quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Divino amigo


Vou escrever sobre um tema que tenho evitado abordar com profundidade, por que eu sei o limite de uma amizade sem limites.
Pra mim, não existe essa historinha de:
- bons amigos,
- melhores amigos,
- lindos amigos,
- verdadeiros amigos,
- amigos do coração,
- amigos insubstituíveis,
- amigos fiéis,
- amigos inseparáveis,
- eternos amigos.
‘Porra’! Pra mim, existem amigos, sem catalogação. Senão, haveriam:
- maus amigos,
- piores amigos,
- feios amigos,
- falsos amigos,
- amigos do fígado (do baço, do intestino, sei lá),
- amigos substituíveis,
- amigos infiéis,
- amigos separáveis,
- amigos efêmeros.
Se houvesse, na real, toda essa catalogação, nem precisaria haver a palavra inimigo. Sobre inimigo, inclusive, deixa te dizer que não creio que, na prática, o significado dessa palavra (inimigo) corresponda ao tamanho peso que lhe é conferido, em todos os dicionários. Acredito, sim, em algo mais ameno: inimigos, por causa de idéias diferentes, posicionamentos antagônicos, etc e tal. E vou além. Creio que existem inimigos – ferrenhos mesmo -, em função da disparidade de opiniões. Sem concessões, de ambos os lados, não há entendimento – até criança sabe.
Você pode estar pensando (ou não): Ah, mas tem muita gente assassinando aqueles que considera inimigos. Tem sim, lamentavelmente. Quanto a isso, penso que, se não houvesse uma arma por perto, naquele exato momento de raiva, não haveria o ato mortal. Ou será que você nunca, nunca mesmo, pensou em matar alguém?... Eu já perdi as contas das vezes que pensei... Depois do ímpeto raivoso, pode observar, se você também é humano, que até você teria matado, por causa de alguma manifestação contrária à sua. Sei que egoísmo e orgulho não justificam ‘porra’ alguma (nem deveriam mesmo), mas teríamos de ser mais atentos quanto a isso também. Acho.
Escrevi tudo isso, pra registrar aqui a presença do meu amigo Divino. É uma criatura divina, de nome Divino. Vivemos mais de dois mil quilômetros distantes, e estamos tão próximos. Nem pense que é relacionamento mantido via internet, onde basta você trocar de “nickname”, ou bloquear emails, e não há mais contato com alguém que discorde do que você pensa e/ou sente (mais simples que a vida mais simples). Acho que a internet é um meio maravilhoso de afinidades se reconhecerem, neste mundão de meu Deus. Escrevi meio – não o “lugar feliz” da amizade. Principalmente, desentendimentos têm maior possibilidade de serem esclarecidos, através do tradicional “olho-no-olho”, até com direito a um abraço surpreendente, em acalorada discussão. É o que penso, sem querer me aprofundar nisso.
Hoje, trago pra cá meu amigo Divino comigo. Divino é uma criatura rara que, há muitos anos (nos conhecemos lá pelos anos 80), eu encontrei neste mundo. Bem-humorado, irônico, um menino grande, de cabelos brancos. A alma dele é livre. De tempos em tempos, precisa buscar energias no mato, e ficar só, viver do que lhe presenteia a natureza, que faz germinarem as tantas sementes que ele planta. Divino tem esposa, filhos, netos – família goiana compreensiva com os “ímpetos” do marido, pai e avô. Mas meu amigo (sem catalogação) é Divino – pássaro livre, que precisa tocar o impossível, intangível. Conversarmos é algo mágico, inesquecível, por que rimos e choramos juntos, mesmo quando, aos ouvidos de outros, o papo pareça “sem o menor sentido”. No meio da nossa conversa, Divino aproxima o violãozinho, começa tamborilando, tocando baixinho, até que cantamos juntos, e rimos, e choramos.
Meu amigo Divino lembra demais Forrest Gump (alguém consegue esquecer o filme?). Divino é tão, ou mais, trabalhador que Forrest, Forrest Gump, e também não tem apegos. Divino construiu, com as próprias mãos, a casa que a família dele vive até hoje – e depois a de cada filho, ou filha. Meu amigo Divino tem as mãos calejadas, e o brilho mais lindo que já vi no olhar humano. Agora, ele está numa UTI de Goiânia – pássaro engaiolado, debatendo-se entre a vida e a morte. Meu amigo Divino sabe da passagem do tempo, como ele mesmo diz, como quem atravessa rua larga sem faixa de segurança.
É a voz de Divino que escuto agora: “Saudade é um sentimento inferior” (e ele mesmo ri do que diz)...

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