terça-feira, 27 de julho de 2010

Velhinhos, uni-vos!

As coisas mudam – e surtam também. Chegou nos ‘enta’, não tem escapatória, até por que sabemos que poucos chegam aos cem. Não consigo entender por que a maioria não aceita a velhice, se também não quer morrer – não há outro caminho.

Um velho viúvo é levado ao clube, para espairecer (perdeu a esposa, há pouco tempo). O filho acomoda o velho em uma cadeira, com guarda-sol, deixando-lhe o jornal do dia, e afasta-se. Em pouco tempo, todos enxergam o velho dar um mergulho de liberdade, na piscina. Depois, o velho ri, dizendo ter matado saudade do rio da infância.

Um velho viveu, a vida inteira, atrás de um balcão de mercearia. Ali, manteve amizades, que também envelheceram, sempre com bom humor. A filha decidiu que o pai viúvo deveria “descansar”, e fez o velho ficar casa, enquanto ela assumiu o negócio. Um dia, a filha voltou para casa, não encontrou o pai, flagrando-o no bar da esquina, na companhia de velhos amigos, jogando cartas. “Não é por dinheiro; só para o tempo passar brincando”, disse o velho, sorrindo.

Os maus tratos à velhinha, cometidos pela própria filha, foram denunciados à polícia, que logo foi retirar a vítima da casa. Quando chegou o socorro, a velhinha, trêmula e ofegante, escondeu-se como pôde, num canto da sala, com medo de apanhar mais.

... Minha imaginação parece fértil?... engano seu... já testemunhei isso na vida, bem menos até do que você deve saber por aí, por todo lugar...

Depois de tantas, a velhice é a última etapa da vida da gente, e também tem suas vantagens (e desvantagens, que todo mundo já decorou). Bom mesmo é que o velho pode dizer que esqueceu de lembrar o que bem entender. O velho pode soltar besteiras desconexas, rindo da cara de espanto de todo mundo. O velho pode viajar de graça. O velho pode voltar a ser criança, adolescente, quando quiser. O velho pode sacanear, até depois de morto, no testamento. Resumindo, acho que a velhice dá oportunidade para o ser humano ser tudo o que já foi, e ser até o que quis (e quer) ser, e (ainda) não foi.
Claro, como em qualquer outra etapa da vida, sempre tem gente pra policiar, criticar e “pegar no pé” dos idosos. Se o velhinho quer ‘aprontar’ mesmo, vai dar um jeitinho, não se importando com o tempo, que já considera até lucro, depois da vida que teve.
O Brasil já tem até o “Estatuto do Idoso”, que garante e salvaguarda direitos da criatura que, a cada ano, bate recordes de vida. Nas “disposições preliminares”, o Estatuto é claro: “Art. 1.º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Art. 2.º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3.º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

Velhinhos, não desistis - uni-vos! Vão aprontando e esperando por mim, que ‘tô’ quase lá... hehehehehehehehe

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Palavras

Meu pai sempre dizia que “é perigoso andar corretamente na linha, o tempo todo, por que volta e meia um trem passa” (ele era maquinista). Seu França falava também que “certamente, há uma luz no fim do túnel - o que é a salvação de muita gente, que ignora que por ali passe trem”.
Não acredite nas minhas palavras. Com isso, não quero te dizer que minto. Já falei que prefiro omitir a mentir. Mas não acredite nas minhas palavras – por que até eu as questiono, e amanhã (que pode ser daqui a dez minutos) estarei dizendo outras palavras, não mais essas. Minhas palavras são o meu caminho – não me levam a lugar algum, nem nunca me abandonam no meio do caminho. Minhas palavras me fazem companhia – e se revezam, e se contrapõem, e discutem, debatem, gritam, e silenciam.
Não acredite nas minhas palavras. Busca as tuas palavras – não sei onde podem estar, mas existem. Questiona tudo o que ouve, para não interpretar as palavras que não são tuas, e dar-lhes a vida que não seria delas.
Cada palavra tem significado especial, mesmo quando dita solitária, ou inconsequente. Cada palavra é única, e carrega, em seu vitelo, o grande segredo: dizer tudo, dizer nada.
Confia e desconfia das palavras que não são tuas. Saiba distingui-las – as tuas palavras -, em meio aos burburinhos, às balbúrdias, ao abismo silencioso. Quando inseguras, prematuras, recolha essas palavras, antes que, em ato selvagem, fujam para longe de ti, desarvoradas, derrubando palavras alheias e cheias de certezas.
Quanto às palavras alheias – carregadas de bem ou mal -, escute-as, respeite-as, mas não se apegue a elas. Como as tuas palavras, também as alheias são caminhos, e às vezes até levam a algum ponto final, ou beco sem saída. Não as acompanhe – por que não são tuas. E as tuas palavras jamais levarão o outro (seja quem for) ao teu caminho, por que, para o outro, tuas palavras já não são tuas palavras. Interpretadas, tuas palavras são palavras do outro. E o caminho por onde o outro segue também não é o teu, por onde te levam as tuas palavras.
Não creia nas minhas palavras – nem nas tuas palavras. As tuas palavras só são tuas, legitimamente, num único e precioso momento: quando ainda nem existem como palavras. De resto, será esforço teu querer socorrer-se em palavras que poderiam ser do outro, como forma de dizer as tuas próprias palavras, na malograda tentativa de palavrear o desconhecido. Por isso, o desentendimento, a interpretação diferente do que era para ter sido o conjunto de palavras tuas. Não o são. Mesmo se você expusesse as tuas trêmulas palavras, ainda assim, já não seriam mais tuas, diante do outro, com outras palavras.
És só. Com ou sem palavras. Também o outro é só. Com ou sem palavras. E não há palavras que nos tire da solidão do existir. Cada ser humano é uma palavra única – nunca descoberta, nem por si mesmo. Assim, absorve e devolve palavras emprestadas, que transitam amiúde, enquanto os sentimentos abrem caminhos só percorridos pela alma humana, na companhia da solidão sem palavras...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

As nossas crises de cada dia

Vivemos e sobrevivemos em tempos de crises – crises mundiais, crises particulares. As nossas crises de cada dia. E não são poucas.
Enquanto o mundo sofre crise econômica, a humanidade tenta equilibrar-se, diante de cada crise. No mais particular da vida, cada ser humano enfrenta, ou foge das próprias crises cotidianas. Quando há superação de alguma crise, outra e outras crises surgem no lugar, com certeza. E lá vamos nós, ‘novamente, mais uma vez, de novo’, tentar sobrepor. Tem gente até que encontra aí o sentido da vida: superação das crises. Eu até procuro, mas não consigo achar sentido algum nisso.
Filologicamente (que palavrão!), parece que a palavra crise descende do sânscrito “Kri” (purificar, limpar, desembaraçar). Pelo que sei, não é só na Índia que crise significa motivação. Na Grécia, parece que também é assim. Depois da crise econômica que abateu aquele país, tomara que os gregos encontrem consolo nisso. Mas, por favor, que não agradeçam as crises...
Já o nosso ‘eterno companheiro amansa-burro Aurelião’ fala (por que, convenhamos, esse dicionário até grita, às vezes): “Crise: s.f. Mudança brusca que se produz no estado de um doente e que se deve à luta entre o agente agressor infeccioso e as forças de defesa do organismo. / Período de manifestação aguda de uma afecção: crise de apendicite. / Manifestação violenta, repentina e breve de um sentimento, entusiasmo ou afeto; acesso: crise de gargalhadas; crise de arrependimento. / Fig. Momento perigoso ou difícil de uma evolução ou de um processo; período de desordem acompanhado de busca penosa de uma solução: a adolescência é uma crise necessária. / Fig. Conflito, tensão: crise familiar. / Fig. Ausência, carência, falta, penúria, deficiência: crise de mão-de-obra. / Decadência; queda; enfraquecimento: crise de moralidade. // Crise econômica, ruptura periódica do equilíbrio entre produção e consumo, que traz como conseqüências desemprego generalizado, falências, alterações dos preços e depreciação dos valores circulantes. // Crise ministerial, período intermediário entre a dissolução de um governo e a formação de outro em regimes parlamentares.”
Mas não quero me enrolar em crises que nem com dicionário nas mãos compreendo. Pra mim, importam mais as crises particulares de cada dia. Afinal, as crises mundiais começam em algum pontinho, que eu acredito ser o ser humano.
São tantas crises particulares, cotidianas. Crises de rinite, bursite, blefaroconjuntivite, e todas as ‘ites’. Crises nervosa, melancólica, depressiva. Crises de soluço, flatulência, tosse. Crises musical, cultural, existencial. Crises de riso, choro, espirro. Crises religiosa, matrimonial, escolar. Crises de bebedeira, abstinência, esquisitice. São tantas as crises. Crises de inspiração, paixonite, bulimia. Crises diarréicas, apnéicas, anoréxicas, e todas as ‘éicas’. Crises de indecisão, hiperatividade, de CPF (ou, melhor, de identidade). Nem quero ir mais longe, pra não chegar naquelas ‘famosas’ crises causadas pelo outro – seja o outro quem for, e o que faz. Pra mim, crise que é crise mesmo chega feito surto de espirros, ou ‘puns’ – não tem como segurar.
Crise é crise. Pronto. E cada um de nós é cada um de nós. Pronto, também. Por isso, agimos, ou não agimos, de forma diferente, diante de cada crise. Uma cefaléia enlouquece o cara ali da esquina, enquanto a balconista diz nem “dar bola” pra dor de cabeça. Por aí, por aqui, vai...
Considerando, inclusive, as doenças, acho que as crises são sinais de alerta, na vida da gente, a exemplo do que enxergamos, quando percorremos uma estrada em manutenção: placas pra todo lado. Encheu, transbordou?... A alma dá jeito de sinalizar, e, assim, entramos em crise, ou a crise entra, sem avisar. Agora, que essa história de crise cotidiana é pra aprendermos – aí, já acho demais. ‘Tá’ certo que a gente até aprende alguma coisa, ou a mesma coisa que já tínhamos aprendido lá atrás, mas não há necessidade de crise pra isso. É o que penso.
Até por que a crise humana (eu sinto assim) nos consome. E não me refiro a crises de doenças. Não. Pra essas, dispomos de profissionais especializados nos detalhes mais minuciosos de cada patologia, junto com toda a ‘engenhoca’ tecnológica dos nossos tempos robotizados.
A cada dia, nos consumimos em crises. Não quero te convencer disso, mas pense comigo, se quiser (por sua conta e risco). Durante uma das tantas crises humanas, parecemos mais perdidos que “cachorro em mudança”. De cada crise, saímos exauridos, sabendo, de antemão, que não teremos “intervalo para o segundo tempo”, pois, logo, logo, sofreremos outra crise (surpreendente).
É certo que todos nós nos permitimos às crises. Às vezes até, deixamos diversas enfileiradas, no aguardo da passagem de mais uma. Mas esse processo todo nos cansa demais, e nos consome tempo. Não tenho resposta, pra isso também. Só acho que a vida humana – da humanidade inteira mesmo – não pode se resumir na palavra: crise. Há vida bem mais interessante a ser vivida. Sem crises.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Eu quero paz!

Pra mim, chega! Basta! Não aguento mais jantar, na companhia de notícias policiais que me enchem de náusea, enjôo, ânsia de vômito. Não quero mais almoçar, olhando pra cara de um goleiro preso, acusado de assassinato da mãe do filho dele. Chega!
Exijo os meus direitos de telespectadora! Não quero mais imagens de violência, sangue escorrendo pela minha televisão – e eu, passiva, assistindo a tudo. Basta! Nem vou me referir ao ‘bombardeio’ de leilões entre programas de “fé” que desconheço: quem dá mais (dinheiro)?...
Tem gente perdendo sono, por causa das históricas fantasmagóricas contadas na televisão. E, quando dorme, tem pesadelos com aquelas imagens sanguinolentas. E tudo isso não é por causa de novela, ou filme – tudo “vida real”. Quer mais?... Essa concorrência televisiva atual – quem mostra mais tragédia – vai “ao ar”, diariamente, em horários de refeições, à tarde também, com direito a entrevistas sobre as tragédias do dia, durante a noite inteira.
Eu não aguento mais ouvir detalhes sobre assassinatos, sequestros, chacinas, estupros, latrocínios, atos de pedofilia. Chega! São horas e horas diárias de ‘masturbações noticiosas’, diante de nós, inertes telespectadores, que assistimos, repetidas vezes, os mesmos fatos horrendos, causados por pessoas como nós (seres pensantes). Basta!
Poxa, a gente nem pode mais relaxar, na sala, com uma televisãozinha ligada, aparentemente inofensiva. De imediato, temos até a nossa busca de paz arremessada na vergonha de sermos humanos – tão humanos, quanto aqueles caras que confessam, ou não confessam, os crimes bárbaros cometidos. Eu quero paz!
Como jornalista, sei o que e por que falo. Uma coisa é transmitir a notícia, o fato. A outra coisa é deixar de lado tantas outras notícias, pra focar uma só tragédia. Pior: pra aumentarem a audiência, ainda saem atrás de entrevistas inimagináveis, como gravar depoimentos dos vizinhos dos primos dos avós dos tios de uma comadre que alugou uma casa para o dono do bar da esquina, que poderia ser o dono da cachorra que pariu os cães que teriam comido o corpo humano que policiais procuram. Não há limites. Enquanto isso, nós, telespectadores, ainda somos obrigados a ouvir os “suspiros orgásticos” de repórteres e apresentadores de televisão. Basta!
Eu quero de volta a minha televisão, que uma vez me entretinha, me fazia descansar, até rir. Chega de palhaçadas sem graça – comédias “de quinta categoria”, com atores que deveriam fazer mais que imitar jocosamente cenas de novelas que pouca gente assiste. Eu me recuso a continuar “dando ibope” pra profissionais (?) que se excitam em divulgar imagens chocantes, sangrentas, e por isso repetem, num processo masturbatório, que, “se não fosse trágico, seria cômico”.
Será que alguém ainda lembra, quando tínhamos, em canais abertos, programação decente?... Você recorda os tempos em que as manchetes destacavam bons atos, bons fatos?... ‘Poizé’, isso não faz tanto tempo assim, e parece que a maioria esqueceu, principalmente os profissionais (?) de televisão, que deveriam ter consciência que, além de informarem, formam opiniões. Se a televisão continua motivando, como tantos analistas já falaram e escreveram, e ainda falam e escrevem, o ‘negócio’ é sair matando por aí, pra ver sangue “ao vivo e a cores”.
Quando o aparelho de televisão foi criado no planeta, era pra ser pra entretenimento. Aonde foi parar o objetivo?... Não quero mais saber de matança, e choro, e sangue, e repórteres excitados com tanta chacina, na minha sala! Na minha televisão, não! Basta!
Do jeito que a ‘coisa tá’ descambando, eu acho que nem precisa surgir mobilização pra quebrar as televisões de canal aberto, no Brasil. As próprias emissoras já estão quebrando tudo, diante do olhar passivo de cada telespectador.
E ainda querem que a gente engula tudo isso – o que é pior!...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O risco

Às vezes, um risco é só um risco. Outras vezes, um risco representa um sinal. E ainda há riscos que são apagados ao máximo, para não deixarem vestígios (mas deixam).
Nem sempre risco é só risco. Às vezes, é preciso, ou desejado, que se corra risco, ou até riscos. Particularmente, eu prefiro riscos que certezas. Um risco pode me levar aonde sequer uma certeza imagine.
O risco (esse mesmo arriscar-se) carrega vários apelidos: desafio, salto no escuro, etc e tal. Mas continua sendo risco – risco que faz um monte de gente tremer de medo, recuar, fugir, correr. Nem todo mundo está preparado pra sair da zona de conforto que construiu, pra arriscar tudo (ou quase tudo), em troca do que desconhece, por que (ainda) não viveu. Também eu, que prefiro os riscos, reconheço ter meus limites, limitados por mim mesma – obviamente. Mas, por outro lado, percebo que, quando resolvo arriscar um pouco mais, conquisto alguma coisa dentro (não fora) de mim. Talvez, auto-confiança. E também perco – perco, sempre mais, o medo de arriscar.
Conheço “tanta diferente gente” (como canta o poeta Gonzaguinha) que escolhe não arriscar, e permanece na tranquilidade ‘morna’ da vida. Muitas dessas pessoas depois reclamam: “ah, se eu tivesse arriscado, pelo menos um pouco”... Já outros arriscam a vida inteira – em situações extremas, e mesmo quando não há necessidade do risco. Levam ao pé da letra a máxima mínima: “pra que simplificar, se dá pra complicar?” – optam sempre pelo caminho mais difícil, doloroso e dolorido.
Não me vejo em nem um dos extremos. Acho que tô por ali, meio no canto: não havendo outra escolha, arrisco, sem cenas de heroísmo. Confesso que, em situações extremas (já me vi em algumas 'extremas extremadas'), quando consigo antever as mais prováveis consequências de um gesto meu, arrisco. Penso que a gente só arrisca, quando tem alguma coisa a perder – a vida, por exemplo. Na verdade, acho mesmo que os riscos que corro é pra viver. Talvez, seja essa a minha batalha mais antiga.

Se você não costuma correr riscos, uma vez ou outra, experimente. Vá devagar. Se você não está habituado mesmo correr riscos, vá devagarinho, aos poucos, sem pressa, e, quando você menos acreditar, já estará correndo riscos pela vida – a sua vida... quem sabe, né?...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A volta do trem


Uma amiga mudou-se, recentemente, da cidade onde moro. Pertinho da casa onde foi morar, há trilhos de trem. Ela me enviou gravações que fez dos trens que ainda cruzam lá. Posto um desses vídeos - que permaneça feito trilho, pra que sempre o trem possa passar por aqui.
Uma emoção antiga tomou conta de mim. Meu pai era maquinista de trem. A vida inteira, brincou de trilhos e trens, viajando por tantos lugares. Nem pensava dirigir outro veículo. Aliás, dizia sempre que não se dirige trem – “se conduz o trem”. Transporte pra meu pai conduzir, só sobre trilhos: “é mais seguro, e não desvia o trajeto”.
A casa onde nasci ficava à beira dos trilhos que levavam os trens à estação. Volta e meia, retornando de viagem, o trem passava devagarinho, e meu pai corria pra nos pegar e levar (eu e meus irmãos) “de carona” à estação. Quando meu pai puxava o gancho do apito, era sempre um susto bom, seguido de risos infantis.
Às vezes, meu pai tinha de ir aos vagões, pra retirar encomendas, ou averiguar se estava tudo em ordem. Algo assim. Nós, as crianças, íamos junto. Lembro que eu tocava as paredes de ferro do trem (ainda guardo este toque, na minha alma infantil). Minha memória também guarda o toque no couro grosso dos bancos – até o cheiro dos vagões de carga.
A volta do trem me fez viajar. E agora me vejo menina, encolhida na janela, sentada naquele banco que parecia enorme, sem conseguir encostar os pés no chão do vagão do trem. Não havia solavancos, e a paisagem ia cruzando pelo meu olhar atento, devagarinho, sem nenhuma pressa. Naquela época, eu já admirava as nuvens, as árvores, os campos, os animais no pasto. Nem pensava que tudo aquilo era vida pulsando, enquanto o trem seguia o destino traçado pelos trilhos...
Depois de um tempo, meu pai aposentou-se. Mas continuamos viajando de trem – longas e inesquecíveis viagens, inclusive em trem-leito, por que o trajeto levava dias. Foi um tempo incrível, por que o meu pai já não conduzia mais o trem, mas sim, ficava perto da gente, apontando pra algum lugar distante, pela janela, e contando histórias. E eu sempre queria ouvir mais e mais.
O tempo (sempre o tempo) passou, e acabaram retirando os trens, os trilhos de minha cidade natal. E eu também fui embora da cidade, sem a companhia do trem. Numa manhã, meu pai esqueceu de acordar – provavelmente, sonhava estar brincando de trem, e não mais voltou da viagem...