, mas não o conheço. O que sei é que o Alemão é um cara com tanta prosperidade, liderando o ‘business’ brasileiro. O mais interessante é que parece ser também discreto, por que não vejo manchetes com a foto do Alemão por aí, mesmo ele tendo negócios em Brasília. Mas, lá, pelo visto, todos os holofotes são focados à sujeira, que “cada vez aumenta mais”, debaixo dos tapetes do Congresso Nacional.
Sempre quando viajo – a cabeça sem o peso do cotidiano -, tenho mais tempo para observar o sucesso do Alemão. Ele está tomando conta do mercado, ampliando os investimentos. E ninguém sabe, ninguém vê. Se lá na Alemanha ele não fazia sucesso empresarial, aqui no Brasil o Alemão ta com tudo mesmo, e não deixa de lado um novo bom negócio. O cara é ousado, mas, mais que isso, é um empreendedor exemplar. Se Mr. Obama conhecer o Alemão, o nosso presidente Lula perde o título de “o cara”, com certeza. Mas parece que o Alemão não tenciona concorrer com o presidente da República. O que o Alemão quer mesmo é continuar ampliando os negócios, que vão de vento em popa. Pudera.
Você também deve conhecer o grande potencial empresarial do Alemão, que se alastra por todo o Brasil – nas cidadezinhas de beira de estrada, com menos de dois mil habitantes, até as grandes metrópoles, onde a população se acotovela em filas de bancos, mercados, faixas de segurança, trânsito, etc e tal. Duvido quem nunca tenha visto uma placa de um dos negócios do Alemão, ou até que não seja cliente dele:

- Açougue do Alemão;
- Borracharia do Alemão;
- Restaurante do Alemão;
- Oficina do Alemão;
- Supermercado do Alemão.

Ah, mas o Alemão não para por aí – o Alemão quer mais e mais mercado:
- Pizzaria do Alemão;
- Posto de Combustíveis do Alemão;
- Lanchonete do Alemão;
- Fruteira do Alemão;
- Sorveteria do Alemão.

Quer mais?... O Alemão não deixa por menos, e manda ver:
- Pastelaria do Alemão;
- Fábrica de Calçados do Alemão;
- Banca do Alemão;
- Revenda de Caminhões do Alemão;
- Loja de Confecções do Alemão.
(Essas foram algumas, das tantas, placas que vi, por todo lugar.)

Já me disseram que o Alemão também está tomando conta do mercado de produtos de R$ 1,99. Espero que me contem aonde, por que ainda não sei, e gosto de estar bem informada, pois me tornei fã do Alemão, o maior empresário que eu já vi. Você ainda tem alguma dúvida?...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A felicidade mora ao lado


Por que será que sempre pensamos/imaginamos que a felicidade mora ao lado? Por que sempre enxergamos o outro sendo feliz, e não a gente?...
Amigos com quem convivo dizem sempre: “Ah, Narinha, como eu queria ser você, uma pessoa sem problemas, sempre de bem com a vida, de bom humor, fazendo palhaçadas”. Eu poderia revelar a cada um deles: Você não sabe com quem está falando. Por que, na verdade, sou (também) muito chata, e dolorida até. Mas meu cotidiano ‘animadinho’ não é falso, por que também tenho a consciência de que devo o melhor ao meu universo cotidiano, sem sobrecarregar as pessoas com o que chamo fardo da minha alma.
Independente dos meus problemas (particulares mesmo), brinco e divirto as pessoas, na tentativa idiota de fazer com que elas também deixem os problemas de lado, e brinquem e divirtam. Pode ser infantilidade minha (na minha idade, retardamento mesmo), mas acredito naquilo que chamam “corrente do bem”. Acredito que um sorriso faz toda diferença, e causa contágio imediato. O contrário é aquela velha estorinha: “o chefe, que dormiu mal, preocupado com as dívidas da empresa, esbraveja contra a secretária, que humilha a faxineira do escritório, que chega em casa e chuta o cachorro, que morde o vizinho, que bate na esposa, que deixa o filho de castigo, que briga na rua...” (que não acaba mais)
Eu preciso acreditar que a bondade prevalece. Para isso, eu brinco, e até faço as pessoas mais sisudas brincarem comigo. E como é bom encontrar gente fazendo o mesmo, por que nos reconhecemos, e percebemos que não estamos sós.
O pior, nisso tudo, é aquela situação constrangedora de quando alguém está muito feliz (por qualquer motivo), e as pessoas enxergam a criatura, através de um olhar questionador e extremamente crítico. A pessoa se sente alegre, em pleno velório. Essa é a sensação que ela tem, por que os outros, ao redor, fazem com que ela se sinta assim. Há pessoas que não admitem que o outro se sinta feliz, ou simplesmente esteja bem. Os motivos podem ser ciúme, inveja, e outros tantos inconfessáveis.
E ainda existe (lembrei agora) o fato de alguém estar ‘fechado’, notoriamente entristecido, ou preocupado, e as pessoas em volta ficarem perguntando: “o que você tem?” - “o que aconteceu?” – Nem sempre se tem alguma coisa, pelo menos compreensível e/ou explicável, ou muito menos que tenha ocorrido algo, para estarmos tristes. Por diversas vezes, eu mesma já respondi, em circunstâncias como essa: Eu existo, é isso. (Claro, deixei algumas pessoas ‘encafifadas’, mas pelo menos distanciaram-se de mim, do meu silêncio, da minha “dor sem explicação plausível”.)
A verdade é que, talvez, enxergamos sempre a felicidade morando ao lado, e deixamos passar, por isso e com isso, alguns bons momentos, na nossa vidinha. Sei lá. Nunca tenho certeza de coisa alguma, mas acho que precisamos rever conceitos, não externos, mas internos, aqueles mais íntimos, que só nós mesmos conhecemos.
Se a felicidade mora mesmo ao lado, não é solução nos mudarmos para o outro lado. Talvez, podemos convidar dona felicidade para um cafezinho, abrirmos portas e janelas à ela, e ficarmos preparados para recebê-la. Tô parecendo livrinho de auto-ajuda?... Não é minha intenção, até por que acredito que a auto-ajuda, no caso desses livrinhos, chega mesmo ao(s) autor(es), que fatura(m) muita grana em cima da desgraça alheia, do ser humano que procura fora, o que há muito tempo perdeu dentro de si...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Viagem


Eu caminhava num deserto vazio. A areia afundava meus passos, que não deixavam marcas pelo caminho. Eu não sabia para onde estava indo, nem para onde voltar.
Aos poucos, foram surgindo, às minhas vistas fatigadas, saliências de ossos, por toda a extensão desértica. Desenterrando-as, com os dedos ávidos, pude comprovar que eram ossos humanos, que, entre si, faziam-se corpos sem vísceras.
O mais estranho é que, a cada esqueleto que minhas mãos revolviam, eu reconhecia a alma que um dia ali permanecera. Eram ossos no deserto frio. Se, algum dia, houve alma em cada esqueleto daqueles, também esta já não havia mais.
Eu era uma alma só a vagar no deserto do meu passado longínquo.
Minuciosamente, eu observava a ossada, como a farejar um sopro de vida. Nada. A cada esqueleto a que eu me debruçava, reconhecia, naquele corpo sem corpo, sem alma, a criatura que fizera a história – a minha história -, junto comigo. Foram tantas lembranças – mais, muito mais que os ossos todos que eu ainda poderia encontrar, naquele deserto escuro.
As memórias vieram de longe, transbordantes de vozes, gestos, risos, olhares, toques, cheiros, sabores, lágrimas. E eu a dar passos insossos, titubeantes, na vida que (ainda) era minha.
Pudera eu, naquele instante só, rever, em cada um deles, não os dentes, mas o sorriso. Não os olhos - o olhar. Não as mãos - as veias grossas e firmes. Não os braços - o abraço aconchegante. Não a boca - as palavras confiantes. Não as pernas e os pés - os passos calmos em minha direção. Não o corpo - a alma.
Não havia alma, naquele deserto sem calor. Uma alma só, diante de tantos restos de moradia sem alma. Esqueletos silenciosos segredavam marcas de um passado, que jazia esquecido, em coma, numa unidade de terapia desaparelhada.
De repente, deparo-me com uma imagem emocionada e emocionante. Dois esqueletos abraçados, igualzinho a foto que vi na internet. O abraço parecia tão vivo, tão certo, que ajoelhei diante da imagem próxima. Haveria, no mundo, alguém que morreria abraçado a mim?... Haveria alma que, abraçada à minha alma, se libertasse da moradia, e saísse comigo a voar, voar, longe daquele deserto morto?...

Chorando, acordei. Era um sonho. Um pesadelo. Eu não sei.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Enfrentando o ‘bicho-papão’


Desde que a gente nasce, o medo nos persegue, às vezes, nominado, outras, nem isso. Mas o ‘bicho-papão’ nos persegue a vida inteira – seja no medo de avião, em todas as fobias, no medo de enfrentar situações difíceis, etc. A convivência se torna tão ‘habitual’, que acabamos por não saber mais viver sem o ‘bicho-papão’. Quando alguma coisa nos entristece, nos revolta, nos causa dor, lá vamos nós nos refugiar, novamente, no colo do ‘bicho-papão’, que, com suas “garras” (todo ‘bicho-papão’ deve tê-las afiadas), nos mostra que o mundo é mais medo que qualquer outra coisa.
Confesso que tenho uma queda por desafios, e, por isso, vivo desafiando a mim mesma. Não gosto de desafiar os outros, por que não sei se gostam de desafios. Por isso, desafio a mim mesma, que sei que gosto – e como gosto. Às vezes, percebo alguém tentando me desafiar, mas a maioria tem outra intenção (não a minha), quando provoca isso. Desafio tendencioso é uma ‘merda’, por que já envolve concorrência, comparações, etc e tal. E eu sou dos – grandes e pequenos – desafios simples, despojados de qualquer intenção, a não ser superar a mim mesma. Claro, nem sempre venço o desafio a que me imponho, mas fica o suor do esforço em tentar, tantas vezes, superar alguma coisa em mim mesma.
Tanta ‘enrolação’, só pra te contar que, dia desses, decidi enfrentar mais um ‘bicho-papão’. Pra mim, um desafio enorme. No início deste milênio (é coisa histórica), fui sequestrada por uma tribo indígena, depois de ter publicado matérias com fotos de crianças índias loiras (isso mesmo, loiras, olhinhos bem azuis, e índias, acredite no que nem eu acreditei). Ah, publiquei uma foto também do cacique falando ao celular, vestindo calça jeans, camiseta de marca, calçando um par de tênis da moda.
Cá entre nós, eu pedi pra levar, né não?...
Ah, depois de ter publicado todas as matérias (por que foi uma série diária), ainda voltei lá, na tribo. Afinal, os índios haviam interditado a (única) estrada de passagem dos agricultores. Eu precisava ir, fazer outra matéria, cumprir o meu papel (trabalhava num Jornal – jornal feito de papel). Claro, levei uma digital, que, na época, tinha disquete (alguém lembra disso?). Se hoje eu tivesse netos, com certeza, lhes diria: Pois é, vovó trabalhou, há menos de dez anos, com digital que precisava de disquete, para fazer as fotos de reportagens. E eles, meus netinhos imaginários, nem conseguiriam imaginar algo maior que um chip.
Pra resumir a história, antes mesmo de ser interpelada pela ‘indiada’, fiz diversas fotos, por que todas as índias (umas vinte, acho, por que não tive tempo de contar) vieram juntas em minha direção. Eram fotos, na minha visão, históricas. A brincadeirinha acabou, quando elas ficaram próximas, me empurraram, com pedaços de paus, em direção a um cemitério desativado, e lá tentaram me amedrontar. Não lhes respondi, nem correspondi. O máximo que fiz foi olhar-lhes bem nos olhos, e, enquanto prendia a atenção delas, escondi o disquete com as fotos, no bolso do casaco.
A partir daí, foi uma baixaria só. Logo, chegou o ‘cacicão’, que tentou me desafiar, lembrando as fotos que eu havia publicado. Como se fosse necessário, ainda relatou a minha condição ali, à mercê de todos eles – dezenas de índios e índias, e indiozinhos (até os loirinhos de olhos azuis estavam lá).
Sei lá o que deu na cabeça do cacique, que, horas depois, tomou a iniciativa de me dar o celular dele, para eu ligar para o proprietário do Jornal em que eu trabalhava. Liguei. No Jornal, mexeram ‘meio mundo’, e até o Comandante da Polícia Militar, amigo meu na época, estava disposto a ir lá na tribo, para me resgatar. Com a minha liberação, anunciada pelo cacique, eu preferi cortar algumas cenas do filme, e voltei ao Jornal, de carona, com colegas de uma televisão local, que foram para lá fazer matéria sobre a interdição da estrada. Quando contei-lhes sobre o sequestro, preferiram sair, sem qualquer imagem. O caso acabou na Polícia Federal, aonde apresentei o disquete como prova.
O tempo passou, e o ‘bicho-papão’ continuou grunhindo na minha alma. Acredite, cheguei atravessar ruas, quando enxergava índios no meu caminho. Mas isso tudo, de forma silenciosa, sem escândalos. Mas eu sabia que, algum dia, eu teria de enfrentar a ‘fera’, o medo.
Dia desses, “por acaso”, uma amiga me ligou, pedindo se eu queria ir com ela em tribos indígenas da região, aonde ela trabalha na coleta de água. “Será uma aventura e tanto, você vai gostar”, me disse, tentando convencer-me. Minha amiga não sabia, ainda não sabe, do filme que eu acabei de relatar aqui. E eu só pensei: não há aventura maior pra eu ainda viver no meio dos índios. Demorei um pouco a dar-lhe resposta. Eu precisava pensar, medir o grau do desafio, se valia a pena, se não era melhor permanecer com o medo, que já convivia comigo há tanto tempo.
Entre “os pós e as contas” (como diz um amigo meu), decidi enfrentar o ‘bicho-papão’. Claro, tive de adiantar meu trabalho, pois não tenho hora, nem dia de folga. Mas o que é o trabalho, diante de um ‘bicho-papão’, né?... Mas eu não tinha elementos, dentro de mim, pra me preparar ao ‘embate’, que seria, com certeza, surpreendente. Nem tinha mais o fio da meada nas mãos – o que pensar, o que faria, se.
Na manhã marcada, lá fomos nós às aldeias indígenas. Mas aquela, justamente aquela, ficou por último. E, diante de tantas nuvens, tantas árvores, tanta natureza perdida pela estrada, eu - confesso - cheguei esquecer o reencontro com aquela tribo.
De repente, lá estava eu, diante daquelas fisionomias que me são inesquecíveis, numa outra situação, atípica, completamente diferente – talvez, por isso, não me reconheceram. Minha amiga, sem saber de nada, percebeu o meu silêncio, e, na saída, manifestou isso. Eu nada lhe disse, para não sair de lá, vestida de vítima, pois fui eu que causei a ação dos índios, naquela época.
Agora, enquanto escrevo, beeeeeeeeeeeeeeeem longe daquela aldeia, fico pensando que o ‘bicho-papão’ que guardei no imaginário era mais condizente com o meu medo, do que com aquela tribo miserável. São índios que receberam terra, e não plantam; recebem roupas, que ficam jogadas pelo chão, chafurdadas pelas chuvas. Perderam a própria identidade, e recebem esmolas de uma outra ‘civilização’. Estão à margem de uma história, que já não é mais a deles, por que não constroem.
O ‘bicho-papão’ chorou, e eu não tinha lenço, para secar-lhe as lágrimas. Nem penso se venci algum desafio, com isso. Não sinto medo. Talvez, o ‘bicho-papão’ nunca tenha existido. Nem o medo.
Que venha o próximo – por que sempre vem...

sábado, 11 de julho de 2009

“Parem o mundo, que eu quero descer!...”


Desde sempre, ouço essa frase aí de cima, em circunstâncias diversas. E hoje sou eu que a repito. Talvez, ninguém saiba o nome do autor dessa grande máxima (tampouco eu sei). Não importa - poderia ser Chico Xavier, ou Fernando Pessoa, nomes que eventualmente substituem o ‘autor desconhecido’, nessas mensagens que recebemos por email.
A verdade é que hoje sou eu que quero gritar:
“Parem o mundo, que eu quero descer!...”
Se possível, se não for pedir demais, podem me ‘despejar’ bem ali, debaixo daquela árvore cheia de raízes, e galhos, e folhas. Aquela árvore mais distante, sem ruídos, sem movimento. Árvore que não fala, nem escuta, por que não pensa, nem sabe que existe.
Recosto na árvore antiga, de sombra secular, e deixamo-nos ficar assim: ambas silenciosas de um mundo barulhento. Os seres humanos (a maioria) não suportam o silêncio, e por isso ruidosamente vivem, sempre em direção dos sons, dos gestos, dos pensamentos, das lembranças e das idéias cheias de barulhos – altos, baixos, mas barulhos. Quando nada escutam, falam, falam até sem pensar (seria pra pensarem no que estão falando?).
Também eu faço parte desta humanidade turbulenta, tumultuada, cheia de ruídos. Mas hoje, só hoje, quero descansar...
“Parem o mundo, que eu quero descer!...”
Não quero saber de interpretações – nem as alheias, muito menos as minhas próprias. Quero simplesmente ficar, silenciosamente ficar.
Muito prazer, senhora árvore, e muito obrigado por acolher-me, sem nada questionar, sou-lhe grata pelo recostar em sua sombra, sem precisa ouvir, ou falar.
Faço parte de um universo onde a desconfiança está em alta. Cada ser humano é objeto de desconfiança, às vezes até para si mesmo. Precisamos estar na ‘moda’ – ou nos vestimos como todo mundo, falamos a mesma linguagem, repetimos os gestos comuns, ou não fazemos parte. Tudo para agradar a todos, que também querem agradar em tudo.
Venho de um mundo, dona árvore, onde os ‘pseudos’ estão se enraizando mais que as suas raízes grossas, antigas. É preciso parecer Gérson (um jogador de futebol, que é mais lembrado, não por uma jogada ‘fenomenal’, mas por causa de uma frase que disse, quando faturou um comercial de televisão: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?”).
Tenho sabido de alunos que espancam professores, em plena sala de aula. E há estudantes que são assassinados por balas perdidas. Tem mãe jogando filho em lata de lixo. Tem pai estuprando filha. Há gente estourando bombas em escolas, ônibus, casas de família, ambientes públicos. Já entrevistei um “jagunço” (ele se denominava assim, e até parecia orgulhar-se disso) que matava uma pessoa, “sob encomenda”, para quem lhe pagasse R$ 50. Gente que mata gente, e até se mata. E eu que não consigo matar uma galinha, tirar um peixe de um açude, fazer matéria em abatedouros e frigoríficos (minha arma tem sido sempre a palavra).
“Parem o mundo, que eu quero descer!...”
Mas ainda há os sofrimentos particulares, dona árvore. Tem gente torturando gente, com humilhações, ameaças, ódios. Gente que torce para que o outro, seja quem for, se dê mal na vida. Gente que se importa mais com a vida dos outros, do que com a própria vida. Gente que fala demais da vida dos outros, no mesmo tempo que poderia estar refletindo sobre a sua própria vida. É muita gente pisoteando em muita gente. Gente orgulhosa. Gente impetuosa. Gente maledicente. Gente egoísta. Gente nervosinha. Gente agitada. Gente barulhenta. Gente com patas de aço. Gente. Gente. Também eu faço parte de toda esta gente.
Só por hoje: “Parem o mundo, que eu quero descer!...”