quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O lixo que ninguém vê

‘Tá’ legal, já entendi essa historinha toda de “colocar o lixo no lixo”. Agora, podemos e devemos mesmo separar o lixo orgânico do reciclável. Fazendo isso, praticamos o contraponto às indústrias que produzem cada vez mais embalagens desnecessárias, atendendo pedidos das empresas que querem maior clientela consumindo – primeiro, com os olhos – os produtos.
Até aí, tudo certo – já entendi mesmo. Quanto a isso, acho que faço a minha parte – a parte que devo à natureza que me acolhe. Sempre vejo os catadores de papéis, pelas ruas, e lamento que não sejam valorizados, reconhecidos como verdadeiros ambientalistas. Ainda por cima, são muito mal pagos, pelo imensurável serviço que prestam ao meio ambiente futuro, passado, presente.
O lixo que a gente produz, inadvertida e cada vez mais comumente, eu sei aonde deve parar. Você também sabe. ‘Tá’ certo que nosso Brasil ainda peca, pela falta de saneamento básico. Por isso, ainda há tantos lixões por aí, por aqui, em todo lugar. Mas a gente sabe que, se cada qual fizer a parte que lhe cabe – dando destino certo ao lixo -, os lixões a céu aberto (ou fechado) acabam, por falta de lixo extraviado.
Até aí, entendido (acho). Mas onde vai parar tanto lixo que a gente produz em pensamentos, ideias, sentimentos ruins, intenções?... Ah, aposto que você nunca pensou nisso – nem eu. Mas – pronto! – ‘tô’ pensando agora.
É sério. Aonde vai parar tanto lixo que a gente cria, pensa, imagina, deseja, e depois deixa de desejar?... Aonde vai parar todo esse lixo, gente, que deve ser maior que qualquer lixão que possa existir no planeta?...
Cá entre nós, se uma pessoa só já pensa tanta asneira negativa, imagine meia dúzia, dúzia e meia – milhares, milhões, zilhões... É lixo pra caramba!... Aonde vai parar tudo isso?... Ser humano não saberia criar saneamento básico, pra dar destino correto, pra toda essa ‘merda’... Algumas criaturas costumam guardar dentro de si – sei lá onde – esse lixo todo... Mas acho que chega um dia que o ‘depósito’ arrebenta, estoura, por que não há tanto espaço pra tamanho lixo.
Pense comigo (ou não): se todos nós pensamos mais que falamos, ou agimos, manifestamos, e se, no meio de tanto ‘entulho’, há muito lixo, onde fica tudo isso, hein?... Quando é uma poeirinha inocente, a gente trata logo de esconder debaixo do tapete. Mas, diante de tanto lixo (mental, espiritual, ou sei lá mais o quê), aonde isso tudo vai parar?...
Alguns dizem que somatizamos (esse lixo), e acabamos contraindo doenças... Mas, mesmo assim, se isso ocorre, a doença deve ‘gastar’ cadinho da energia desse lixo todo dos nossos pensamentos, intenções, desejos, sentimentos, mas não deve ‘queimar’ todo esse lixo. É muita coisa, gente – sejamos honestos (sei lá com quem).
Lixo é sempre lixo – ainda que, há algum tempo, a humanidade esteja reciclando, e até confeccionando arte e utilidades com o que é retirado da lixeira. Tudo bem. O trabalho é admirável. Que a gente aprenda reciclar o que pode ser reciclado dos nossos pensamentos, intenções, sentimentos e desejos. Maravilha!... Mas e o resto? - insisto em questionar. Onde vai parar o grande lixo de cada um de nós?... Neste caso, não há jeito de a gente pedir auxílio de ambientalistas, nem de catadores de papel, ou lixeiros. É por nossa conta. Não tem jeito.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Eu quero experimentar!

Lá em casa, dizem que eu não sou mais criança, pra ficar brincando com videogame. Na escola, dizem que eu preciso estudar, pra ser alguém – eu já sou alguém, desde antes de eu nascer. Aonde procuro trabalho, dizem que eu tenho de ter experiência – experiência? acho que tenho, mas ninguém quer saber das minhas experiências.
Aí, fico pensando: Como é que eu vou conseguir a tal experiência, se não me deixam experimentar?... Eu quero experimentar!... A ‘coisa’ tá difícil, por que fico batendo, de porta em porta, e o que ouço é: “Precisa ter experiência, para ocupar a função”. Será que alguém, adolescente como eu, nasce com experiência de trabalho?... As minhas dúvidas são tantas, e eu mal comecei a viver...
Primeiro, não me permitiam votar. Mas, depois, ajeitaram as ‘coisas’, e todo adolescente brasileiro já pode votar, depois que completa 16 anos. Nem me importo com a proibição de adolescente no volante, antes dos 18 anos. Melhor assim, pra gente continuar vivendo. Agora, essa historia de redução da idade penal me deixa ‘p. da vida’. O que ‘tão’ querendo os adultos que defendem isso, se são os próprios adultos que ‘recrutam’ menores pra cometerem delitos?... Eu não entendo.
Meus pais sempre dizem que a prioridade é o estudo, por que, segundo eles, o estudo é a porta para uma carreira profissional. Eu estudo, e sei que não posso ficar sem trabalho. Mas como é que vou trabalhar, se preciso ter experiência (prática), se eu nunca experimentei?... Quando tento conversar sobre isso com meus amigos, eles já me oferecem outras ‘coisas’ pra eu experimentar. O que vejo é que ‘tá’ mais fácil eu experimentar drogas que a responsabilidade de um trabalho. Lá na escola, me oferecem todo tipo de drogas, e ninguém pergunta se tenho experiência...
Meu tio, que tem quarenta e poucos anos, perdeu o trabalho, por que a empresa onde ele estava há anos faliu. O estranho, pra mim, é que meu tio também não consegue voltar ao mercado de trabalho – ele, com tanta experiência. Será que tem tempo de validade, pra gente trabalhar?...
Lá em casa, já ‘tão’ achando que é moleza minha, que eu não quero saber de trabalho. Também, fica difícil acreditar que um adolescente, como eu, fica perambulando o dia todo, atrás de trabalho, e não consegue um “trampo” qualquer. Tô ficando experiente mesmo em procurar trabalho. Vou logo dizendo: Não tenho experiência alguma. E ninguém mais fala comigo. Depois, quando volto pra rua, fico olhando a cara de cada um que passa, e pensando: Será que toda essa gente nasceu com experiência em tudo?... Só cruzo por gente ocupada demais... e eu ali, no meio de tudo – ainda adolescente...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Marketing da gentileza

Fico vendo anúncio de workshops empresariais, por todo lugar. O que os administradores de empresas precisam “sacar” é que a gentileza é que é o grande marketing. Quantas vezes, a gente se torna cliente de uma loja, por causa do atendimento?... ‘Tá’ faltando gentileza, pessoal – não só nos estabelecimentos comerciais, inclusive. Falta gentileza, em todos os ambientes de convívio humano.
Agora, me diz: Qual a diferença de você atender com gentileza, ou sisudez?... O trabalho é o mesmo; a satisfação da clientela é que aumenta. Até nos hospitais, com gentileza, o ambiente se torna outro – mais colorido de esperança, talvez.
Como qualquer cidadã, neste planetinha, também eu transito aqui e acolá, e percebo que tem muita gente estressada, vivendo e alimentando um círculo vicioso. Falta gentileza em casa, no trabalho, na escola, nas ruas, até nas ligações telefônicas. Qualquer contato humano acontece, hoje em dia, movido pelo stress, na maioria das vezes. E, parece, ninguém se dá conta de que tudo poderia ser diferente, mais leve até. Ninguém questiona: ‘Ops’, e se eu mudasse meu jeito de conviver com os outros?... E se eu trocasse esse meu mau humor por gentileza?...
Pessoalmente, eu reconheço que sou seletiva mesmo. Todo mundo é, reconhecendo, ou não. Se eu pago por uma prestação de serviço, posso até arriscar em chamar, numa primeira vez, alguém mal-humorado. Mas a primeira vez torna-se única. Em relação à convivência humana, me afasto de quem não manifesta gentileza. Por sorte (minha), ainda há pessoas que, como eu, acreditam no marketing da gentileza – com essas, eu de fato convivo. Li em algum lugar: “O que mais me interessa não é como as pessoas me tratam, mas sim, como tratam o garçom”. Acho que é por aí que também eu penso e vivo.
É claro que há dias que a gente levanta da cama com mau humor. Dizem que isso é ser humano. Mas pra que torturar a vida de todo mundo, ‘botando’ fermento no mau humor da gente, e espalhando por aí, por aqui, por todo lugar?... Eu sei que todo mundo corre (às vezes, até eu corro), mas isso não justifica a ausência da gentileza, substituída, quase sempre, por mau humor, reclamações e visão negativa, pessimista.
Diante do exposto – que não é verdade absoluta alguma -, acho que a gente teria de rever certos comportamentos repetitivos, os quais alimentamos diariamente, sem pensar. Eu sei que a maioria só pensa (no máximo) que o tempo corre. Mas sei também (o que todo mundo também sabe) que pode não haver mais tempo, pra gente experimentar, ou voltar, ser gentil.
Não dá pra esperar “a morte chegar”, pra ser lembrado “santo” – é assim que a maioria se torna, mas só depois que morre... Gentileza faz sempre bem – aqui e agora, quando ainda há tempo de rever, mudar, ser – não ser.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Impossível é o teu limite

Quase todo mundo tem sempre um momento em que diz: “Isso é impossível”! Pra mim, impossível é o teu limite – não a tua limitação, mas até onde você acha que pode chegar. Se a gente vai até onde acha que pode, sem ousar ir adiante, acho que jamais conhecemos quem poderíamos nos tornar, se não tivéssemos o impossível como viseira.
‘Tô’ escrevendo isso, por cansaço, talvez. Estou cansada de ouvir “impossível”, “impossível”. Sempre convivi com pessoas que me ensinaram que o impossível não existe – existe quem impossibilite (o que é bem diferente). Pensando agora, acho que a maioria dos meus (raros) amigos já morreu – não são considerados amigos, por que morreram, mas sim, continuam amigos, mesmo depois da morte. Aprendi e aprendo com essas criaturinhas especiais (todas ainda vivas em mim) que nem sempre o impossível aparece, diante do medo. O medo também pode representar desafio – não para todos, como em tudo nesta vidinha humana.
Cá entre nós, tem muita gente que ‘bota’ a palavrinha “impossível” (que, pra mim, é um dos mais feios palavrões), justamente pra não ter o trabalho de romper o que lhe parece possível (seguro, confortável). Humanamente compreensível. Ainda assim, pra mim, isso não justifica nos acomodarmos no que, no momento, parece ser possível.
Eu sempre escrevo que me alimento do impossível. Confesso que é pior que isso: eu não só escrevo – eu vivo, eu sobrevivo, eu subvivo do impossível. O possível representa, pra mim, onde há caminhos e caminhantes. Não me interessa. Tateio o possível, como o cego que vai à feira, e fica tocando frutas e legumes, aguçando o olfato. Nada além disso. O impossível, sim, me fascina, por que me mostra escuridão e descaminho – desafio e descoberta. O impossível – mata nativa – ainda é o (talvez, único) lugar onde não há limites. Encantador.
Dizem que um preguiçoso inventou a cadeira, e alguém mais preguiçoso ainda inventou a poltrona. Não sei direito a história. Não ‘tava’ lá (sei lá aonde) pra saber. O que sei é que a vida pode ser – ou tornar-se – o que a gente quer que seja. De repente, o impossível está mais próximo – dá menos trabalho até – que o possível. “Tudo é uma questão de visão” – diz meu amigo cego.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Dilema eleitoral

Às vésperas de mais uma eleição, no Brasil, eu ‘tô’ vivendo um dilema eleitoral. Tenho recebido, diariamente, vááááários e incontáveis (impublicáveis também) emails falando mal de todos os candidatos à presidência do nosso Brasil. Fico pensando que, se pelo menos eu fosse suscetível, não tivesse “tico ou teco” se revezando no ‘plantão’, eu não votaria, este ano. Estranho também que não recebo emails falando bem, pelo menos de um candidato, só pra compensar a “corrente do mal”.
Gente, são emails contra todos – todos mesmo – os candidatos. Nem os ‘menorzinhos’, aqueles desconhecidos, são poupados. Todos os candidatos têm a atenção das pessoas que se ocupam em falar mal, em vez de falar bem. Até me dá vontade de manter uma resposta automática de email, onde eu perguntaria: Afinal, você vai votar em quem? ... Fale bem do seu candidato – campanha também é isso: destacar o melhor, o bem.
Só ‘procê’ ter ideia dos emails que têm superlotado minha caixa (não tenho saco), alguns falam mal do bigode de um candidato. Outros menosprezam o careca, e até o candidato descabelado. Chegam emails denegrindo o botox de uma candidata, enquanto outros criticam negativamente as rugas de outro candidato. Falam mal da falta de maquiagem de outra candidata, e do sorriso em desalinho de um candidato em campanha. Reclamam que tem candidato ‘abusando’ da fé religiosa do povo, enquanto outros acusam um candidato que mostra-se ateu. Há quem me envia email rebaixando o candidato com poucos recursos de língua portuguesa, enquanto outros consideram um candidato “metidinho”, por que rebusca no discurso. Tem email que chega falando mal do candidato otimista demais, que “canta vitória, antes da hora”, e também do outro candidato pessimista, que “nem apresenta proposta”. Ninguém escapa. Todos os candidatos têm vez, no “tiro ao alvo” dos emails que recebo.
Poxa, gente, demorou tanto tempo, pra conquistarmos o direito à liberdade do voto (principalmente, às mulheres), que a gente não sabe lidar com isso, de forma madura e positiva. É o que penso, e lamento.
Campanha, pra mim, é falar bem do candidato que você simpatiza, apoia, ou, sei lá porquê, vota. Essa ‘coisa’ de falar mal é vício de quem ainda não amadureceu politicamente, ou “parou no tempo” em que todo mundo só acusava, e reclamava. Nem os candidatos querem mais saber disso. Foi-se o tempo em que cada debate era um “show de luta livre”. Os candidatos perceberam que os tempos de socos e pontapés passaram. A gente – o povo eleitor – tem de seguir adiante, também, sem se deter no telhado (de vidro) do vizinho. Melhor mesmo é defendermos o que, pra nós, faz bem. O tempo e o esforço dispendidos são os mesmos - na campanha contra, ou a favor. Até por que é muito chato superlotar a caixa de emails dos outros, com mensagens negativas, seja contra quem for.
Diante desses tantos emails amargurados, sem dispor de tempo pra lê-los todos, eu vou adiante, no meu exercício mental. Observando que todos os candidatos – sem exceção – têm campanha contrária, em quem eu posso votar?... Não quero anular meu voto, por que faz parte da minha cidadania. Também, não posso votar em branco, por que seria racismo, de minha parte. O que faço eu, pobre eleitora, tão comum, quanto qualquer outro eleitor ‘bombardeado’ por campanhas contrárias, de gente conhecida?...

Eu preciso votar, gente!... Você também... Dá licença?!...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O preço do ‘não’

Você já deve saber, desde que nasceu (ou até antes) que se paga um preço muito alto (imensurável), quando se diz ‘não’. Por isso, nem todo mundo – a maioria, aliás – se recusa pagar.
Dizer ‘sim’ é, aparentemente, fácil, simples – assim, se é aceito, e isso a gente sabe, de antemão. Pelo menos, foi o que nos provaram os que nos antecederam, nesta ‘guerrinha’ cotidiana, mais conhecida como convivência humana (até rimou!).
Aprendemos tanto dizer ‘sim’, que nem precisamos ensaiar o sorriso de anuência, ou conveniência, ou acomodação, ou sei lá o quê, pra não nos chatearmos com a situação que poderíamos criar, se falássemos (o palavrão temido) ‘não’. Já o ‘não’ nos deixa em polvorosa – nos alteramos visivelmente, e já não há como conter a voz, o gesto.
Diante de qualquer pedido, ou pergunta, alguém que nos chama, é sempre esperado um ‘sim’, de nossa parte. Ninguém espera ‘não’. Acho mesmo que aquele que espera ‘não’, nem ousa nos abordar. Ter o ‘não’ como possibilidade é apenas ampliar o ‘diafragma’ da nossa visão. Nada além disso. Na minha visão estrábica, esperar ‘sim’, só mesmo na hora do casamento, arriscando ouvir um ‘não’ ecoando pela acústica da igreja lotada de convidados.
Estranho, por que, na maioria das vezes, desejamos tanto, e, por isso também, esperamos um ‘sim’, talvez, por dizermos sempre ‘sim’. A verdade (nada absoluta) é que nos habituamos, todos, dizer e querer ouvir ‘sim’, ‘sim’, ‘sim’, a vida inteira. Mas sabemos, diariamente, que não é assim que ‘funciona’, na prática, no dia-a-dia. Cada um de nós, seres humanos, tem, no mais dentro (alma?), tantos ‘sins’ e ‘nãos’ que se alteram e se alternam, diariamente – além de trocarem de lugar, na escadaria das nossas valorações, ainda sofrem alterações, com as vivências que temos.
Por favor, não me diga que você não percebe um ‘não’ subentendido, coberto por um ‘sim’ descolorido. Eu sei. Tantas vezes, você quer ouvir ‘sim’, que até finge não ter percebido (sentido) o ‘não’ escapulindo, pela fresta que o outro deixa. Também eu, aprendiz de ser humano, faço isso. E também eu digo ‘sim’, pra evitar a chatice de sustentar meu ‘não’, que nem sempre tem justificativa – é simplesmente. Mas também digo ‘não’, querendo dizer ‘não’ – mesmo sem justificar.
Pode observar, se você diz ‘sim’, fica tudo bem (até quando?). Mas, se você solta um tremendo ‘não’ (sempre inesperado), você se desgasta, por que precisa argumentar, se contrapor ao tão evidente ‘sim’, que deveria ter sido dito.
Vou mais longe na ‘viagem’. Se quiser me acompanhe – por sua conta e risco.
Não acho que a gente precisa aprender dizer ‘não’. Acho que a gente precisa, antes de tudo e de mais nada, aprender ouvir ‘não’. Mais ainda, acho que a gente precisa aprender esperar ouvir ‘não’. Com isso, penso eu, a situação inverte. Se tomarmos essa iniciativa com quem convivemos, quem convive com a gente pode experimentar isso também, e nos cobrar menos, por que está sendo menos cobrado. Acaba num ciclo, como quase tudo, nas relações humanas: eu espero um ‘não’, que pode ser um ‘sim’; eu digo ‘não’, querendo mesmo dizer ‘não’, e ‘sim’, querendo dizer ‘sim’, ao outro que espera um ‘não’, que pode ser ‘sim’.
De repente, a gente se surpreende – não só com o outro, mas com a gente mesma... ou não. ou sim.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A liberdade que escraviza

Que liberdade é essa, cantada aos quatro ventos?... Falamos tanto em liberdade, que, acho, nem chegamos notar que o que chamamos liberdade nos escraviza. Somos movidos, na maior parte do (nosso) tempo, a condicionamentos, por que, assim, não precisamos pensar – e pensar sobre tudo é muito chato, cansativo. Se convivemos com gente que decide o cardápio do almoço, o restaurante que vamos jantar, o vinho que tomamos, a roupa que nos ‘cai bem’ – melhor ainda, não precisamos tomar iniciativa alguma de decisão.
Nem quero escrever sobre as ‘jaulas’ em que vivemos, na aparente proteção contra a violência da rua, do bairro, da cidade, do Estado, do País, do planeta. Pra mim, são grades que nos remetem à nossa condição (original) de animais que ainda somos – racionais, humanos, mas sempre animais, com inteligência e instinto, nem sempre bem dosados. Animais com medo dos outros animais, que rondam e vociferam, lá fora, querendo ter a vida que imaginam termos.
Acho que liberdade oferece sempre bônus e ônus. É preciso estar atento, por que nem sempre a liberdade que ousamos vem com etiqueta indicando o preço que temos de pagar por ela. No que toca à liberdade humana, a cobrança é sempre alta, inimaginável até, pra quem desafia o desconhecido. Talvez, o preço mais alto que pagamos seja justamente por querermos ser quem achamos que somos, ou podemos ser. Enquanto deliramos estar sendo honestos (conosco mesmos), desafiamos a liberdade de ousar manifestarmos o que sentimos e pensamos. A cobrança, depois de tamanha liberdade, chega em seguida, em valor que nos avilta até a alma. Se tivemos a liberdade de manifestarmo-nos, diante do outro, também o outro ousa, como nós, ter a liberdade de sequer questionar as certezas dele, na tentativa de nos compreender. Certezas são implacáveis: não há liberdade que as liberte.
Alguém já viu por aí, em qualquer lugar, placas indicando:
- Para atravessar em sinal verde, corra!
- Xingue o balconista, por que cliente sempre tem razão!
- Pise na grama, mas não pise na florzinha!
- Depois de passar pelo balcão de recepção, pode tirar a camisa!
- Proibida a entrada de cachorros que não estiverem escondidos em bolsas, malas, ou pacotes!
- Se ninguém reclamar, pode furar a fila!
- Não aperte a descarga, por que todo mundo faz igual!
Pra liberdade, não há placas de aviso – os deveres ocupam todas as placas. E nós, pobres mortais seres humanos, acatamos (quase) todas as placas, sem sequer questionarmos. Assim agimos em relação à lei, esquecendo que também existem leis que nos garantem direitos à liberdade – liberdade que vai além, muito além das máscaras que nos enjaulam, nos afastam, e nos fazem esquecer a sensação de vento ventando na nossa cara limpa...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sempre o olhar materno

Ao saber de mais um caso em que uma velhinha pede para que autoridades ajudem o filho drogado, eu fico pensando em tanta coisa. Mas o que penso mais é que sempre fica o olhar materno, principalmente nesses casos, quando o filho já não mais dá conta de si mesmo. Todos foram embora, e fica a velhinha, com o olhar sempre materno, protegendo aquele que um dia ela ensinou os primeiros passos da vida.
“Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar,
Já foi nascendo com cara de fome,
E eu não tinha nem nome pra lhe dar.
Como fui levando, não sei explicar
Fui assim levando ele a me levar...”
A música de Chico Buarque – “O Meu Guri” - retrata bem o que ‘tô’ tentando escrever. É sempre o olhar materno que resta, quando nem mais o filho quer saber dele mesmo. Às vezes até, o filho já casou, teve muitos filhos, e despenca nas drogas, nos vícios. A esposa dele, sem suportar mais, vai embora, e leva com ela, os filhos, que são dele também. Mais uma vez, a velha mãe acolhe o filho, e o protege, buscando ajuda, como neste caso que há pouco eu soube. É sempre a mãe. A velha mãe. Sempre o olhar materno que acolhe, protege e fortalece, mesmo sem forças.
Quem ainda lembra do jovem Leonardo Pareja, que aprontou tantas, no nordeste e no centro-oeste do Brasil?... Foi preso, por sequestro que cometeu na Bahia, e acabou fazendo reféns, na penitenciária de Goiânia. O que fizeram, na tentativa de conter Pareja?... Chamaram a mãe dele. A velhinha foi até o filho, e pediu que se entregasse. E quantos, ainda hoje, escutam a mãe, e entregam-se à polícia?... Sempre a mãe. Sempre o olhar materno, que compreende e diz tanto. Não há velório mais triste: a mãe, velhinha, acarinhando o rosto do filho morto... (pra mim, já não importa se o filho morto foi assassinado, ou se foi o primeiro a matar)
Lembro de uma mãe que tentava, a todo custo, defender o filho, que era usuário de drogas, e às vezes até batia nela. A mãe mostrava, no quintal da própria casa, um pé de maconha (que ela não conhecia, obviamente), e dizia: “O meu filho mudou tanto, que agora cuida até dessa planta que ele mesmo trouxe para cá”...
Cidade do interior. Madrugada. No alto da única ponte existente por ali, um homem (mais de 30 anos) ameaça jogar-se nas águas profundas. Os vizinhos chamam a polícia, os bombeiros. De repente, alguém lembra de chamar também a mãe dele, a velhinha que o homem deixara em casa, dormindo com o rosário nas mãos. A mãe chega, olha para o alto e grita o quanto pode: “Desça já daí, menino”. Olhando para o bombeiro ao lado, a velhinha ainda diz: “Ele sempre teve essa mania de viver saltando. Mas não tem nenhum problema na cabeça. É um bom menino”. Aos prantos, o homem desce, do alto da ponte, enquanto a velhinha o abraça, e o envolve com o casaco que levara, falando baixinho: “Você tem de parar com essa mania. Desse jeito, acaba resfriando. Vamos para casa. Já é madrugada”.
Conheci uma catadora de papéis que, há algum tempo, estava com o filho mais velho preso, por tráfico. A mãe nem sabia o que era isso, e não podia visitar o filho, que estava cumprindo pena, numa cidade distante. De repente, ela recebeu a notícia de que o filho estava com AIDS, e ela também não sabia que doença era aquela. Meses depois, teve outra notícia: a filha foi assassinada pelo marido, no litoral. O tempo passou, e a polícia começou a fazer ‘visitas’ à casa da catadora de papéis. O filho mais novo dela enterrava embalagens com drogas, por todo quintal, para tráfico. E ela não entendia tudo aquilo, e continuava a abrigar os filhos. Hoje, a mulher tem um “puxadinho” na casa, para acolher o filho ex-detento, o filho mais novo, e a outra filha, junto com os netos todos. “Não adiantaria eu negar, por que essa é a minha família. Pra mim, eles continuam sendo as minhas crianças”, diz ela, com o rosto marcado por rugas que não vieram só com o tempo...
... E a música da vida continua:
“...Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais.
Eu não entendo essa gente, seu moço,
Fazendo alvoroço demais.
O guri no mato, acho que tá rindo,
Acho que tá lindo, de papo pro ar.
Desde o começo, eu não disse, seu moço,
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí,
Olha aí, ai, o meu guri, olha aí,
Olha aí, é o meu guri...”