quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Compensação

Passamos, a vida inteira, tentando compensar, amenizar, as nossas próprias expectativas em relação a nós mesmos. Chega final de ano, involuntariamente até, nos enxergamos medindo e pesando as nossas minguadas conquistas e os nossos brilhantes fracassos. Diante disso, fazer o quê?... Simplesmente deslocamos nossas (antigas) expectativas para o próximo ano (coitado!).
Mas, ainda assim, isso não nos consola, nem nos conforma – permanecemos em divida conosco mesmos. Aí é que chega a “salvadora da pátria”: a compensação. De um jeito ou de outro, queremos compensar todos os nossos (quase gritantes) fracassos do ano que finda. E já não há quem não comece uma frase, às vezes até, sem o menor sentido (pratico), dizendo: “Em compensação,”
Lá vamos nós procurar o que (achamos) vai compensar a 'merda' de vida que sentimos/pensamos ter. A maioria busca a pratica da caridade – final de ano é propicio pra isso. Os miseráveis fazem fila, diante da “boa alma”. Não sabem eles que lhes cabe uma retribuição àquela caridade toda: compensar a vida de quem doa o que não lhe faz falta. Na 'caridade sazonal', o caridoso mendiga, e o mendigo doa compensação. Ironico isso, né?...
Quantas vezes, vemos família inteira mendigando – casal, cinco ou seis filhos, e até cachorros. Ali mesmo, diante da família em condição de rua, pensamos tantas coisas a respeito de controle de natalidade. Voltamos para casa, e não há um cachorro sequer nos esperando, abanando o rabo, em festa, pela nossa chegada. Lembramos a imagem dos mendigos, e não temos para quem contar. Mas precisamos reafirmar: os pobres são eles – não nós.
Outras pessoas preferem compensar o tempo (bem ou mal vivido), com cirurgias plasticas, botox – para (quem sabe?) retirar as marcas do que não querem lembrar, nem que os outros enxerguem. Cara nova = nova vida!... E ainda há quem busque, no hedonismo, a compensação de tudo – do que teve (e não tem mais), e do que nunca teve, também. O interessante, nisso tudo, na minha visão estrábica, é que, por mais que as pessoas recorram a esse prazer imediato, ainda assim, parecem (sempre) insatisfeitas, e até exaustas. Buscam, de todo jeito, o prazer pelo prazer, mas, parece, não conseguem contê-lo, retê-lo, e o hedonismo torna-se, então, um hábito a caminho de um vício, pela sobrevivência.
Invariavelmente, sabemos que outro final de ano chegará, e lá vamos nós teimar na busca da compensação. Afinal, continuamos vivos. Sísifo que nos proteja!...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Você escolhe

O Natal passou. O ano passou. O tempo passou. A vida passou. (Quase) tudo passou. Mas você não passou. Junto com você, não passou a ardência da ulcera a torturar. Também, não passou o seu desejo de ganhar dinheiro, acertar todos os números da mega sena. Não passou a sua vontade de parar de beber, de fumar. Não passou o seu sonho de emagrecer dezoito quilos, surpreender-se na balança. Não passou o desejo de casar, ter filhos, netos, bisnetos, tataranetos. Não passou o seu projeto de economizar, para fazer a tão sonhada viagem ao exterior. Seus sonhos – adormecidos, ou insones – não passaram.
Mas cada ser humano faz sempre escolhas únicas, intransferíveis. Por isso, a você também cabe escolher, neste final de ano, se vai chorar sobre o leite derramado (sei lá o que isso significa), se vai só lembrar das suas derrotas, e lamentar-se por isso. Você pode escolher chorar as suas perdas, ausências, faltas, carências. Você, feito qualquer outro ser humano, tem o poder (direito) de escolher se vai permanecer no emprego que lhe causa mal estar, que coloca sua autoestima embaixo do pé, que não lhe dá perspectiva de sucesso crescente.
Tudo, até a forma de você comemorar a virada para o novo ano, depende da sua escolha. Você pode “encher a cara”, esvaziar a carteira. Você pode reunir-se com a família, ou com os amigos, ou com todo mundo junto. Você pode viajar para Madinat, no Bahrein, ou para o sítio daquela tia que morreu, sem você conhecê-la, ou ainda dar asas à mente (à alma), num mosteiro, ou lendo um livro. A escolha é sua – ainda há tempo de mudar de ideia(s).
Por favor, por você, não culpe o governo, o vizinho, o trânsito, o cachorro, ou a mulher do vizinho, por suas escolhas erradas. Quem escolheu foi você, e quem continua escolhendo é você – é a coisa mais certa, mesmo quando a escolha (sua) é errada.
Se você escolher o bom da historinha da sua vida, este ano, com certeza, lembrará momento hilários, com amigos, familiares, colegas, ou até desconhecidos. Entre “os pós e as contas”, como diz um amigo, você enxergará muitas coisas que fizeram valer a pena ter vivido 2011. As conquistas podem ter sido poucas e pequenas, mas também não merecem ser esquecidas, por causa disso, né?... Você escolhe.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Pressa

estamos com pressa muita pressa por que nao ha mais tempo a perder os meses passaram os dias passaram o ano esta por um fio e ainda tem todos os presentes de natal os telefonemas as festas de final de ano tudo igual aos outros anos que tambem passaram depressa demais e a gente com pressa sempre a pressa apressados despertamos do sono mal dormido e com pressa tomamos cafe num so gole comemos o pao amanhecido e apressados enfrentamos as ruas o transito o metro o onibus os semaforos os transeuntes apressados no trabalho chegamos com a pressa de quem sai do turno temos tanto a fazer desfazer obedecer agradar e continuamos com pressa de promoçao e reconhecimento e quando a empresa em que trabalhamos anuncia que vai demitir para conter despesas a lista so sai daqui uma semana e nos com tanta pressa para sabermos os nomes dos demitidos a pressa de confirmarmos que temos valor no trabalho de pouco salario pressa que causa pressao na cabeça ja e hora do almoço e a pressa de engolir o que tem a marmita engolimos tudo inteiro o arroz o feijao o bife frio e um copo de agua para nao engasgar apressados precisamos continuar trabalhando ha tanto a fazer e mostrar trabalho na volta para casa mais ruas mais transito mais semaforos mais gente apressada em casa a familia nos espera sem pressa assistindo novela vamos apressados ao banho e depois a mesa estamos com fome com pressa de comer a vida a familia fala de presentes mas estamos sem dinheiro a familia quer mais comida e so temos fome e pressa de deitarmos e acordarmos num outro dia que nunca chega vamos ter de pedir apressadamente dinheiro emprestado para comprarmos uns poucos brinquedos nas lojas de um e noventa e nove quem sabe um frango congelado em promoçao mas precisamos fazer isso as pressas por que promoçoes nao esperam o vizinho empresta um pouco do pouco dinheiro que tem e prometemos pressa em pagar com pressa lemos a carta ao papai noel que escreveu a filha alfabetizada ela escreve sobre miseria e fome e pede roupas calçados e comida a familia nem um sonho doce no outro lado da cidade nossa familia apressada se acotovela nas escadas rolantes de um luxuoso shopping apinhado de gente rica e apressada a filha reclama da mesada que e sempre pouca para tanto o filho vai direto na vitrine de tenis de marcas e diz apressadamente que nem quer saber quanto custa que vai levar todos de presente de natal a mae ja esta na boutique o pai vai apressado a loja de informatica a massa humana caminha com pressa para todos os lados enquanto se atropelam pelos corredores a nossa familia caminha aos empurroes pelo shopping atendendo celulares respondendo ao feliz natal com boas festas apressadamente sem pensar nao ha tempo para sentir ou pensar o tempo corre em disparada enquanto tentamos nos desentalar da pressao dos corredores contra as vitrines em frases desconexas impensadas e apressadas mae pai e filhos falamos ao mesmo tempo chegando gritar sem querermos ouvir qualquer coisa apressados escolhemos os presentes que faltam aos sogros tios sobrinhos socios e clientes vips qualquer coisa serve por que nao ha tempo a perder depois saimos em disparada um pobre motorista de carro popular bate na traseira do nosso automovel somos obrigados estacionar em plena avenida mas nao ha tempo com pressa entregamos o cartao da empresa com o nome do pai escrito em dourado brilhante feito a decoraçao natalina que pisca pisca apressadamente por todos os lados aceleramos cada vez mais para irmos a entrega dos ultimos presentes o pai reclama da mae que poderia ter comprado qualquer coisa de presente durante a semana e mandado os empregados entregarem a mae responde que esteve ocupada demais com cabeleireiro manicure pedicure sessoes de bronzeamento e botox no banco de tras os dois filhos adolescentes apressam o pai motorista do carro importado na entrega dos presentes pelo caminho abraços frios beijos sem o toque dos labios se juntam a frases decoradas sem sentido com o tradicional aceno de vamos nos reunir no proximo ano quando as famílias se encontram em casa a ceia de natal todos estamos exaustos estressados e com pressa de descansar os presentes nao sao os desejados a ceia foi preparada as pressas falta tempero falta assado no ponto faltam velas na decoraçao falta mais alguma coisa que ninguem quer pensar todo mundo rasga os papeis dos presentes tenta esboçar sorriso que sai amarelo e por fim acaba comendo apressadamente a ceia natalina sem notar a decoraçao com mais pressa ainda todo mundo sai da mesa nem toma banho e vai dormir na companhia da pressa que ja faz planos apressados para o proximo ano por causa da pressa que e tanta registramos num rabisco a nossa pressa a pressa de todos sem acentos sem aspas sem virgulas sem interrogaçao sem parenteses sem maiusculas sem exclamaçao sem pontos finais e tanta press

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Sem palavras

Sabe quando sobram palavras, quando as palavras transbordam tanto, que já não há mais espaço pra qualquer coisa?... Sabe quando você escuta tantas palavras, e todas elas – as palavras – parecem desconexas, interpretadas por outras (palavras) estranhas, alheias?... Sabe quando você já usou tanto as palavras, na tentativa de expressar tanta coisa que não nasce, nem vive, no universo das palavras palavreadas?...
É assim que me vejo, me sinto: sem palavras. E meu silêncio não decorre da falta de palavras – pelo contrario, há palavras demais em mim, ao redor de mim, e até onde não sei. Então, talvez, por isso, ou por nada disso, escolho não escolher palavras. Além de sinonimos, cada palavra carrega interpretações – por isso, as palavras pesam tanto.
Simplesmente, sem palavras. Nos instantes em que enxergo e sinto com a alma, abandono as palavras (ou são as palavras que me abandonam?). Simplesmente, não há palavras simples que traduzam as palavras (intraduzíveis) da minha alma sem palavras. Resignada, aceito o abandono do convivio de todas as palavras que me cercam e tentam me domar – eu, alma indomável que sou, até a mim mesma, sem uma palavra sequer que me traduza, ou me justifique.
Se as palavras – todas – são interpretáveis, interpretadas, mais ainda, o silêncio o é. Mas, pra mim, que convivo com, e sobrevivo das palavras, o silêncio sobrepõe a todas elas – as palavras, em quaisquer idiomas, ou dialetos. E não há palavra que traduza a alma, tão cheia de palavras e palavreados – silencio.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Os outros são os outros

Estou sempre lendo alguma frase semelhante a essas:
"O que você pensa sobre mim não vai mudar quem eu sou, mas pode mudar o meu conceito sobre você".
“Vou cuidar da minha saúde, porque, da minha vida, os outros cuidam.”
“O que os outros pensam de mim, não é da minha conta.”
Ou ainda:
“Eu só sou responsável pelo que falo, não pelo que você entende.”
A princípio, parecem frases de efeito (e são, realmente). Só que, se formos além do dito e feito (que bela cacofonia!), podemos pensar sobre – ou não. A realidade, independente das frasezinhas bem ou mal elaboradas, é que os outros são os outros – mesmo. Por outro lado, tantas e quantas vezes também, somos nós, os outros. O outro é sempre outro mesmo, seja quem for – um outro universo unico, diferente, desigual, independente, individual, e, por isso, também, feito a gente, solitario. Incrível! - até isso esquecemos, no nosso cotidiano social.
Não pense que é só você que sente simpatia, ou antipatia, gratuita e imediata, em relação aos outros, na primeira vez que os enxerga. Não. Também, os outros simpatizam, ou antipatizam, com você, no primeiro instante que lhe enxergam. Sem se conhecerem, você e os outros já delimitam o relacionamento entre vocês, a partir do que sentiram, no primeiro contato, podendo, depois, claro, pensarem a respeito, mudarem de ideia, oscilarem entre a simpatia e a antipatia, etc etc e tal. Tudo é possível, o tempo todo – somos nós, com nossas escolhas particulares, que possibilitamos, ou impossibilitamos, a propria vida.
Tem muita gente dizendo que os seres humanos estão se afastando uns dos outros, em nome do individualismo, decorrente do capitalismo, do egoísmo, e tantos outros 'ismos'. Quanto a isso, não sei. O que acho é que tem muita gente que nem pensa mais em si mesma, muito menos nos outros, que são os outros mesmo. Com que direito alguém pode exigir que os outros pensem nele (alguém), se nem ele (alguém) pensa nele mesmo, nem os outros pensam neles mesmos (os outros)?... Na minha 'visãozinha' estrabica, isso é ironico demais!...
Ainda, sobre essa historinha de individualismo – acho que já postei aqui minha opinião a respeito disso -, vale perceber que quem reclama é justamente quem espera que os outros façam alguma coisa a favor do (da) reclamante. Pode observar. Eu vejo sempre a palavrinha individualismo 'desfilando' em discursos emocionados e emocionantes, sendo usada para 'angariar adeptos solidarios e caridosos'. Eu páro, olho, escuto, e continuo achando que o individualismo é um bom sinal – pelo menos, o (a) individualista está pensando nele(a) mesmo(a). Por isso, nem tudo me parece perdido.
“Pra não dizer que não falei das flores” (prefiro as folhas): Não são só os outros que são os outros – nós (todos) também somos os outros (dos outros)...

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Um quase mantra

Há algum tempo, meu fundo musical tem sido “Paciencia”, de Lenine, especialmente, com Olívia e Francis Hime. Pra mim, é um quase mantra, na minha infinita tentativa, na minha finita vida, de, senão manter, pelo menos, buscar (saber que existe) o equilibrio – o meu equilibrio, que não é de mais ninguém, pois cada qual tem (nem sempre) o proprio equilibrio.
Ouvindo meu quase mantra, fico pensando o quanto tornamos a vida ironica. Uma liçãozinha basica, que continuamos também aprendendo na escola, é a conhecida “lei do retorno”. Eu costumo dizer que cada escolha nossa é um bumerangue em voo: vai, e volta. A ironia está justamente aí: plantamos tamarindeiro, esperando colher rosas, ou, então, insistimos pedir bife, em farmacia.
Cada um de nós só pode dar, e dá, o que tem. Ainda assim, a escolha é nossa: se queremos receber, ou não. Mas teimamos, tantas vezes, para que o outro corresponda ao que pensamos necessitar. O outro, que não é a gente, devolve o bumerangue, carregadinho de expectativas dele, junto com tantas frustrações. Diante disso, o atrito se estabelece, e o que poderia ser convivencia harmoniosa torna-se “samba do crioulo doido”.
Na minha opinião insignificante, os dialogos estão cada vez mais raros, pois o que a maioria exercita são monologos infindáveis: eu falo, eu escuto, e só eu compreendo o que digo. Enquanto isso, o outro faz a mesma coisa: ele fala, ele escuta, e só ele compreende o que diz. Isso, quando não falam ao mesmo tempo – aí, ninguém se entende mesmo. Pra mim, que não sou exemplo nem a mim mesma, ouvir o outro significa silenciar o dentro da gente, na tentativa de absorver o que a gente escuta. Se, enquanto o outro fala, eu fico pensando, mais e mais, não há sintonia. Se o outro faz isso comigo, o bumerangue faz o mesmo trajeto: vai ignorando, volta ignorado.
Mas as pessoas (a maioria, me parece) não querem pensar essas coisas “chatinhas”. Até parece que preferem continuar se desgastando, fazendo força, para arremessar o bumerangue, cada vez mais longe, à espera de algum milagre. Quanta ironia!...
E, pior ainda (sempre tem pior), há os que agridem – com palavras e ações -, e, mais que esperar, exigem retorno de manifestações de afeto, respeito e admiração. Fica difícil. Até a Física diz isso: bumerangue vai, bumerangue volta. Detalhe: é o mesmo bumerangue que volta – ele não muda de cor, nem se transforma em outro. E ainda tem mais. Quando alguém sofre uma dor muito grande, podemos fazer dois julgamentos: se gostamos desse alguém, coitado dele; se não gostamos, está pagando pelos males que já cometeu. E isso é tudo – a única verdade é o sofrimento, que só o outro vivencia.
Sempre digo que gosto do “olho no olho” - mais que força de expressão, pra mim, isso (o “olho no olho”) representa a tentativa mutua de entendimento. Eu não consigo enxergar outro caminho – isso não quer dizer que não exista (o que não existe é visão minha). Fica difícil encarar, né?... Primeiro, tentamos racionalizar o que sentimos, buscando palavrinhas milagrosas que nos traduzam. Depois, precisamos verbalizar o resultado do que fizemos internamente, ao outro, que tem outra visão sobre a vida, em razão de ter vivenciado o que vivenciou, de outro jeito. Mas a ironia do tão sonhado dialogo não pára por aí. Enquanto verbalizamos, o outro pode escolher não querer nos ouvir, e nos interpretar, concluindo o que falamos, sem nos questionar. Também nós (cada um) agimos do mesmo jeito, quando o outro verbaliza, e ainda justificamos que precisamos nos proteger, que a vida nos fez assim, etc e tal. Quer ironia maior que essa?...
No final da historinha toda, dois egos, ou mais, afastam-se uns dos outros, fortalecendo o individualismo, e, às vezes, até levantando bandeiras e faixas em defesa da solidão. E todo mundo vai dar uma voltinha (comemorativa) – cada qual de braços dados com a sua propria razão... O amor (pelo proprio umbigo) é lindo!...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Perguntinhas basicas

Você escolhe um filme, na locadora, por que:
- Tem Brad Pitt e Angelina Jolie no elenco?
- Leu a sinopse do filme, e não entendeu coisa alguma?
- É o filme mais procurado?

Quando você sente insonia:
- Toma medicamentos pra dormir?
- Assiste programa religioso, na televisão, pra perder o sono de vez?
- Espera amanhecer, pra acordar até os vizinhos, e dizer que não dormiu?

Diante do lançamento de um novo produto alimenticio, você:
- Experimenta, sem sequer se importar com a embalagem?
- Se nega provar o produto novo?
- Lê as informações nutricionais do produto?

Você faz check-up, quando:
- Sente dor de cabeça?
- Tem plano de saúde?
- Precisa de atestado medico?

Quando você encontra a calça jeans que tanto sonhou, você escolhe:
- A calça com um numero menor, que te obrigue emagrecer?
- Não compra, e espera liquidação da calça?
- A calça de um numero maior, pra garantir a barriguinha do chopp futuro?

Se o troco que você recebe tem dois reais a mais, você:
- Devolve o valor que recebeu a mais?
- Faz de conta que não percebeu?
- Se, em vez de dois reais, a nota fosse de cem reais?

Você sabe:
- Quantas calorias diárias você ingere?
- Qual a Capital da Eritreia?
- Quantas coisas não sabemos?

Quando você tenta traduzir uma receita medica, você:
- Faz discurso, em família, lembrando suas aulas de caligrafia em latim?
- Se arrepende, por ter escolhido Letras, e receber “merreca” no magisterio?
- Faz piada da receita, em casa, e chora, depois, no caixa da farmacia?

Quando você tem de fazer trabalho de pesquisa, você:
- Vai direto ao google, e clica na primeira opção?
- Copia texto da internet, sem ler?
- Lê o texto que copia da internet, sem pensar?

Você vai ao shopping, e compra:
- O que está em liquidação?
- O que acha que precisa?
- O que aceitam cartão de credito?

Respondeu alguma coisa?... Então, tá. Depois, vou (tentar) responder alguma besteira dessas. Fui.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

‘Filosofança’

Acho que o que me aproxima da filosofia é essa coisinha, aqui dentro, que fica pensando, pensando, pensando, sem conclusão alguma. Saio de lugar algum, e vou pra lugar nenhum. Quase sempre, nas minhas viagens, acabo me deparando, em alguma esquina, com a filosofia. Pra mim, a filosofia faz parte da vida (pratica, vivida), escapulindo dos livros empoeirados e esquecidos, bem e mal interpretados, guardados nos museus. É assim que convivo com a filosofia: caminhamos, juntas, nos questionamentos - a filosofia propriamente reconhecida e eu, com a minha ‘filosofança’. Agora mesmo, estou passeando, de mãos dadas, com Nietzsche, lendo e relendo “Humano, demasiado humano”. Gosto do que ele faz: sopra, ou derruba, as justificativas humanas, e nos desafia – a nós e a ele mesmo, tão “humano, demasiado humano”.
Ler questionamentos me faz questionar, ainda mais. Mas as minhas perguntas não buscam respostas. Na minha desimportante opinião, os questionamentos nos revelam mais, como seres humanos pensantes. As respostas, por serem conclusivas, nos fazem calar, acomodar no que parece seguro. Em mim, há uma satisfação (intima) em perguntar sempre, com o olhar avido por mais questionamentos. Mas é a mim mesma que pergunto, pois sei que, fazendo isso, não terei resposta, conclusão – poderei continuar questionando, descobrindo.
Nietzsche me ‘disse’, há pouco, que o ser humano ocidental foge do sofrimento (as culturas orientais vivenciam o sofrimento). E eu fico pensando que a negativa causa mais sofrimento ainda. Sabemos que o sofrimento existe, e ainda nos esforçamos em construir defesas, que, na realidade, não nos defendem da dor. Na fuga, tropeçamos na propria consciencia (que se sabe), e acabamos, no chão, pensando. Pensar dói.Por outro lado, enquanto tentamos fugir, por exemplo, do sofrimento que representa a morte, continuamos morrendo – a cada dia, a cada instante.
Esse saber (ter consciencia) é que sofre, que sente dor, é que machuca profundamente. Por favor, não pense – pelo menos, agora – que nem todos suportam a consciencia da dor existencial. Neste momento – meu unico pedido – me leia, sem respostas prontas, sem frases de efeito, sem encenações, sem justificativas, sem anestesicos. Aqui, não há holofotes, nem scripts, muito menos aplausos, ou vaias. Sou eu a me manifestar, sem querer concluir coisa alguma, e você, que pode simplesmente manifestar-se pra si mesmo, ou nem querer pensar. Estamos quites – de qualquer jeito.
Também, acho que não precisamos viver nos extremos – ou oito, ou oitenta. É o proprio Nietzsche quem diz que o ser humano vive numa corda esticada no abismo. Se já vivemos desse jeito, não vamos piorar a nossa propria condição, buscando um extremo, ou outro. Entre o nascimento e a morte, há um intervalo, um hiato: a vida. Vida, que não é só sofrimento. Vida que, também, é descoberta – de nós mesmos e dos outros -, mesmo quando nos negamos viver. Só não me pergunte pra que isso, ou por quê. Não tenho respostas – carrego só perguntas.
Uma coisa que temos em comum, independente de se viver no Tajiquistão, ou em Djibouti, é a escolha – somos nós que fazemos escolhas à nossa vida particular, pessoal. Este, aliás, na minha visão estrabica, é o unico compromisso que a gente tem, de fato: com a vida que a gente escolhe viver. O resto?... Ah, o resto é visão alheia, imaginação alheia, interpretação alheia, julgamento alheio, conclusão alheia – tudo isso (do alheio) também resulta das escolhas que o outro faz. Por essa porta, minha “vã filosofia” banal nem ousa entrar. Ainda continuarei minha ‘filosofança’, por aqui, sem filosofar – ou não.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O todo poderoso


Realmente, ele é mesmo o todo poderoso. Com o tempo, a tecnologia avançada, ele foi tomando conta das nossas vidas – tanto que, hoje, não há lugar no mundo onde ele não se faça presente e reconhecido. Sempre imponente, ele – o todo poderoso – é o dono da maioria das atenções. Onde ele toca, quase tudo paralisa, e, depois, quase tudo se transforma.
Antes, ele era todo poderoso, somente nos escritorios, nas empresas. Aos poucos, quase imperceptivelmente até, ele foi dominando outros ares, tornando-se mais e mais necessario, e hoje faz parte do cotidiano da grande maioria das residencias. Mais ainda, atualmente, ele é o todo poderoso das ruas, das calçadas, de todos os locais publicos. Às vezes, causa até acidentes, mas continua imperando, se impondo mesmo, e não há quem fique impassível, diante do chamado dele.
O todo poderoso não é super heroi, nem milagreiro, mas, depois de alguns toques, pode salvar vidas. Não é artista de sucesso, mas sempre é esperado, e recebe toda a atenção. Não é time de futebol, mas tem torcida fiel. Não é novela mexicana, por que emociona muito mais. Não é controle remoto, mas muita gente briga pra segurá-lo. Não é confessionário, mas guarda segredos inimagináveis.
O todo poderoso toma conta das nossas vidas, tornando-nos dependentes dele. A cada toque do todo poderoso, um sobressalto, uma sensação diferente. Por isso, ele domina tudo e todos, invade reuniões, salas de aula, de cinema, estadios de futebol, até refeições, cultos religiosos. O todo poderoso não quer nem saber se estamos assistindo noticiarios, novelas, filmes, ou se estamos tomando banho, dormindo, viajando. Em todas as situações, o todo poderoso pode tocar, e não há quem fique indiferente. O jeito mesmo (é o que a maioria pensa, se pensa) é atender o todo poderoso telefone.
Se o telefone convencional (criação do escocês Graham Bell) alterou completamente os habitos da humanidade, o celular, na companhia da internet, veio superar qualquer expectativa mais ambiciosa, e já não há mais limite, nas comunicações. Hoje, celular é objeto indispensável, sempre com mais funções – além de permitir conversação (nem sempre dialogo), o aparelhinho pode disponibilizar câmera digital, gravador de vídeo, controle por voz, bússola, conectividade bluetooth, reprodutor de mp3, rádio fm, tv, aplicativos Java, porta de comunicação USB. A cada lançamento, mais uma surpresa que fascina – quem pode comprar, compra; quem não pode, acaba comprando também (“made in Paraguai”).
Conforme pesquisa do IBGE, somos 190.732.694 habitantes, no Brasil. Agora, se acomode na cadeira, e segure essa: O mesmo Brasil tem hoje 227,4 milhões de linhas celulares, segundo a Anatel. Nem a geladeira e a televisão, bens de maior consumo brasileiro, chegam proximas a esse indice de compra. Por isso, eu acho que tem brasileiro utilizando celular, pra saber das fofocas dos artistas, das novelas, e encomendar cervejinha gelada.
Lembro agora de um fato ocorrido, bem no inicio da popularidade dos telefones celulares. Um prefeito do interior desse enorme Brasil estava num motel, na companhia de uma trabalhadora do sexo. Em razão do atraso dele em casa, a esposa ligou para o celular do prefeito, que, afoito, gritou ao telefone: “Quem te contou que eu vim para o motel?”... Não fiquei sabendo se houve separação do casal, por que quem repetia o relato do que acabou virando piada nem se preocupava com esses “detalhes tão pequenos”.
Em qualquer lugar – por aí, por aqui, acolá -, basta o telefone tocar, pra afrodescente (“neguinho” virou termo preconceituoso) gritar: Alguém atenda o telefone!... Por causa do todo poderoso, muita gente sai ensaboada do banho – às vezes até pra atender chamada de telemarketing. Tem gente que adota o identificador de chamadas, provavelmente, pra evitar essas situações. Eu ainda prefiro as surpresas – se não estou a fim de atender telefone, simplesmente desligo o aparelhinho da parede (simples). Até por que não costumo correr pra atender chamada telefonica – nem lembro ter saído do banho, por causa disso.
Por outro lado – no outro lado da linha (telefonica) -, muitos que fazem telefonemas sentem-se semelhantes à imagem que fazem de Deus: onipresentes. A exemplo da internet, também uma ligação telefonica propicia estarmos em outros lugares, sem sairmos do lugar. Com isso, dizem, poupamos tempo, dinheiro, cansaço, stress, etc e tal. A realidade, hoje, é que não há distancia – o que continua existindo, por vontade humana, é distanciamento.

Em tantos lugares, neste momento, algum telefone está chamando – por aqui, por aí, acolá...

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Transbordamento


Do jeito que a ‘coisa’ tá indo, daqui a pouco (não demora mesmo), nós vamos estar alfabetizando, sem lapis, nem caneta, muito menos papel. Nada mais de giz, quadro negro (ou verde), nem lousa. Sem essa de “desenhar letrinhas”. A alfabetização não será mais escrita, mas sim, digitalizada. Depois disso, olharemos os papéis escritos, guardados nos museus, ou em alguma gaveta esquecida no tempo, feito os arqueologos, que ainda pesquisam hieroglifos, na tentativa de, senão traduzi-los, interpretá-los. Poderemos sentir nostalgia – o tempo já passou.
Aos poucos, vamos participando de “conferencias on line”, “aulas on line”, “relacionamentos on line”, “trabalhos on line”. Sem essa de pedir demissão, ou avisar, pessoalmente, a desistencia de um curso – basta desconectar. Pronto. Até divorcio pode ser via internet (por que não?).
Mas tem mais mudanças humanas – imperceptíveis, ou desconsideráveis (por isso, desconsideradas), pela maioria. Como se não bastasse, ainda exigimos dos outros o que nós não praticamos. Por isso, tem tanta gente, indignada, denunciando as consequencias do que essa mesma gente causou.
Acho que se engana, quem pensa que vivemos a “era da informação”. Ao contrario, estamos na era da desinformação. São tantas informações, que acabamos não mais retendo coisa alguma, sabendo, de antemão, que podemos acessar, a qualquer momento, o deposito informativo da internet. Isso resulta, obviamente, no que chamo ‘engessamento mental’. Habituamos não pensar, por que já temos informações – que consideramos – suficientes, sempre à mão. Lamentável.
Depois dos periodos de romantismo, modernismo, vivemos tempos de individualismo. Ainda fico tentando imaginar o que escreverá o nosso futuro, a esse respeito... E o individualismo nos traz outro ‘ismo’: o imediatismo. Ninguém faz planos a longo prazo – tudo precisa ser “pra ontem”. Por isso, estão na moda as “festas miojo” – três minutos depois, todo mundo já pode começar “comer” todo mundo (expressão que, no romantismo, não era sinonimo de fazer sexo – com, ou sem amor). Poucos, se comparados à maioria, investem em relacionamentos. Não há mais esperanças. Nem sonhos.
A palavra construção, que, há algum tempo atrás, representava constancia, está desaparecendo. A maioria já não pensa em construir – se constrói, é em tempo minimo, com pré-moldado, só utilizando o que necessita para simples encaixe.

Volto a perguntar: Eu é que sou ironica?...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Meu velho pai

Sempre digo que meu pai continua sendo Forrest Gump – não o ator (Tom Hanks), mas o personagem mesmo. Ser filha de Forrest Gump enriquece, principalmente, as memorias da infancia, que acaba ficando mais tempo. Quando brinco com meus filhos (já crescidos), e vejo que se alegram, ainda, ao lembrarem a infancia deles, sei exatamente o que é ser filha de Forrest Gump.
Entre tantas historias, lembro, agora, quando morávamos (meus pais, meus irmãos e eu), numa casa à beira dos trilhos de trem, e tínhamos como vizinhos, colegas de trabalho do meu pai. Todos eles trabalhavam na Estação Férrea, e meu pai era muito querido por todos.
Um dia, um dos vizinhos, antes de viajar a passeio com a família, foi à nossa casa, e conversou bastante, pedindo que meu pai desse uma olhadinha na casa deles, já que ninguém ficaria lá. Prontamente, meu pai acatou o pedido, ficando com as chaves da casa do vizinho, que ficaria fora, com a família, durante uma semana.
Meu pai, há pouco tempo, tinha se aposentado. Por isso, cuidou, com mais zelo, da casa do amigo vizinho. Pela manhã, atravessava a rua, e mantinha algumas janelas abertas da casa. Anoitecia, meu pai estava lá, novamente, para fechar as janelas, ligar umas poucas luzes, no intuito de mostrar que havia gente ali. Depois, voltava para casa.
Na segunda noite em que fez o ‘ritual’, tão logo chegou em casa, bateram palmas, no portão, e meu pai foi atender. Eram dois homens que diziam ter sido contratados pelo vizinho em viagem, para fazer a mudança das coisas da família. Pediram ao meu pai se ele tinha as chaves da casa, já que o vizinho (citaram o nome dele) havia dito que era para procurarem ele (meu pai).
Os três conversaram bastante, no portão lá de casa. Depois, meu pai, retirando do bolso, as chaves da casa do amigo, atravessou a rua com os dois. Demorou para voltar, quando nos contou que estava cansado de tanto ajudar na mudança do vizinho.
No dia do retorno marcado, lá estava o vizinho, no portão da nossa casa, desesperado, junto com a família. Meu pai contou-lhe o trabalho que teve, junto com os dois homens, para fazer a mudança: “O caminhão era pequeno”. O casal viajante chorava, enquanto os filhos pequenos não entendiam, feito nós, o que estava acontecendo. Os dois homens, a quem meu pai ajudara, eram ladrões.
Os vizinhos roubados chamaram a polícia, que comunicou que um caminhão havia sido apreendido, há pouco tempo, numa blitz, por trafegar em condições irregulares. Toda a carga do caminhão foi recuperada, intacta, mas nunca mais, pelo que lembro, os vizinhos deixaram a casa vazia, nem aos cuidados do meu pai, que não perdeu a amizade deles, pois continuavam conversando.
Quando recordava o episodio, meu pai ria muito dele mesmo, e dizia: “O vizinho falava sempre que queria e precisava mudar de vida, e eu torcia pelo bem dele. Por isso, achei que a mudança de casa seria coisa dele mesmo”.
Guardei a historinha, por que, eventualmente, era lembrada, em reuniões de família, quando meu pai contava e recontava o fato, sempre rindo muito dele mesmo... Por esses dias, meu pai estaria aniversariando – por certo, se não tivesse feito a ultima viagem de trem, ele ainda lembraria e recontaria a mesma historia. Saudade do meu velho pai...

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sonho infantil

- O que você está fazendo na janela?...
- Olhando as nuvens...
- Nuvens são nuvens, e estarão sempre lá...
- Não, essas não estarão mais...
- Saia daí, está frio, fecha essa janela...
- Não posso, preciso olhar, pra guardar as formas das nuvens...
- Que bobagem é essa agora?...
- Vem ver, vem ver as nuvens brincando no céu...
- Eu vou, para tirar você daí, isso sim...
- Olha lá: antes era uma cadeira, e agora já é um urso. Tá vendo?...
- Não estou vendo coisa alguma...
- Ali, no cantinho, bem no alto...
- Não vejo...
- Ah, agora o urso virou uma bola, e já vai tomar forma de um navio...
- Onde?...
- Não falei?... Olha ali, tão perto...
- Você está imaginando coisas...
- Não. Basta olhar... Veja ali, uma arvore perdendo as folhas...
- Outono?... Tá bom, mas agora sai da janela...
- Não posso. Tem uma criança me chamando, nas nuvens, pra brincar...
- Espere, eu quero ir junto... Faz eu acreditar, mais uma vez... Espere eu fechar a janela... Está frio aqui.
- Vem logo!
...
- Acorda!... Você não pode atrasar, para ir às aulas de natação, judô, futebol, inglês, taekwondo, espanhol, tênis, javanês, karatê, equitação, e ainda tem escola...

sábado, 15 de outubro de 2011

Medo do medo

Acho que, antes mesmo de o medo apresentar-se, acompanhado de seus suditos motivos e justificativas, chega, imponente, o medo do medo, em todos nós. Sentimos medo, a vida inteira – às vezes, recuamos, por causa dele, mas quase sempre o medo nos paralisa a alma. Temos medo do desconhecido, sim, mas, talvez, mais ainda, medo do que nos é conhecido, familiar até.
Na minha opinião, sem verdade alguma, penso que real mesmo é o medo do medo. Sentimos medo de sentir medo, por que nos desconhecemos, neste instante, nos desequilibramos, nos descontrolamos, deixamos de ser aquelas criaturas que escamoteiam o medo original. Por outro lado, o medo nos arrebata pela insegurança, por que nos impede de arriscarmos. Com medo, permanecemos na “zona confortável” das nossas certezas.
Um amigo filosofo diz que “já não mantemos mais amizades – só contatos”. Acho que ele está certo. Observando o meu mundinho de convivencias, percebo que as pessoas tateiam, de quando em vez, a superficialidade das relações, ou nem isso. As justificativas, ao agirem assim, podem ser diversas, inimagináveis até. Mas o motivo continua bem escondidinho, lá no fundo (da alma? talvez): experiencia de vivencia.
Deixamos de arriscar? Talvez. Mas, mais ainda, deixamos de investir. Não me refiro, aqui, a investimentos na Bolsa, nem outros investimentos financeiros. Realmente, não é a minha ‘praia’. Mas tem investimento mais importante, na vida: a propria vida. Pelo menos, essa é a minha opinião ‘insignificantezinha’.
Feito qualquer outro investimento, quando investimos na vida, fazemos a nossa escolha, como quando resolvemos não investir. Se o medo nos impede, existe, também, escolha nossa: optamos nos resguardar no medo do medo, que predomina absoluto na zona de conforto. E ainda justificamos: Investir, pra que, se podemos viver sem depender de nada, de ninguém?... Contatos apenas não pressupõem envolvimento, compromisso – entrega. Amizade e relacionamento de casal levam adiante – envolvem, comprometem e nos entregam. Isso tudo – claro! – acarreta ônus e bônus. Mas ninguém quer saber de assumir os ônus. O que todo mundo quer mesmo é o conhecido “bem-bom”, que a gente não encontra nas prateleiras do mercado – empacotadinho, sob medida.
Relações são construídas. Para isso, penso eu (que penso), é preciso investir – com mais valores que investem os magnatas, nas Bolsas. Mas só pensar sobre isso já cansa a maioria. Então, em vez de investir em relacionamentos, a maioria prefere “manter contatos”, enquanto o medo do medo continua reinando – absoluto. A escolha é feita - sempre.
A mim, que não concluo o que penso, só me resta lembrar aquela ‘grande’ frase do jovem do hip hop, que escutei: “Mando um salve pro demenor, porque pá, tipo assim, daquele jeito, tá ligado, mas não dá nada!”...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dia das Crianças

Doze de outubro é Dia das Crianças. Mesmo negando, no maior tempo da vida, continuamos sendo crianças – no que pensamos, agimos, vivemos, existimos.
Não quero me deter em instantes corriqueiros, quando admitimos que estamos sendo crianças. Não. Não vou falar sobre as brincadeiras infantis que fazemos com nossos filhos, sobrinhos, netos, bisnetos, tataranetos, afilhados, etc e tal. Nem sobre o tratamento mutuo entre os apaixonados: “bebezinho”, “benhê”, “baby”... Não quero tratar sobre infantilidades, nem sobre a velhice, que tanto se manifesta em forma de infancia.
Quero ousar escrever sobre sermos crianças sempre. Você lê, se quiser – por sua conta e risco. Depois, não adianta sapatear, espernear, nem fazer caretas – ultimo aviso.
Penso que somos crianças, nos relacionamentos. Quando nos ofendemos com alguma coisa, ou alguém, quando o outro (seja quem for) não corresponde à nossa expectativa, simplesmente falamos, em atitudes: Não brinco mais. Às vezes, até escondidos, brincamos descalços na chuva, rapamos o prato de doce, com os dedos, choramos no escuro, abraçados no travesseiro. Até brincamos “de casinha”, depois que casamos. Vamos além, quando substituímos nossas bonecas, pelos filhos que parimos. E ainda nos mascaramos de super herois, querendo ignorar que os nossos filhos nem sempre serão ingenuos. Gelamos as mãos, até gaguejamos, quando estamos numa entrevista de emprego – mas raramente admitimos o nosso medo.
E seguimos crianças, a vida inteira. Por todo planeta, acionamos armas, detonamos bombas, na justificativa de combatermos o mal, como fazíamos, quando pequenos, em brincadeiras de policia e bandido. Crianças, vamos mais longe, quando aprimoramos nosso trabalho, para sermos reconhecidos, com a tão sonhada promoção, semelhante ao doce que ganhávamos, por comermos todos os legumes do prato. Numa disputa – seja na mesa de truco, na briga de rua, na Olimpiada -, queremos ser os melhores, e até choramos (de raiva), quando somos vencidos. Se já não ambicionamos a bicicleta recém lançada, desejamos, adultos que somos, o carro do ano. Para sermos aceitos, nos tantos diferentes grupos sociais, feito crianças, mudamos nosso jeito – de vestir, de falar, de agir.
E ainda queremos ser exemplos às crianças. Quanta ironia!... Exemplos de que mesmo?... Exemplos de personas que não se reconhecem frágeis, com medo de (quase) tudo, principalmente, da morte, que chega, na companhia inseparável do tempo...
O que nos resta fazer?... Eu acho que nos reconhecermos, e sermos, ainda mais, crianças. Deixarmos as babaquices de lado – orgulho, ressentimento, ambição desmedida, vaidade, discriminação, inveja, vingança, ciúme, e essa porcaria toda que afasta a humanidade. Criança esquece o mal-entendido com outra criança. Criança não tem pré-conceitos, nem conceitos e preconceitos. Criança arranja sempre um jeito de brincar, sem ferir, nem se ferir. Criança se extasia, vendo um inseto camuflado numa folha. Criança desenha bichinhos e brinquedos, nas nuvens. Criança procura e conta estrelas, na noite escura. Criança pergunta sempre o que não compreende, e quer compreender. Criança limpa as mãos, com sorvete de chocolate, na camiseta. Criança adormece sem querer, e acorda criando um novo dia. Mais importante: criança continua sonhando, e nos fazendo (ainda) acreditar nos sonhos, nos instigando a sonhar...

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sem discussão

São tantos os momentos em que não há a menor possibilidade de discussão... Um dos piores é quando você já foi ouvido, lido, mal interpretado, e recebe a conclusão do outro, sem qualquer pergunta previa. Sem discussão – mesmo (às vezes até para todo o sempre, que, se não existe, parece valer por muito tempo, que também não existe).
Sem discussão, você fica mudo (a), estupefato (a) até. Não importa. Você pode espernear, ou ficar na “posição da vaca (cagando e andando)”. A sentença já foi dada, e não há processo judicial, para você recorrer. O “veredito” é a guilhotina – sem discussão. Se você ainda quiser discutir, fará isso sozinho (a). Por que já ninguém mais te escuta – se ainda te ouvissem, talvez, te interpretassem pior.
Quando me apercebo, diante de uma situação inevitável dessas, sei que não existe minima possibilidade de discussão. Por isso, nem recorro à tentativa de dialogo – no máximo, um monologo desnutrido. Também eu me sinto a ré, diante da guilhotina. Se me dão direito a uma ultima frase, apenas penso: Quero mandar um beijo para o meu pai, a minha mãe, e a Xuxa (claro!). Por que nada mais há que ser pensado, muito menos dito. Sem discussão.
Tem gente que confunde discussão com briga. Pra mim, como pra (quase) toda gente, inclusive, o velho e bom “Aurelião”, discussão é debate, instante de tentativa de compreensão mutua. Acho que discussão não é troca de ideias – se fosse, nessa troca, alguém sairia perdendo. Mas, na pratica, as pessoas também confundem muito discussão, e acabam brigando – mais ainda. Por isso que ninguém se entende. Sem discussão.
Se um defende a si mesmo, obviamente que o outro, pra acompanhar o ritmo, vai defender a si proprio também. Mas isso não chega ser discussão. Aí, é qualquer outra coisa: concorrencia de egos, exposição de feridas, ou seja lá o que for. Concurso não é discussão. Nem ponto final faz parte de discussão – no maximo, uma virgula, um pontinho e virgula, um ponto de interrogação, e até dois pontos, nova linha, travessão. Discussão, na minha visão estrabica, é cada qual preocupar-se mais em ouvir que falar, e, antes de interpretar, questionar o outro, esperar e buscar compreender as respostas. Esse “quebra-pau” que, a gente sabe, acontece diariamente não é discussão. É “quebra-pau” mesmo. Só isso.
Houve um tempo (há muito tempo) em que se dizia que pessoas civilizadas sabiam discutir. Os tempos mudaram; as pessoas também. Hoje, pessoas civilizadas já não sabem discutir. E discussão mesmo só cabe em dicionario. Talvez, por que discussão dá muito trabalho. Sem discussão é melhor, principalmente, quando ninguém sabe de ninguém, nem de si mesmo – nem quer saber.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Frágeis aparencias

Ouvindo Elis Regina cantar “As aparencias enganam” (composição de Sérgio Natureza), penso nas suaves e pesadas - sempre frágeis - aparencias que carregamos – todos nós, seres humanos. Podemos nem saber ao certo quem somos, mas sempre sabemos buscar a aparencia que queremos ter, ser para os outros.
Vivemos de aparencias, mesmo quando afirmamos não dar importancia a elas. Até numa feira, os produtos vendidos são sempre os mais belos (?). Por isso, inclusive, tem muito feirante ‘maquiando’, à base de óleo, com efeito de óleo de peroba, cascas de frutas e legumes. O olhar humano sente-se atraído pelo brilho, pelo colorido que se destaca.
Pra mim, que, admito, não tenho noção de beleza e estetica, todos nós nos revelamos bastante, nas aparencias que resolvemos assumir, nos expor ao mundo com o qual convivemos. Quando falo da minha visão estrabica, não estou dizendo que meus olhos (globo ocular e tudo o que tem dentro) não se movimentam paralelamente. O meu olhar estrabico está justamente no ponto de partida do que consigo enxergar – nem sempre vejo o que realmente é.
Conscientemente, uma aparência é minuciosamente criada, para, de fato, convencer quem com ela se depara. Mas isso não quer dizer que a intenção chega ao objetivo alvo – às vezes, acaba, no meio do caminho, sem porquê. Um exemplo?... O cara, que resolve aparentar que é rico, se ‘borra’ todo, na ostentação, exibindo rolex (made in Paraguay), até em supermercado. A maioria dos milionarios não age assim, até por que sabe que seria chamariz de furtos e assaltos. Quando a aparencia é demais, dá mesmo pra desconfiar...
A realidade é que vivemos e sobrevivemos de aparencias – poucas, ou muitas, mas sempre aparencias. Afinal, ainda é pelo olhar que nos reconhecemos. Enquanto nos preocupamos em aparentar o que consideramos “aceitável” e “admirável”, vamos escamoteando, cada vez mais lá para o fundinho (da alma?), quem pensamos que somos. Por isso mesmo (quem sabe?), as convivencias humanas se tornam “samba do crioulo doido”. Ninguém se entende. Porque não só criamos a aparencia fisica (com dietas inacreditáveis, cirurgias, lipos e botox). Também, idealizamos (e esboçamos) uma aparencia mais sutil: de personalidade, e até de caráter. Aí, a convivencia pode tornar-se perigosa, por que já não somos nós, muito além da figura estetica. Isso deve causar uma trabalheira (mental) inimaginável...
Por isso, protagonizamos, ou testemunhamos, cenas assim:
- Eu não sabia que você gostava, e por isso eu afirmava não gostar...
- Se você dizia não gostar, eu não queria dizer que gostava, pra não desagradar...

Alguém tem duvida de que o mundo é das aparencias?... Diante disso, melhor seria aparentarmos ser quem pensamos ser, né não?... Dá menos trabalho, gente.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Estar só

Sós – todos somos. Até os gemeos xifopagos - que, permanentemente, não estão desacompanhados - são sozinhos. Estar só – ou não - é escolha de cada um. Não vou fundo, nessa questão – prefiro me manter nas beiradas (que são tantas). Ser só é uma coisa. Estar só é outra coisa. E ainda tem mais uma coisa: se sentir só. Escolho escrever sobre a coisa que fica entre uma coisa e outra coisa: o estar só.
Todo mundo sente vontade de estar só, uma vez na vida, ou ‘zilhões’ de vezes, ou até a maior parte da vida. Diante disso, há muita gente que enxerga obstaculos intransponíveis, e não se vê capaz de transpô-los, para, quando necessario, assumir uma separação, um divorcio. Alguns justificam que não conseguiriam manter o suficiente à familia e à propria (nova) vida. Outros dizem que se sentiriam “monstros”, sem perdão, se cometessem “abandono familiar”. Quanto a mim, continuo pensando que tudo o que fazemos, ou deixamos de fazer, faz parte do ‘kit’ das nossas escolhas, de mais ninguém. As consequencias disso, também.
Tenho um amigo que, depois de morar com colegas de trabalho, resolveu, como ele mesmo diz, “montar o proprio acampamento”. Para esse meu amigo, “você percebe estar só, quando não precisa brigar pelo controle remoto, nem bater na porta do banheiro, e gritar, quando quer tomar banho, muito menos tentar adivinhar quem roubou as latinhas de cerveja da geladeira”. Com tremendo bom humor, meu amigo parece estar comemorando estar só. Há vinte anos, principalmente, muitos brasileiros estão fazendo o mesmo. Hoje, já são quase sete milhões de pessoas morando sozinhas, no Brasil (dados do Censo do IBGE/2010). São homens e mulheres que, pelo visto, fizeram essa escolha, e não querem ser considerados “pobres coitados solitarios” (estigma derrubado há tanto tempo).
Ouvindo sempre muita gente falar a respeito disso, lembro, aqui, a maior vantagem citada, para quem mora sozinho: fazer o que quer. Todo mundo gosta de só fazer o que quer, né?... Estar só – pelo menos, onde mora – pode garantir a grande ‘graça’. Mas, pra muita gente, estar só pode trazer a desgraça de voltar pra casa, não encontrar um olhar amigo, um aconchego, alguém à espera, dizendo que conseguiu o filme tão sonhado, ou com outra surpresa repousante. Entre os “pós e as contas” (como diz outro amigo), a escolha é sempre de cada um.
Dentro da previsibilidade de vida humana, muitos sentem-se felizes, morando sozinhos; outros, infelizes, morando acompanhados; e há gente que se sente infeliz, morando sozinha, e, outra gente, feliz, morando na companhia de outras gentes. Nem todos, certamente - por morarem, ou não, sós - afirmam estar sozinhos. O sentimento de solidão parece desatrelado do estar – ou não – só. Ainda bem, por que, assim, não estamos predestinados a coisa alguma, e o destino de cada um continua sendo unico, resultado das escolhas intransferíveis que fazemos, a cada instante. É só o que penso – por enquanto.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Vizinha da imaginação

Existe, numa loja nada distante, vizinha da imaginação, um balcão comum, onde atende-se pedidos assim:
- Por favor, eu quero meia dúzia de amigos e um grande amor, mas precisa ser com garantia, pra eu não ter de descartar tão cedo, por que vir aqui, e ficar escolhendo, dá muito trabalho. Os amigos podem ser semelhantes entre si, mas que não vivam sem mim. Que sejam, também, alegres, sorridentes, divertidos, o tempo inteiro, e que me ouçam, e nada falem. Ah, por favor, que esses amigos não pensem, não questionem, por que a ultima remessa que levei teve muita conversa, muita profundidade filosofica. Quero amigos novinhos em folha, que só queiram curtir a vida, sem pensar mais nada. Podem ser falsos, à vontade. O que quero é que me aplaudam, e digam, o tempo todo, que eu sou o maximo do maximo. O meu pedido mais exigente é quanto ao amor. O grande amor da minha vida precisa atender todos os meus caprichos e desejos, no momento que eu quiser. Amor, que é amor, tem de ser educado, respeitoso, solicito, mas, acima de tudo, subserviente – a mim, claro.
- Estamos em falta de todo este material. O que temos, ainda, são peças antigas, fora de uso, há muito esquecidas, no fundo das prateleiras, aqueles produtos de quinta categoria, utilizados há decadas. Os que restam – a maioria, por devolução – são kits completos, com personalidades que alguns gostam, outros, não. Mas pretendemos repor o estoque de lançamentos, logo, logo, para atender a crescente clientela. Só não aceitamos devolução.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A sabedoria do ouvir

Incontestavelmente, ouvir é um exercicio de sabedoria – e arte. Mas não pretendo ‘baixar’, aqui, a moral que nunca tive. Estou pensando em algo mais simples, que se refere, também, à sabedoria do ouvir.
Os canais de televisão estão exibindo, cada vez mais, programas de entrevistas, o que, na minha opinião desimportante, é um jeito de fazer pensar. O problema (que eu enxergo) reside nos entrevistadores, já que a maioria deles acaba falando mais que os entrevistados. Ainda que alguns (cada vez mais raros) entrevistadores tenham algo a dizer, por conhecimento e boa articulação verbal, quem assiste uma entrevista quer saber a opinião do entrevistado (que não é o entrevistador).
Não vou perder (o meu e o seu) tempo, aqui, fazendo a listinha dos entrevistadores que falam mais que os entrevistados. Não vale a pena. Até porque isso eu e você já sabemos, reconhecemos, principalmente, nos “talk shows” diarios televisivos. Também, prefiro destacar quem, na minha opiniãozinha, é melhor, às vezes até, sem saber disso – reconhecer é uma das coisas que eu procuro fazer sempre, na vida.
Acho que exemplo de ouvir com sabedoria é a jornalista Leda Nagle, “ancora” do Programa Sem Censura, na TV Brasil. Os demais entrevistadores, a meu ver, que estou sempre buscando programas de entrevistas, (ainda) não sabem ouvir o outro, no caso, o entrevistado, e acabam ‘rodopiando’ no proprio umbigo. Às vezes, a diferença de opinião – entre entrevistado e entrevistador – torna-se tão gritante, que o entrevistador (ou entrevistadora) chega manifestar-se enfaticamente, com imponencia mesmo, deixando o entrevistado (ou entrevistada), visivelmente, constrangido (a).
Gente, o microfone, semelhante a uma caneta, uma camera, ou (hoje) um computador, é uma ‘arma’. Seja no meio de comunicação que for – os tradicionais jornal, radio e televisão, ou blogs e todas as redes sociais -, ouvir é sabedoria e arte. Jornalista, eu sei o quanto a gente pode direcionar a entrevista, e fazer o entrevistado falar o que queremos ouvir. Mas, se cometemos a parcialidade, já não precisamos mais do outro, por que estamos falando sozinhos. Isso não é entrevista, muito menos dialogo.
“Operaria das letras” que sou, acho que uma das primeiras lições que tive, lá no “be-a-bá” da minha pratica jornalistica, foi buscar, ao maximo, a imparcialidade, ainda que seja utopia. Por isso, um dos caminhos, pra gente se aproximar dessa (tão cantada em prosa) imparcialidade, é deixar falar, e saber ouvir. Acredito mesmo que, na vida cotidiana, acontece igualzinho: a sabedoria do ouvir pode nos levar à compreensão. Não me refiro a quem deixa o outro falar, sem o ouvir, sem pensar sobre o que escuta. Absolutamente. Saber ouvir, pra mim, é despojar-se, pelo menos, por alguns instantes, das opiniões e certezas proprias, e permitir-se pensar sobre o que o outro fala, manifesta. Melhor ainda, quando nos detemos menos nas palavras, e mais no sentido delas – o que o outro sente/pensa. É o que penso – eu, que prefiro observar, ouvir, e não concluir coisa alguma. Nem queira me ouvir.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Nossa humanidade está doente

Por não compreender, estou me sentindo quase o garoto, que, no meio dos omissos, gritou: “O rei está nu!”... Eu escrevo (não grito): Nossa humanidade está doente!... E não há diagnostico que possa precisar o grau de enfermidade. Não havendo diagnostico, não há medicamento, nem vacina. Os laboratorios podem continuar fazendo conluio com os medicos, para venderem cada vez mais remedios, que não há como combater a doença que afeta a humanidade, da qual faço parte, e, por isso, me preocupo mais ainda.
A nossa humanidade está doente!... Preferimos nos manter engaiolados – assim, nos sentimos menos inseguros. Engaiolados, sim. Hoje, nosso condominio tem grades, nosso jardim tem grades, nossa casa tem grades, nossa garagem tem grades, nossas janelas têm grades, nossa sacada tem grades. Levar as crianças, para brincar no parque, é perigoso. Fazer uma caminhada é perigoso. Passear, nos finais de semana, é perigoso. Tomar sorvete, comer pipoca, na velha praça, é perigoso. Diante do perigo, baixamos a cabeça, recuamos, desistimos, e até esquecemos o que, um dia, fizemos – ao ar livre, livres do medo de todos os perigos. Pelas frestas das grades, cada vez mais pesadas e imponentes, espiamos a vida lá fora...
Doente, a nossa humanidade se refugia na internet, no canto de um quarto esquecido de uma casa esquecida. Tem gente que não sai de perto do computador (sempre conectado), não sai do quarto, não sai de casa, não sai da chamada “vida virtual”. Na internet, podemos ser quem somos, quem não somos, quem gostaríamos de ser, quem recusamos ser. Na internet, somos crianças – mimadas, muito mimadas – brincando de gente grande, como queremos que seja a nossa vida, deletando o que não nos causa prazer. Na internet, extravasamos nossas frustrações (conosco mesmos), como quem encontra, depois de tanto procurar, em mais de duzentos quilometros de estrada, um banheiro. Nesse “alterador de realidade”, refugiamos nossos medos, nossas angustias, nossos sonhos, nossos pesadelos. E ainda podemos nos sentir amados (?) – tanto, que até fazemos “sexo virtual” (de graça, sem precisarmos gastar com preservativos, nem com todos os inconvenientes do “depois”, sem o risco de gravidez indesejada).
O Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é um dos países onde mais as farmacias se proliferam. Na maioria das cidades brasileiras, há cerca de duas farmácias, em cada quadra. Nem vou calcular essa estimativa. O que me preocupa mesmo é ver, diariamente, por onde passo, gente sorrindo, ao entrar nas farmacias. E ainda tem gente (já testemunhei isso) que entra na farmacia, como quem vai ao mercado: pede analgesico, anti-termico, anti-septico, anti-histaminico, anti-iterico, anti-helmintico, todos os ‘antis’ de uma lista infindável, demonstrando conhecimento de causa. Isso, na minha insignificante opinião, comprova que as pessoas estão se tornando ‘especialistas’ em medicamentos, familiarizadas que parecem estar com os remedinhos, às vezes até, aumentando o indice de hipocondria. Essa realidade está em todo lugar, para corroborar o que escrevo, já que há até discussão entre clientes e atendentes, nos balcões das farmacias. A ‘briga’ vai mais longe ainda, quando o medicamento solicitado tem “tarja preta”, e só pode ser vendido, com receita medica - a clientela vai à loucura, e tem gente que até esbraveja, na farmacia.
A nossa humanidade está tão doente, que já não mais reclama sequer os proprios direitos, se acomoda no silencio confortável da espera, sem a minima esperança. Por outro lado, a nossa humanidade, também, já não cumpre os deveres que lhe cabem. Diariamente, vemos crianças abandonadas – desamparadas nas ruas, e nas casas reconhecidas como “de família”. E mais: há meninos e meninas trabalhando, nas mais diversas funções, mendigando, fazendo cursos (de ballet, judô, natação, ou qualquer outra coisa), sem tempo de serem crianças, ou simplesmente esquecidos, na frente de um computador, de um aparelho de televisão. Diante disso, o governo responsabiliza a família, pela educação, ou falta de educação. Por sua vez, a família responsabiliza a escola, que responsabiliza o governo.
Medrosa, sempre mais insegura e titubeante, a nossa humanidade não quer mais investir em relacionamentos. Nada de amizade, ou “amor a dois”. Relacionamento dá muito trabalho, exige, da nossa humanidade, olhar o outro – e ninguém mais quer enxergar o outro, nem a si mesmo, muito menos compreender e aceitar, seja quem for. Nossa humanidade não quer pensar, sentir profundamente. Por isso, quem não foge à internet, está sempre buscando ‘anestesicos’, nas constantes “baladas noturnas”.
Cada vez mais insatisfeita – consigo mesma e com a propria vida -, a nossa humanidade escolhe consumir, consumir e consumir. Nossa humanidade participa de uma concorrencia (escrachada) de consumismo. Para isso, trabalha mais, faz hora extra, e se recusa a refletir a respeito. Depois de trabalhar, a nossa humanidade consome. Depois de consumir, a nossa humanidade descarta o que estava consumindo. Depois de descartar o consumido, a nossa humanidade trabalha, mais ainda, para adquirir mais produtos de consumo. Isso tudo está consumindo a minha, a tua – a nossa humanidade doente.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Isso ou nada disso

Você pode até dizer que o tempo não passa – o tempo continua passando...
Você pode dizer que não acredita em Papai Noel – o seu presente de Natal sempre chega...
Você pode até dizer que não está procurando um amor – de repente, o amor encontra você...
Você pode até dizer que não acha graça, na vida – sempre há uma oportunidade e tanto pra gente rir da gente mesma.
Você pode dizer que as suas verdades são absolutas – há, sempre, a possibilidade de uma verdade ser atropelada por um pontinho de interrogação...
Você pode dizer que a sua vida se resume em dor e sofrimento – nem um dia é igualzinho ao outro...
Você pode até dizer que não tem fé alguma – pequenos (e lindos) ‘milagres’ acontecem, a todo instante...
Você pode dizer que não tem medo – no escuro do seu quarto, o medo pode, às vezes, ser a unica companhia...
Você pode até dizer que você sempre foi como você é, e não vai mudar – daqui a pouco, você pode não reconhecer quem enxerga no espelho...
Você pode até dizer que não quer ouvir, nem enxergar – a vida (dinamica) continua o movimento natural...
Você pode dizer que não chora – longe de tudo, de todos, lágrimas brotam, sem porquê...
Você pode dizer que nunca teve a companhia de alguém que lhe amasse incondicionalmente – cada ser humano dá o melhor que tem a quem ama, mesmo não sendo reconhecido por isso...
Você pode até dizer que já viveu tudo – a vida (nova) brota, no silencio da madrugada insone...
Você pode até dizer que as doenças lhe impedem de muita coisa – a cada dia, as escolhas borbulham, em cada vida humana...
Você pode dizer que não tem motivos para alegrar-se – pela sua janela, um passarinho canta e bate as asas, sem pensar, olhando para o céu...
Você pode dizer que é isso, ou nada disso – tudo pode ser isso, ou nada disso mesmo...
(Vou fazer uma caminhada.)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Resta um

Quem não gosta de um joguinho, de vez em quando?... Tem um joguinho solitario, como é chamado, que me instiga. O “resta um” é conhecido por todos (lembra?). Num tabuleiro simples, você vai eliminando ‘pedrinhas’, até que reste apenas uma. O “resta um”, como todo jogo, tem lá suas regras. Faz tempo que não jogo “resta um”. Devo confessar, também, que nunca fui “expert” em joguinhos – inclusive, nos ‘joguinhos da vida’.
Vou tentar montar um “resta um”, aqui. Você me acompanha, se quiser – por sua conta e risco.
Experimente retirar todos os desconhecidos da sua vida – pessoas que você até pode vir a conhecer, mas (ainda) não conhece.
Retire, agora, os conhecidos seus – vizinhos a quem você dá bom dia, e os outros que você nem cumprimenta, gente que trabalha na empresa em que você atua, ou estuda na mesma escola que você, fisionomias que você nem fixa o olhar, nos pontos de onibus, nos cultos religiosos.
Do tabuleiro, retire as turmas de amigos – todas as turmas com quem você se diverte, vai ao teatro, ao cinema, à balada, pratica algum esporte, estuda, viaja, troca figurinhas, se reúne em velorio.
Depois disso, ainda não “resta um”. Por isso, retire os seus familiares, todos – tios, primos, avós, pais, filhos, espiritos pouco santos, todos.
Restam, ainda, alguns (quase sempre, poucos, raros) amigos. Retire, um por um – o “amigo de fé”, o “irmão camarada”, o “de todas as horas”, o “sem relogio”.
Pronto. Agora sim – “resta um”: VOCÊ. O jogo continua. A jogada é sua – intransferivelmente, sua.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O preço de um conselho

Semelhante a todo mundo, também eu já ouvi (quem sabe, até repeti) a frase cerebral: “Se conselho fosse bom, ninguém dava: vendia”. Aconselhar – para o bem, para o mal – parece ser coisa simples. Qualquer um pode fazer isso – e faz.
Mas todo conselho tem um preço. O preço quem paga, obviamente, é o aconselhado que segue o conselho. Na hora de assumir, não adianta gritar por socorro – não é o conselheiro que assume. O conselheiro, feito caixeiro viajante, segue, lá na frente, a vender mais conselhos, por que a maioria continua sem saber que todo conselho tem um preço, e compra, sem saber, para pagar depois. A conta sempre chega.
Essa historinha de sair por aí, por aqui, distribuindo conselhos, me parece uma coisinha muito complicada. Até por que nem sempre se pode tomar medicamento com penicilina, para se combater uma infecção causada por bacterias. O exemplo é só para ilustrar o que, na minha visão estrabica, ‘funciona’ na vida: cada um é (mesmo!) cada um.
Mas tem gente que parece não ter ‘desconfiometro’ mesmo, e acaba acionando meu ‘complicadometro’. Tem gente que insiste, quando me encontra, em me interpretar, catalogar e - não pode faltar, claro – me aconselhar. Quase sempre, o conselho chega precedido de “eu, no teu lugar”. É justamente aí (no começo do ‘joguinho’) que eu interrompo: ‘Peraí, rebobina, e ouça a tua frase’! É comum a outra pessoa (conselheira de plantão) não entender o que digo, e aí eu ‘desenho’ mesmo: Pra você estar no meu lugar, um instante só, eu, que ocupo este (unico) lugar, não poderia existir, e você teria de nascer de novo, nascer no meu lugar. Até por que o que você pensa que sabe de mim é resultado do que você, no teu lugar, enxerga, pensa, e, logo, interpreta. Não sou eu quem você vê, por que também eu me surpreendo comigo, todos os dias, e noites. Por isso, eu mesma nem sequer arrisco me emprestar conselhos.
Ah, e ainda existe gente que costuma pedir conselhos. Eu nego dizer qualquer coisa (“nem contra, nem a favor, muito antes, pelo contrario”). A criatura nem insiste, e vai buscar, em outra pessoa, o conselho que tanto deseja. Nem imagino o que possa interpretar, em razão disso. E sei, por outro lado, que tem muita gente que acha que eu interpreto, concluo, e ainda me meto na vida dos outros. Não posso fazer (ou desfazer) a visão dos outros, que enxergam como podem, a partir da vivencia particular. A minha preocupação é sempre outra, tanto é que, até num bate-papo informal, eu costumo repetir: Por favor, não pense que estou tentando te convencer sobre alguma coisa, por que eu não convenço nem a mim mesma. Já virou “bordão”, sem patente registrada.
E ainda tem gente que busca conselhos até nos livros, e os lê, com ‘olhar biblico’. Coitados dos livros, sempre à mercê – silenciosa – dos nossos olhares interpretativos!...
Quer um só conselho - ‘digrátis’?... Não compra, nem venda, conselhos... Já tem muita coisa (humana) sendo comercializada, ultimamente...

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Coisas simples

Dia desses, fui a um shopping, por que precisava de calças jeans basicas e camisetas brancas simples. Eu não tinha todo o tempo que a maioria que vai a shopping dispõe, mas arrisquei, assim mesmo. Afinal, eu supunha que comprar calças jeans e camisetas basicas não levaria tanto tempo. Engano meu – mais uma vez.
Conheci e remexi aquele shopping, de ponta a ponta – só não entrei nos banheiros, nem nas perfumarias e lanchonetes. Eu queria tão pouco: apenas calças jeans basicas – ‘basiquinhas’ mesmo – e camisetas brancas simples. Sem sofisticação. Será que estava sonhando alto demais?... Ah, estava sim.
Lembrando o que me aconteceu, só posso dizer, hoje – definitivamente -, que já não confeccionam mais calça jeans simples, muito menos camiseta branca basica. Descobri modelos de calças que jamais imaginei: convencional (nada convencional), boca de sino (com paetes), skinny (da moda), jeans reto (nem tanto), capri (diversificadíssima), boyfriend (isso mesmo!), pantalona (com brilho e manchas atrativas), saruel (sem fralda), legging (moda apertada), cenoura (laranja e outras cores), barras dobradas (cheias de adereços), semibaggy (cheia de “fricotes”), cargo (parece, mas não é simples), alfaiataria (à moda da clientela da moda), pescador (com listras de zebra), cintura baixa (quase caindo), cintura alta (debaixo dos braços), montaria (sofiscadíssima), quinik (um susto!), cigarrete (multicolorida), suplex (pra quem pensa andar na moda), com ou sem flex.
Em algumas lojas, cheguei insistir: Nem uma calça jeans simples, sem adereços, sem manchas, sem rasgões, sem brilho?... Nada. Camisetas brancas simples? Nem pensar. E os atendentes insistindo: “Jeans puro? E isso já existiu?”... “Branco, branco? Como assim?”... Simplesmente, não há mais branco total nas camisetas, que apresentam modelos para todos os gostos e desgostos. Camiseta basica, agora, é objeto de uso e abuso de estilistas sofiscadissimos, que ‘carregam’ nas cores, nos acessorios, nos cortes, recortes, decotes – tudo tão, tão (imagine – ou nem queira)...
Alguns atendentes tentaram me convencer: “camiseta branca acaba manchando”, “calça jeans sem adereços não é calça jeans”, “o laço da camiseta é um pouco branco”, “a calça jeans é manchada e rasgada artisticamente”. Não me convenceram. O efeito foi contrario: acabei me sentindo, mais uma vez, um ser dinossaurico, que, por engano, e com (seculos de) atraso, pegou o trem do tempo errado.
Depois de quase me perder no shopping, desanimada da vida, decidi sentar, mas os poucos bancos dos corredores estavam ocupados. Fui procurar um degrau, para sentar e pensar – ou deixar de pensar, (merecidamente) sentada. Transitei por todo shopping, e só o que achei foram escadas rolantes (estonteantes, vascilantes) - subindo e descendo - superlotadas. Um dos seguranças do shopping, avistando a barata tonta (no caso, eu mesma), me interpelou: “Posso ajudá-la?” E eu: Só estou procurando um degrau de escadaria. O segurança, com olhar inseguro, observou todos os lados, e disse, em tom duvidoso: “Acho que aqui não tem escada. Só lá fora mesmo.” Nem um simples degrauzinho? – cheguei pensar, mas não falei. Agradeci, saí do shopping, e – finalmente! – encontrei dois degrauzinhos ‘humildes’, numa escadinha tosca, sem reboco, proxima ao estacionamento externo. Sentei, e fiquei buscando respostas, remexendo as britas depositadas ali: Onde foram parar as coisas simples da vida?...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O “disse-me-disse”

Quanto mais vivo – e menos vida tenho -, vou percebendo o quanto sou, e sempre fui, chata. Chata mesmo. Por isso, toda vez que alguém me chama “chata”, penso: Você não sabe o quanto sou chata. Sei que isso não justifica coisa alguma – mas sempre repito, por que sei isso de mim, e é assim que convivo (em paz) comigo mesma.
Se tem alguma coisa que não gosto mesmo, nem consigo compactuar, ser conivente, é o “disse-me-disse”, mesmo quando me chega, ao ouvido, com a famosa inicial: “Não é que eu queira falar (mal)”. Pode não soar como fofoca, e eu já estou correndo, fugindo leguas. Não me faz bem, mas tenho de aceitar que faça bem a muitas pessoas, pois percebo que é isso que (ainda) toma conta do mundo: o “disse-me-disse”.
Profissionalmente, desde sempre, quando eu era “foca de redação”, aprendi levar meu trabalho a sério, sem ir atrás do “disse-me-disse”. Claro, hoje, as coisas são diferentes, principalmente, no que chamam jornalismo. Aliás, nesta epoca de “realitys shows”, jornalistas de plantão recebem altos salarios, só pra fazerem manchetes sensacionalistas, com fofocas sobre gente, senão famosa, conhecida. Não compactuo com esse jornalismo irresponsável - que, primeiro, noticia, depois, vai buscar confirmação da noticia.
A fofoca realmente não me interessa. Não falo sequer da minha vidinha insignificante – nem imagino falar da vida dos outros, seja de quem for. O “disse-me-disse” chega me apavorar, por que é um terreno sem lei, sem limites. Qualquer pessoa pode disseminar qualquer fofoca. Quem lê, quem ouve, pode não querer questionar, e simplesmente acatar o “disse-me-disse”, concluindo a informação como verdade.
Pra você ter uma ideia do quanto sou chata, quando alguém me procura, pra falar, falando que não quer falar mal, eu já vou logo dizendo que não quero escutar, por que realmente não sirvo nem pra pombo correio. Mas tem muita gente que se compraz em ouvir, e acaba ‘espalhando’ a noticia, até de forma mais rapida que a propria internet, que torna tudo passado, no minuto seguinte.
Há pouco tempo, reencontrei um amigo, em um coquetel. Ele me contou uma historia, no minimo, inacreditável. Meu amigo faz parte de duas listas (femininas) dos melhores homens do planeta: é casado – e cabeleireiro. Em razão da profissão, meu amigo está sempre participando de eventos sociais.
Vou começar pelo fim. No coquetel, meu amigo me falou, ‘p. da vida’: “Você está conversando com um gay, em fase terminal de AIDS. Nem adianta arregalar os olhos, Narinha, por que é o que estão falando de mim”. E eu perguntei a ele: A troco de que essa ‘merda’ toda?... E ele me contou o estrago de um “disse-me-disse”.
Há poucas semanas, meu amigo tinha participado de um coquetel de politicos – o cardapio, nesse caso, é sempre “meia-boca”: os salgadinhos, docinhos e bebidas já caducaram o tempo de validade. Sabemos disso. No dia seguinte, meu amigo foi para o famoso Salão da cidade, do qual é proprietario. Passou o dia inteiro vomitando, e explicando (quem mandou ele explicar?): “Foi o coquetel de ontem. Que ‘merda’!” Entre um vomito e outro, meu amigo nem tinha tempo de relatar mais que isso: “Foi o coquetel!”
Na sexta-feira seguinte ao fato, a esposa e os dois filhos do meu amigo viajaram para o litoral. Meu amigo só pôde ir ao encontro da familia, no domingo à noite, depois de encerrar o exaustivo trabalho no Salão. No litoral, a familia ficou em ferias, durante vinte dias. Quando a familia retornou, o estrago estava feito: meu amigo era gay, e estava em fase terminal de AIDS. O “disse-me-disse” chegou até aí. Vai saber até onde teria chegado, se a familia demorasse mais tempo para retornar?...
Meu amigo cabeleireiro ficou sabendo da estorinha toda, quando voltou ao Salão, e recebeu abraços dos funcionarios, que repetiam, em coro: “Você tem nosso apoio, para o que precisar”. De inicio, ele não entendeu exatamente o que estavam dizendo, mas agradeceu. Começou questionar, quando viu a gerente do Salão chorando. Ele perguntou por que, e ela contou-lhe que uma vizinha do apartamento dele havia ido ao Salão, e dito: “O dono desse Salão é gay, e está em fase terminal de AIDS. Eu soube, por uma cliente do Salão, que ele estava vomitando muito, por causa do coquetel AZT, e depois a mulher e os filhos, que deveriam receber, para fingirem ser a familia dele, foram embora. Ele foi atrás, mas, pelo visto, não adiantou, por que, depois da viagem, a mulher sai de manhã, com os filhos, que voltam para o almoço, e todo mundo sai novamente. Um dia desses, eu até vi um rapaz (novinho e bonito) batendo à porta do apartamento dele, chamando-o, sem vergonha alguma. Observem como ele emagreceu. O que faz o estado terminal dessa doença de viados (!)”. O que mais chamou a atenção do meu amigo, segundo ele mesmo, foi o fato de ninguém questionar-lhe coisa alguma: “Todo mundo concluiu como verdade, ninguém me perguntou coisa alguma, o que, pra mim, é o pior, pois pude conhecer um pouco mais as pessoas com quem trabalho, convivo”.
Eu ouvi a historia toda, e, depois, soltei: Que ‘merda’!... E meu amigo (casado, e cabeleireiro) falou: “Eu vomitei, por causa das ‘drogas’ que comi e bebi, naquele coquetel de politicos, que você já conhece, e nem vai. Eu já havia planejado, com a minha esposa e os meus filhos, que eles iriam antes à nossa casa de praia, por que eu ainda teria de trabalhar no final de semana. Durante as ferias, eu e minha esposa revemos o projeto de ela retornar ao trabalho, já que estava decorando o novo consultorio dentario. Quando voltamos do descanso, ela também foi trabalhar, e os filhos retornaram à escola. O rapaz bonitinho, que me chamou, na porta do apartamento, é meu cunhado, irmão da minha esposa, que veio à cidade, e ficou alguns dias lá em casa”.
Depois de ouvir a historia do meu amigo, disse a ele que, por isso, corro do “disse-me-disse”, me recolho na minha insignificancia de ser quem acho que sou. Não sei conviver com isso. Não sei corresponder, ou “dar o troco”. Simplesmente, não sei, nem quero saber. Por isso, me recolho. E já não me interessa quem falou, ou quem quis ouvir. Prefiro ficar, sozinha, escutando a canção de Edson Menezes/Alberto Paz:
“Deixa que digam, que pensem, que falem...”

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Confissão

Os dóceis animaizinhos quadrupedes (burros de nascença) que me perdoem, mas – confesso! - não suporto burrice de gente grande (e bipede). Não me refiro, aqui, à ignorancia. Burrice é burrice. Ignorancia é ignorancia. Nem me atreveria tentar medir o QI (‘Quociente de Ignorancia’) – nem meu, nem de ninguém. Ignorantes – todos nós somos: mais, ou menos. Eu ignoro (desconheço) tantas coisas – mais, muito mais do que acho que conheço. Eu ignoro, tu ignoras, ele ignora, nós ignoramos, vós ignorais, eles ignoram. Burrice, na minha opinião insignificante, é outra coisa.
Burrice é comprar televisão “de ponta”, não ler o manual de instruções, e desmontar o aparelho (com garantia), sem sequer imaginar como funciona.
Burrice é alguém aprender a ler, e não ler. Haver biblioteca publica na cidade onde mora, sem nunca ter se interessado sequer conhecer a disposição das prateleiras e dos livros desconhecidos.
Burrice é saber que coloca em risco a vida dos outros e a propria vida – se bebe, e sai dirigindo -, e, mesmo assim, bebe, e sai dirigindo.
Burrice é a briga de donos de funerarias, na frente de IML.
Burrice é se jogar do andaime, em pleno trabalho de construção, só para ficar na folga, e ainda receber seguro desemprego.
Burrice é orgulhar-se de não gostar de artes.
Burrice é não ter o que fazer, se olhar no espelho, descobrir uma espinha no rosto, e, por conta disso, ‘esvaziar’ a prateleira da farmacia, consumindo medicamentos desconhecidos, cheinhos de efeitos colaterais.
Burrice é o político confiar cegamente nos assessores.
Burrice é negar o furto que cometeu, registrado por cameras de monitoramento.
Burrice é passar frio, só para ir de vestido novo à inauguração das piscinas do clube, numa tarde de tempestade imprevista.
Burrice é o medico negar atendimento, por falta de dinheiro do doente.
Burrice é assinar contrato, sem ler uma palavra sequer, e, depois, ainda reclamar, ameaçar, fazer o maior escandalo, por que não sabia.
Burrice é o empresario superfaturar os preços de todos os produtos que vende, pagar baixos salarios aos funcionarios (todos sem registro trabalhista), e ainda manter caixas 2, 3, 4, 5, 6...
Burrice é o famoso (ou a famosa) acreditar em fama eterna.
Burrice é a babá espancar a criança, a qual deveria ser cuidada por ela, ignorando a camera instalada pela familia.
Burrice é dizer, com orgulho, que nunca precisou consultar um dicionario.
Burrice é achar (eu - uma perdida na vida - observo gente que acha alguma coisa) que sensibilidade não é “coisa de macho”.
Burrice é deixar de viver, pensar, sonhar, e erguer as mãos aos céus – de onde caem chuva, neve, coco de passarinho, alguns aviões, asas deltas, balões -, à espera de milagres.
Burrice é o profissional autonomo que, recebendo o pagamento do serviço adiantado, não cumpre o contrato.
Burrice é o motorista conduzir o veiculo na poça d’agua, para divertir-se, às custas dos pedestres enlameados.
Na minha visão estrabica, há burrice: no bullying, na homofobia, na humilhação, em toda violencia, toda injustiça, nos pré-conceitos, nos conceitos, nos preconceitos.

Que burrice! – eu escrever essas coisas todas, que, pra mim, não são mais (nem menos) que burrice de gente grande (e bipede)...