segunda-feira, 26 de abril de 2010

Cotidiano irônico

Ainda estou em ‘ritmo’ de Quintaninha...
Mario de Miranda Quintana nasceu na cidade de Alegrete (RS), em 30 de julho de 1906, falecendo, em Porto Alegre, no dia cinco de maio de 1994, próximo de seus 88 anos.O escritor tornou-se imortal, mesmo não tendo sido aceito pelos membros da Academia Brasileira de Letras, por três vezes. Irritava-se com isso, e não gostava quando, mais uma vez, era indicado por algum amigo, à cadeira vaga na ABL. No cotidiano irônico em que conduzia a vida, Quintaninha escreveu, em homenagem àquela Academia:

“Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(Prosa e Verso, 1978)”

Quintaninha teve uma vida solitária, depois que saiu da casa dos pais, no interior do Rio Grande do Sul, e foi morar na Capital Gaúcha. Em Porto Alegre, até onde sei, ele não teve uma casa sequer. Hospedava-se em pensões, hotéis, lugares até hoje visitados pelo grande público que gosta de conhecer a história do escritor irônico. Inclusive, no prédio onde existe hoje a Casa de Cultura Mário Quintana, bem no centro de Porto Alegre, funcionava, em outros tempos, o Hotel Majestic, que, durante muitos anos, abrigou o escritor. Por ocasião do Fórum Mundial, acabei visitando a Casa de Cultura, onde, na cobertura, assisti a apresentação do escritor Luís Fernando Veríssimo, que, timidamente, tocava saxofone, uma das paixões do renomado cronista.
Voltando a Quintaninha, acabei de reler “Ora bolas – O humor de Mário Quintana (historinhas compiladas e adaptadas por Juarez Fonseca)”. Na minha opinião, o livrinho de bolso tem efeito de uma grande enciclopédia, pois corresponde à imagem que Quintaninha gostaria, provavelmente, de ser lembrado. Penso isso, em razão da ironia que o escritor manteve, por toda a vida. Uma amiga minha, enfermeira profissional, que atendeu Quintana no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, onde o escritor permaneceu internado, até o falecimento, contou que “apesar de debilitado, ele continuava irônico. Cada vez que eu entrava no quarto, o escritor dizia que, se pudesse, ainda escreveria um poema sobre os meus ‘lindos olhos azuis’”, me disse a amiga, com a voz embargada.
Quando perguntavam a Mário Quintana por que ele não havia casado, a resposta estava sempre na “ponta da língua”. Ele justificava, dizendo que a culpa era do ministro da Educação, que havia mudado os horários de trabalho dos funcionários, incluindo uma funcionária pública com quem Quintaninha saía para conversar, e não pôde mais encontrar.
Até hoje, não só no livro de Juarez Fonseca, muito se fala sobre a grande paixão do poeta Quintana por Cecília Meireles. Uma vez, inclusive, contam que Quintaninha estava com um amigo, e resolveu encontrar-se com Cecília, que visitava Porto Alegre. Para “tomar coragem”, a dupla foi beber um pouco. Pelo visto, os dois beberam um pouco a mais, pois nem um dos dois lembrou da visita à Cecília Meireles.
Mário Quintana costumava dizer que só tomou um porre na vida, o qual teve a duração de 25 anos. Nesse tempo, era comum as pessoas encontrá-lo, logo cedo, bebendo em algum bar, pela Rua da Praia. Alguém perguntava: Já bebendo, poeta? – Ele respondia: Ainda.
A ironia fez companhia ao poeta, a vida inteira. Elena, a sobrinha de Quintana, era quem o assessorava em tudo – viagens, divulgação dos livros, etc. Relata Juarez Fonseca: “Nos últimos tempos, Quintana gostava de ficar deitado no escuro, quieto, e queria que sempre alguém ficasse com ele. Um dia, Elena protestou: - Mas tio, o que eu vou ficar fazendo aqui, nesta escuridão? - Senta aí e simplesmente me adora...”
O escritor gostava de jogar – jogo do bicho, loterias, loto, o que fosse. Um dia, foi atropelado, e a primeira coisa que falou foi para que anotassem a placa, para jogar na loto. Do acidente, resultou o femur quebrado, o qual teve de receber prótese de platina. “Agora sim, serei um poeta de valor” – disse Quintaninha.
As ironias dele eram lançadas pelo ímpeto, e muitas pessoas riam junto, sem saber que estavam rindo de si mesmas. Uma das cenas mais comuns, na vida do escritor, que trabalhava na redação do Correio do Povo, era gente procurando-o, com um monte de poemas, sonetos, textos, para que eles os lesse. Quando um tímido rapaz apareceu, com mais um ‘calhamaço’ de sonetos, “puxou conversa” com Quintana, dizendo: “Eu gostaria de trocar umas ideias com o senhor”. De imediato, recebeu a resposta: “Melhor não, acho que eu sairia perdendo” (na troca).
Quintaninha tinha sempre uma frase irônica. Quando viajava, sempre era recebido com toda “pompa”, mas tinha gente que exagerava, perguntando até qual marca de carro ele preferia andar pela cidade. “Marca, não, mas a cor. Azul.” – respondeu o grande amigo do casal Érico e Mafalda Veríssimo. Mafalda, aliás, presenteava sempre o poeta, com vários pares de meias de lãs, de todas as cores, as quais ela mesma tricotava. “Mafalda deve pensar que sou uma centopéia” (comentário dele). Diante da placa de advertência “esquina perigosa”, Quintana falou: “Como se a esquina pudesse ser perigosa. Perigosos são os motoristas, ora bolas...”

Quintaninha permanece entre nós – muito mais que nas páginas dos tantos livros que escreveu e dos tantos outros que traduziu. O “guri” poeta ainda inspira ironias ingênuas, quase pueris...

terça-feira, 20 de abril de 2010

Quintaninha

Com toda certeza, foi Mário Quintana o primeiro autor que eu, nos meus cinco anos de idade, aprendi a ler. O Correio do Povo ainda era do tamanho standard (velhos tempos!), e o Caderno H estava sempre lá, todos os domingos, quando meu pai comprava jornal. Anos depois, Quintaninha já me era íntimo, pois eu lia e relia tudo o que havia publicado dele. E continuo relendo, até hoje. Foi aí que surgiu a Jornada Nacional de Literatura, e eu fui convocada pra fazer a cobertura para o jornal em que trabalhava. Tente imaginar minha tristeza! hehehehehehehe
Pra conseguir entrevistas exclusivas com os escritores convidados para o evento, até que me dei bem. Claro que não vou revelar as ‘armas’ que tive de criar, pra conseguir que me atendessem, pois ainda as utilizo (as ‘armas’ jornalísticas). Confesso que, ao ler a lista dos escritores convidados (Josué Guimarães, Moacir Scliar, Sérgio Caparelli, entre outros que não marcaram a minha memória), o nome Mário Quintana (lá estava ele!) me causou emoção. Finalmente, eu encontraria o ‘cara’ que me motivou a aprender a ler. Foram “tantas emoções”, que os meus dias que antecederam ao grande dia (entrevista) foram recheados de ideias malucas – nos encontraríamos, e Quintaninha já saberia da minha existência, e conversaríamos sobre tudo: os livros que ele estava escrevendo e traduzindo, os livros que eu estava lendo, até perdermos a noção do tempo.
Claro que não foi assim o nosso (único) encontro. Suprimindo como consegui a “impossível entrevista”, lá estava eu, no hall de entrada do hotel, de olho na porta do elevador, que não abria, acompanhando o tempo, que também não passava. De repente, eis que surge Quintaninha – passsos envelhecidos e olhar de menino. Olhou pra mim, e sorriu, cumprimentou-me com a mão com veias grossas. Depois do “bom dia, como é seu nome?” – convidou-me a entrar com ele, de volta ao elevador, que, acionado pelo escritor, nos levou ao restaurante vazio, na cobertura do hotel. E eu sem tirar os olhos de Mário Quintana, sem falar coisa alguma – extasiada, estupefata, idiota mesmo.
O escritor deve ter percebido meu nervosismo emocionado, por que tomou a iniciativa de contar que “ainda tenho uma entrevista no programa já, aqui na cidade”. O “já” que ele se referiu era o Jornal do Almoço, programa tradicional, até hoje, nos canais de uma televisão. Expliquei-lhe isso, mas não deu bola, continuou rindo. Rimos juntos, para depois conversarmos sobre literatura, escrita, escritores. Nunca fui “repórter avalanche”, que enche o entrevistado de perguntas. Prefiro ligar o gravador, e deixar fluir – venha o que vier. Só pergunto o que não me foi esclarecido – no máximo, isso. Assim também fiz com Mário Quintana, que me contou “causos” de Alegrete (as lembranças da infância no interior gaúcho – a natureza a perder de vista, sem uma casinha sequer). Depois, me disse que não se enxergava como escritor, poeta, pois escrevia e publicava o que pensava, imaginava - com naturalidade, sem esforço. E ainda fez um comparativo sobre nós dois sermos “operários da imprensa”, que eu devia saber o que ele falava. Eu sabia.
Talvez, o que mais tenha marcado em mim, naquela entrevista única, não foram as palavras de Quintana, mas os mínimos gestos, o sorriso maroto, o olhar irônico e inquieto, e as mãos pousadas suavemente nos joelhos miúdos. Quintaninha tinha estatura pequena. O que denunciava-lhe velhice era o andar lento, meio torto, uma leve curva nas costas, quase desapercebida, por causa do sorriso constante. Ah, a cabeça dele chamava a atenção: poucos cabelos brancos, rugas marcadas pelo tempo – o mesmo tempo que o “guri” continuava negando.
Naquela época, eram poucas as entrevistas publicadas com Quintaninha. O que eu mais conhecia mesmo era a obra dele. Deixá-lo à vontade me deu prazer enorme, pois percebi que ele não parecia preocupado com horário, ou outra coisa qualquer. Pediu cafezinho, fumou uma meia dúzia de cigarros, sempre sorrindo. Falamos sobre o livro infantil mais recente que ele lançara: “Pé de Pilão”, o qual ele presenteou-me, com um exemplar autografado (depois, dei o livro a um garotinho que estava aprendendo a ler). Quintana falou da esperteza das crianças, do alcance de raciocínio às “coisas adultas”, e acrescentou que estava gostando da experiência de transitar novamente pelo universo infantil.
Depois, claro, falou sobre a importância da Jornada de Literatura, elogiando a iniciativa, etc e tal. Não sou muito ligada nessa ‘coisa’ chamada tempo, mas, com toda certeza, conversamos muito mais que uma hora – ele também gostava de olhar bem nos olhos do outro olhar. Acompanhou-me ao hall do hotel, agradeceu-me a companhia, e, com um ‘tiau’, convidou-me pra ir à abertura da Jornada. Claro que eu fui – e lá estava Quintaninha, no centro de uma mesa enorme, de um grande palco, do maior holofote. Falou pouco, mas o pouco que disse fez o público silenciar, em pleno hipnotismo literário...

sábado, 17 de abril de 2010

Pulseirinhas poderosas

Quem diria que, um dia, umas simples pulseirinhas de silicone seriam tão poderosas, ao ponto de “induzirem” ao ato sexual, hein?... É o que – dizem - está acontecendo entre grupos adolescentes de todo o mundo, desde que surgiu esse “código”, na Inglaterra, espalhando-se pelo universo internauta, e vindo parar no Brasil. Apelidados de “pulseiras do sexo”, os adereços coloridos têm “códigos” (desde um abraço, até a relação sexual).

Final do ano passado, eu presenciei a cena:
Diante da vitrine, uma garotinha com menos de dez anos à mãe:
- Olha, mãe, olha. São essas as pulseiras que eu quero. Quero de todas as cores!...
A mãe, desconfiada:
- Ah, não!... Essas são feias...
- São bonitas, e a fulana (não guardei o nome da garota ‘maiorzinha’, provavelmente irmã, que olhava outra vitrine próxima) tem. Eu quero! Eu quero!
- O quê? (gritou, desesperada, a mãe, puxando o braço da filha mais velha – nem tanto) Você tem essas pulseiras?...
A garota permanece calada, enquanto a “maninha” não deixa por menos:
- Ela tem sim, mãe, e vive comprando mais. Até parece que perde...
A mãe, com olhar estupefato à filha com 13-14 anos, não mais que isso:
- Como você compra essas porcarias?... Com que dinheiro?...
É a “maninha” quem responde animada, talvez, na tentativa de ganhar o que tanto queria:
- Custa baratinho, mãe!...
Ali mesmo, na calçada, a mãe começa bater na ‘mocinha’ que ela mesma pariu. E eu me mando, obviamente.
Depois, voltei à vitrine, pra observar as pulseirinhas siliconadas, coloridas, aparentemente inofensivas.

‘Porra! Baralho’!!!! Que mulher nunca usou uma bijouteria?... Hoje, até os homens (nem todos metrossexuais) usam bijouterias, até jóias de altos quilates. Lembro a minha fase “aborrecente”, quando eu me deliciava com feira hippie... Se houvesse situação semelhante, naquela época, entre as minhas perguntas idiotas (hein? o quê? sério mesmo?), eu já seria a próxima a ‘embarcar’ nesta ‘roubada’. Alguém aí pode pensar que os adolescentes de hoje são mais espertos, ‘antenados’, sacam tudo, distantes da minha ingenuidade, quando tinha a idade deles, etc e tal. Pode até ser. Cá entre nós, mais que atrativas, as pulseirinhas fazem parte da “moda do momento” (quem vai querer ficar de fora?).
Educar?... Ah, senhores sonhadores e idealistas, não há mais tempo, pois as pulseiras estão causando, a cada dia, ou noite, mais violência, estupro, assassinato de meninas que só queriam viver a moda. Pra piorar a situação, tem muito marmanjo aproveitando a ‘onda’, pra violentar mais crianças, matando-as, e deixando, ao lado dos corpos, as “pulseiras do sexo” arrebentadas (o grande trunfo do “consegui”).
As proibições já começaram. No Rio de Janeiro, a equipe da Secretaria Municipal da Educação proibiu o uso das tais pulseiras, em todas as escolas públicas, onde está havendo ‘varredura’ geral. Em Santa Catarina, os deputados aprovaram projeto proibindo a venda das pulseirinhas. Se o comerciante catarinense teimar em vender, leva multa de cinco mil reais.
Se não fosse a “pulseira do sexo” (expressão que combina mais com sex shop), já teriam inventado outro sinal, com toda certeza, por que os adolescentes crescem querendo romper barreiras, atraídos pelo proibido. Sei que muitas “festas semáforo” são realizadas por todo lugar, com a participação de “menores de idade”. A festa ‘funciona’ da mesma forma das pulseiras, utilizando as cores verde, amarelo e vermelho, que identificam as intenções dos jovens – verde: tá a fim de ficar; amarelo: tá pensando, não decidiu ainda; vermelho: cai fora.
Não sei se você lembra o tempo em que foi lançada a educação sexual nas escolas. Muitas pessoas manifestaram-se contra, alegando que as aulas despertariam “a curiosidade” dos adolescentes. Oras carambolas, educação sexual, em casa e na escola – diálogo, “triálogo” -, ainda continua sendo a melhor vacina. Só precisa suprimir algumas palavrinhas: pecado, culpa, medo e similares.
O que penso a respeito é que essas garotas (a maioria brinca de bonecas, escondida) não são retardadas, nem os garotos que ficam de olho nas ditas pulseiras. Isso a gente sabe. Garotos e garotas querem reproduzir o “jogo adulto da sedução”. É inocente (acredite!), sem me referir a julgamento (inocente ou culpado). Falo da inocência genuína, aquela que nos move, na primeira infância ainda, à masturbação, na descoberta do próprio corpo que habitamos (tem pesquisador bisbilhoteiro espiando feto se masturbar, no morno líquido amniótico). Por isso, repito, é inocente, mesmo quando a menina e o menino dizem: “não se metam na minha vida”. Por já termos vivido a adolescência, sabemos dos medos e dos desejos, nem sempre contidos. No meu tempo, não havia tanta moda. Por sorte, ou azar, eu ainda resolvi ser uma adolescente rebelde – não convivia com meus contemporâneos, queria buscar meu próprio caminho, que até hoje não achei...
Tá bom. Apreendem os adereços de silicone. Retiram tudo do mercado e dos pulsos das crianças e dos adolescentes. Acham que, assim, tudo fica resolvido?... Perdem o acesso às ditas pulseiras, perdem o desejo de seduzirem, de serem seduzidos, não querem mais saber do “proibido”?... ‘Porra’! Só aceito uma opinião dessas, se a última argumentação for: Papai Noel existe. E se os adolescentes e crianças resolverem criar “códigos de apelo sexual”, usando materiais escolares – como fica?...
Ah, por favor, senhoras e senhores puritanos, moralistas, não venham com a conversa de celibato, etc e tal. ‘Prestenção’ nas manchetes diárias sobre casos de pedofilia cometidos por religiosos – considerados, até há pouco, “celibatários exemplares” -, em todo o planeta.
Ninguém nasce adulto e maduro (depois, alguns se perdem no caminho). Mas cada criatura precisa (merece) saber que pode fazer o que quiser com uma roupa, um adereço, uma revista, e o próprio corpo – há tempo de cada coisa... Mas precisa aprender a assumir tudo isso – e muito mais... “Liberdade, liberdade”, sim, com responsabilidade, sempre – isso precisa ser ensinado, aprendido, esclarecido, compreendido.
Imagine: num sex shop, o que fariam uma criança de um aninho de idade (fase da dentição), uma senhora evangélica (fase da crença), uma mulher bem resolvida (fase da maturidade) e uma drag queen (fase da purpurina). Imaginou?... ‘Poizé’, com as ditas pulseirinhas, a situação é a mesma – “cada qual, cada um”. É o que acho – eu, que já li Cassandra Rios, pra constatar isso...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Eterno Chico

Quem nunca teve um amigo chamado Chico?... Mas Chico Xavier continua sendo um só – único e eterno Chico. Este ano, todos os holofotes estão direcionados para o velho Chico, que estaria completando um século de existência, se não tivesse desencarnado em 2002.
Toda minha formação religiosa provém do kardecismo. Quando eu e meus irmãos éramos pequenos, Seu França, nosso pai, nos apresentou diversas religiões – as tradicionais, pois muitas, como “Esconderijo do Senhor”, que vi em Goiânia, ainda não existiam. Todo domingo, frequentávamos missas, cultos diferentes, para escolhermos uma religião a seguir. Meus irmãos optaram logo, e eu, com sete anos de idade, fiquei por último, reclamando com meu pai que os discursos religiosos terminavam sempre com “fim de tudo”, ou “segredo”. Foi por isso que meu pai resolveu revelar um segredo dele: sempre foi espírita kardecista, desde o tempo em que espiritismo era combatido, por ser considerado comunismo. Aliás, qualquer “ismo” pressupunha, na época, comunismo. E lá fui eu conhecer, junto com Seu França, o meu primeiro Centro Espírita, lugarzinho que, até hoje, quando retorno, me é tão familiar.
Li e ainda leio obras kardecistas. Não ouso dizer que li os 451 livros psicografados por Francisco de Paula Cândido Xavier, mas pretendo chegar lá. Há espíritos com os quais sinto afinidades. Sem contar Emmanuel e André Luiz – companheiros inseparáveis de Chico, em toda a missão -, há lindas mensagens de Meimei, Maria Dolores, Camilo Castelo Branco, Humberto de Campos (o “Irmão X”), e tantos outros, que ficaram registradas, para todo o sempre, por Chico Xavier, homem simples de Uberaba – MG.
Meu pai tinha um afeto especial pelo velho Chico – os dois nem chegaram se conhecer, mas tinham alguns aspectos (visíveis) em comum: a fé, o bom humor, a paciência, e até a marca registrada de Chico Xavier, que foi o inseparável boné de orelhas (meu pai usava sempre). Seu França sempre repetia que “Chico só poderia ser aceito pelos espíritas, mas teria trabalhado, com o mesmo amor, em qualquer outra religião”. Cresci ouvindo informações sobre Chico Xavier, como quem sabe de algum parente distante, sempre presente, até nas conversas mais triviais.
Há pouco, assisti “Chico Xavier – o filme”. Gostei do que vi. O diretor Daniel Filho foi fiel aos relatos e biografias sobre Chico Xavier. O tempo é curto, pra contar tantas histórias de uma vida de 92 anos, neste planetinha. Mas valeu o esforço – o filme ficou “redondinho”, sem pieguices, ou fanatismo. O eterno Chico merece, a Espiritualidade também, junto com os espíritas e todos os religiosos que dedicam o tempo de vida ao bem da humanidade.
Como se não bastasse todo movimento em torno do nome Chico Xavier, é comum o “autor desconhecido” ser substituído pelo médium espírita, nas mais diversas mensagens que a gente recebe, por email, diariamente. Às vezes, são conteúdos absurdos, parágrafos desconexos, catados aqui e acolá, e reunidos em mensagens de power point. Provavelmente, se Chico soubesse disso, diria, naquela voz profunda, quase inaudível: “O que vale é a intenção”.
Enquanto assistia o filme, fiquei pensando tantas coisas. Chico Xavier fez da vida, um sacerdócio. Todo mundo o admira por isso. Naquela simplicidade mineira, ele se dizia “escrevente e carteiro” (psicografava obras ditadas pelos espíritos, e recebia cartas do além, com o nome de cada destinatário). Praticou todo bem que possa existir na vida humana, e não foi considerado “milagreiro” – era e ainda é visto e admirado (por espíritas, não-espíritas e até ateus) como ser humano. Além de admirá-lo, todos nós podemos (ainda há tempo!) seguir um exemplo do velho Chico – ou dois exemplos, ou tantos quanto consideremos possíveis. E o planeta inteiro teria (quem sabe?) a fé, o bom humor, a paciência de Chico Xavier, que estaria mais vivo que as próprias obras psicografadas, que sempre emocionam o mundo...

domingo, 11 de abril de 2010

Esqueceram de enterrar

O sistema prisional brasileiro está falido – isso todo mundo sabe. Tem gente até careca de saber. O que as pessoas não sabem, ou não têm certeza, ou nem querem saber, é que esqueceram de enterrar o dito sistema.
Acredite se quiser, o custo mensal, para manter um preso na cela, varia de R$ 1,3 mil a R$ 1,6 mil. Alguém sabe o valor do salário mínimo vigente, no Brasil?... Socorro!!!! Tudo isso é somatório dos gastos com manutenção do presídio: água, luz, telefone, salário dos agentes penitenciários, dos agentes de escolta, dos psicólogos, dos administrativos, mais alimentação e roupas dos presidiários.
E ainda tem mais. As penitenciárias brasileiras abrigam, em péssimas condições, 417.112 prisioneiros (ou mais). O relatório é do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), sem contar os 56.514 detentos das delegacias espalhadas por todo o País. A pesquisa afirma ainda que cerca de 80% dos detentos brasileiros não trabalham, nem estudam.
Embora não haja números oficiais, o Depen calcula que, no Brasil, em média, 90% dos ex-detentos que retornam à sociedade voltam à vida criminosa, e, consequentemente, à prisão. Não bastasse tudo isso, o sistema prisional registra grande número de rebeliões e fugas de presos. Cá entre nós, quem vai querer fugir, senão aquele que tem “vida feita no crime”?... O coitado do ladrão de galinhas sabe que, quando for solto, será excecrado, sem apoio da sociedade – a mesma sociedade que quer punição aos criminosos, sem querer saber como vivem nos cárceres. O criminoso profissional é que quer fugir, pra exibir a grande façanha, e receber “respeito” do grupo que pertence.
Quer mais?... Desconheço outro País que tenha regimes “aberto”, ou “semi-aberto”, em penitenciárias. Você sabe de algum?... Sei lá. Pra mim, prisão é prisão, fechada mesmo (por isso que se usa a expressão: “me sinto aprisionada”). Outra: se o cara ‘leva’ 30 anos de prisão, cumpre um terço da pena, e já ‘tá’ livre, leve e solto.
‘Tô’ lembrando, aqui, casos graves, crimes considerados hediondos pela justiça (homicídio, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, estupro, epidemia com resultado morte, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapeuticos ou medicinais, crime de genocídio, e alguns outros esquecidos). Esses são inafiançáveis, mas ainda têm previstas mudanças de regime: “§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. § 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente” (Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007).
Há muitos anos, uma amiga minha testemunhou o assassinato do próprio filho. Até então, minha amiga, religiosa ao extremo, defendia o perdão a todos os detentos, inclusive realizando atividades, junto a presídios, tentando, como ela mesma dizia, “trazer ao bom caminho, as ovelhas desgarradas”. Com o assassinato do filho, minha amiga continuou religiosa, mas mudou o discurso: acompanhou todo processo judicial do assassino que matou o filho dela, e queria que a “justiça de Deus” fosse feita.
Na minha profissão, por diversas vezes, fui fazer entrevistas em cadeiões, penitenciárias, presídios. Posso te garantir que não enxerguei lá, atrás dos altos muros e da fortaleza de grades, sequer um detento raquítico passando fome, como vejo, diariamente, aqui fora, disputando lixeiras públicas, nessa liberdade que nos aprisiona a todos. Pelo contrário. Encontrei homens e mulheres bem nutridos. Inclusive, por ocasião de cada inauguração de mais uma ala prisional, os políticos fazem questão de gritar no microfone: “Estamos dando vida digna a todos os nossos detentos, por acreditarmos na ressocialização deles”. Oras carambolas, trabalhador de salário mínimo também deseja vida digna, e, mesmo não conquistando, continua respeitando as leis – às vezes, perde o sono, por que tem dívida de quinze reais, no mercadinho da esquina. Vida digna, pra mim, deve ser pra TODOS – dentro e fora das prisões -, levando-se em conta, obviamente, as penalidades àqueles que desrespeitam as leis que regem a sociedade (senão, vira bagunça).
Já entrevistei um garoto em condição de rua que me confessou: “Quando meu pai ‘tava’ preso, minha mãe disse que era melhor assim, por que não precisava sustentá-lo”. O pai roubava, bebia e batia na família toda, e a mulher é que tinha de pagar as contas. Pelo visto, cada vez que o pai era preso, a situação amenizava – ninguém apanhava, e os gastos reduziam, por que era a sociedade (nós todos, através dos impostos exorbitantes) que pagava a conta.
Outra vez, numa cadeia, um detento me relatou o dia dele: “De manhã, a gente acorda, reza na capela, depois toma uma café reforçado, sai pra tomar sol, bate uma bola, joga baralho, fica de conversa fiada, esperando o almoço. Depois, temos televisão, mais jogos. Quem trabalha aqui na prisão, pode escolher o dia e o horário. Tem gente que estuda, aqui dentro mesmo, mas são poucos. Podemos ir pro campo de futebol, e depois voltamos pro lanche e pro jantar. À noite, depois da televisão, a gente dorme”. Brinquei com ele: Desse jeito, vocês engordam mesmo, hein?... Ele riu, mostrando a barriga.
Gente, isso é cotidiano prisional, onde a maioria dos detentos permanece, por que uma certa minoria ainda tem outras regalias, como regimes “aberto” e “semi-aberto”. Aí, a ‘coisa’ muda bastante, por que os presos saem, trabalham fora, e retornam à prisão, pra dormirem.
Nem falei sobre atendimento à saúde. Trabalhador assalariado precisa sair de madrugada de casa, enfrentar filas enormes, nas unidades sanitárias do SUS, enquanto os criminosos presos têm ambulatório nos presídios, e recebem atendimento imediato em consultórios dentários, pronto socorro e hospitais. Tente imaginar quem paga a conta, quando um deles precisa de exame caríssimo!... Eles nem sabem quanto tudo isso custa – quem sabe é o trabalhador, que passa meses tentando juntar dinheiro pra tratamento dentário, longe das grades da prisão.
Já vi preso recebendo soltura, e chorar. Pode ser também emoção – emoção triste, sem perspectiva de continuar tendo a vida que teve atrás das grades (um teto, comida feita na hora, roupa lavada, atendimentos médico e dentário, banho, televisão, sem pagar por isso). Sei lá. Acho que tem qualquer coisa fora de ordem, ou tudo está errado mesmo. Direitos humanos?... Sim – sempre -, pra TODOS os seres humanos... (As palavrinhas “justiça” e “segurança” fazem parte do vocabulário dos bandidos - também.)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Rosário do Rio

Rosário do Rio – Rio de Janeiro. Mais uma criatura que nasceu na rua, se criou nas ruelas da favela. Quando adolescente, insistiam para que ela providenciasse certidão de nascimento. “Pra que, se não sei ler mesmo, e já sei que tô viva?” – repetia, e dava às costas, carregando sempre alguma bacia de roupa por lavar, ou um saco de recicláveis. Rosário não tinha sobrenome, e o nome foi-lhe emprestado por algum morador da favela, mas ninguém mais lembrava quem era. Ouvia o nome “Rosário”, saía correndo, sempre disposta a socorrer.
Desde menina, Rosário tinha um sonho só: queria ser destaque na Escola de Samba do coração – a sempre amada Mangueira. Quando pensava nisso, a garota sambava no morro, ao som de tambores, cuícas, agogôs, e tantos instrumentos de percussão que só ela ouvia, e dançava livremente, às vezes até cantarolando um dos sambas-enredos que mais gostava.
Rosário cresceu sem lar, sem família, aqui e acolá, de barraco em barraco, a vida inteira na mesma favela esquecida. Para retribuir os favores que a mantinham viva, Rosário limpava barracos, cuidava de crianças, catava papelão, latinhas, plásticos. Tinha o hábito de tomar incontáveis banhos diários, por que, desde pequena, acreditava que, lavando a pele negra, um dia seria branca, e a vida iria melhorar. Vida melhor, para Rosário, seria ter o próprio barraco, e até o luxo de uma cama limpinha. Nunca teve.
À noite, quando o cansaço trazia o sono, Rosário procurava um cantinho silencioso, atrás de algum barraco apinhado de gente, e ali encostava o corpo, que adormecia sem sonho algum. No outro dia, levantava antes do sol chegar na favela. E lá ia Rosário varrer o chão da padaria, para comer um pãozinho mais adormecido que ela.
Logo agora, que todo mundo está levando doações (comida, móveis, roupas, até eletrodomésticos) à favela, Rosário não pode receber, e agradecer com o sorriso branco e tímido. Homens públicos, dentro de ternos importados, que Rosário nunca ouviu falar, conjecturam, em gabinetes com ar condicionado, culpam-se mutuamente, enquanto lá fora a lama continua tomando conta das ruas, dos morros, até chegar à última esperança. Rosário não sabe disso – jamais saberá. Rosário está morta, e não há um só alguém que chore a morte dela, por que Rosário é só mais um número, entre tantos seres humanos que trabalhavam e se alimentavam de sonhos de vida melhor. Simplesmente.

terça-feira, 6 de abril de 2010

A meada do fio


O adolescente:
- Tudo foi culpa da minha mãe, que me proibiu de sair pra comer a maior gatona, que me chamou pra discutir relação!...
A mãe:
- A culpa foi do meu marido, que chegou cedo em casa, me xingando e me estressando!...
O marido:
- Eu estava irritado, por que a minha secretária não quis fazer um programinha comigo!...
A secretária:
- Eu não podia fazer programinha com o chefe, por que estava com meu namorado em casa, e ainda tinha mais o que fazer, antes de ficar com meu amor!...
O namorado:
- Eu trabalho em outra cidade, e ganhei folga do patrão!...
O patrão:
- Eu dei folga, por que o diretor do RH estava avaliando o trabalho dos funcionários, o quanto cada um faz falta!...
O diretor do RH:
- Eu inventei essa estorinha de avaliação, por que precisava mostrar serviço, pra competir com meu cunhado, que foi promovido na empresa em que trabalha!...
O cunhado:
- Fui promovido, por que puxei saco do chefe!...
O chefe:
- Tudo o que eu queria era um programinha com a secretária, mas não imaginava que meu filho adolescente fosse o pai da criança!...

Moral da história?... A moral da história é que nem toda história tem moral da história!... Ah, você quer saber da criança?... A criança vai nascer logo, depois do casamento apressado da secretária com o filho adolescente do chefe, que contratou o ex-namorado da secretária como diretor do RH da empresa quase falida, depois da partilha dos bens, com a separação da mãe do adolescente, que conheceu o diretor do RH (autor da estorinha de avaliação), que pediu demissão, abriu o próprio negócio, e tem como amante, o ex-namorado da secretária, aquela que é filha do (outro) patrão, e carrega na barriga o neto do chefe, que daqui a pouco vai ter váááários programinhas de madrugada, trocando fraldinhas do garoto que terá o nome daquele cunhado promovido na empresa... hehehehehehehehehe