quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Compensação

Passamos, a vida inteira, tentando compensar, amenizar, as nossas próprias expectativas em relação a nós mesmos. Chega final de ano, involuntariamente até, nos enxergamos medindo e pesando as nossas minguadas conquistas e os nossos brilhantes fracassos. Diante disso, fazer o quê?... Simplesmente deslocamos nossas (antigas) expectativas para o próximo ano (coitado!).
Mas, ainda assim, isso não nos consola, nem nos conforma – permanecemos em divida conosco mesmos. Aí é que chega a “salvadora da pátria”: a compensação. De um jeito ou de outro, queremos compensar todos os nossos (quase gritantes) fracassos do ano que finda. E já não há quem não comece uma frase, às vezes até, sem o menor sentido (pratico), dizendo: “Em compensação,”
Lá vamos nós procurar o que (achamos) vai compensar a 'merda' de vida que sentimos/pensamos ter. A maioria busca a pratica da caridade – final de ano é propicio pra isso. Os miseráveis fazem fila, diante da “boa alma”. Não sabem eles que lhes cabe uma retribuição àquela caridade toda: compensar a vida de quem doa o que não lhe faz falta. Na 'caridade sazonal', o caridoso mendiga, e o mendigo doa compensação. Ironico isso, né?...
Quantas vezes, vemos família inteira mendigando – casal, cinco ou seis filhos, e até cachorros. Ali mesmo, diante da família em condição de rua, pensamos tantas coisas a respeito de controle de natalidade. Voltamos para casa, e não há um cachorro sequer nos esperando, abanando o rabo, em festa, pela nossa chegada. Lembramos a imagem dos mendigos, e não temos para quem contar. Mas precisamos reafirmar: os pobres são eles – não nós.
Outras pessoas preferem compensar o tempo (bem ou mal vivido), com cirurgias plasticas, botox – para (quem sabe?) retirar as marcas do que não querem lembrar, nem que os outros enxerguem. Cara nova = nova vida!... E ainda há quem busque, no hedonismo, a compensação de tudo – do que teve (e não tem mais), e do que nunca teve, também. O interessante, nisso tudo, na minha visão estrábica, é que, por mais que as pessoas recorram a esse prazer imediato, ainda assim, parecem (sempre) insatisfeitas, e até exaustas. Buscam, de todo jeito, o prazer pelo prazer, mas, parece, não conseguem contê-lo, retê-lo, e o hedonismo torna-se, então, um hábito a caminho de um vício, pela sobrevivência.
Invariavelmente, sabemos que outro final de ano chegará, e lá vamos nós teimar na busca da compensação. Afinal, continuamos vivos. Sísifo que nos proteja!...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Você escolhe

O Natal passou. O ano passou. O tempo passou. A vida passou. (Quase) tudo passou. Mas você não passou. Junto com você, não passou a ardência da ulcera a torturar. Também, não passou o seu desejo de ganhar dinheiro, acertar todos os números da mega sena. Não passou a sua vontade de parar de beber, de fumar. Não passou o seu sonho de emagrecer dezoito quilos, surpreender-se na balança. Não passou o desejo de casar, ter filhos, netos, bisnetos, tataranetos. Não passou o seu projeto de economizar, para fazer a tão sonhada viagem ao exterior. Seus sonhos – adormecidos, ou insones – não passaram.
Mas cada ser humano faz sempre escolhas únicas, intransferíveis. Por isso, a você também cabe escolher, neste final de ano, se vai chorar sobre o leite derramado (sei lá o que isso significa), se vai só lembrar das suas derrotas, e lamentar-se por isso. Você pode escolher chorar as suas perdas, ausências, faltas, carências. Você, feito qualquer outro ser humano, tem o poder (direito) de escolher se vai permanecer no emprego que lhe causa mal estar, que coloca sua autoestima embaixo do pé, que não lhe dá perspectiva de sucesso crescente.
Tudo, até a forma de você comemorar a virada para o novo ano, depende da sua escolha. Você pode “encher a cara”, esvaziar a carteira. Você pode reunir-se com a família, ou com os amigos, ou com todo mundo junto. Você pode viajar para Madinat, no Bahrein, ou para o sítio daquela tia que morreu, sem você conhecê-la, ou ainda dar asas à mente (à alma), num mosteiro, ou lendo um livro. A escolha é sua – ainda há tempo de mudar de ideia(s).
Por favor, por você, não culpe o governo, o vizinho, o trânsito, o cachorro, ou a mulher do vizinho, por suas escolhas erradas. Quem escolheu foi você, e quem continua escolhendo é você – é a coisa mais certa, mesmo quando a escolha (sua) é errada.
Se você escolher o bom da historinha da sua vida, este ano, com certeza, lembrará momento hilários, com amigos, familiares, colegas, ou até desconhecidos. Entre “os pós e as contas”, como diz um amigo, você enxergará muitas coisas que fizeram valer a pena ter vivido 2011. As conquistas podem ter sido poucas e pequenas, mas também não merecem ser esquecidas, por causa disso, né?... Você escolhe.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Pressa

estamos com pressa muita pressa por que nao ha mais tempo a perder os meses passaram os dias passaram o ano esta por um fio e ainda tem todos os presentes de natal os telefonemas as festas de final de ano tudo igual aos outros anos que tambem passaram depressa demais e a gente com pressa sempre a pressa apressados despertamos do sono mal dormido e com pressa tomamos cafe num so gole comemos o pao amanhecido e apressados enfrentamos as ruas o transito o metro o onibus os semaforos os transeuntes apressados no trabalho chegamos com a pressa de quem sai do turno temos tanto a fazer desfazer obedecer agradar e continuamos com pressa de promoçao e reconhecimento e quando a empresa em que trabalhamos anuncia que vai demitir para conter despesas a lista so sai daqui uma semana e nos com tanta pressa para sabermos os nomes dos demitidos a pressa de confirmarmos que temos valor no trabalho de pouco salario pressa que causa pressao na cabeça ja e hora do almoço e a pressa de engolir o que tem a marmita engolimos tudo inteiro o arroz o feijao o bife frio e um copo de agua para nao engasgar apressados precisamos continuar trabalhando ha tanto a fazer e mostrar trabalho na volta para casa mais ruas mais transito mais semaforos mais gente apressada em casa a familia nos espera sem pressa assistindo novela vamos apressados ao banho e depois a mesa estamos com fome com pressa de comer a vida a familia fala de presentes mas estamos sem dinheiro a familia quer mais comida e so temos fome e pressa de deitarmos e acordarmos num outro dia que nunca chega vamos ter de pedir apressadamente dinheiro emprestado para comprarmos uns poucos brinquedos nas lojas de um e noventa e nove quem sabe um frango congelado em promoçao mas precisamos fazer isso as pressas por que promoçoes nao esperam o vizinho empresta um pouco do pouco dinheiro que tem e prometemos pressa em pagar com pressa lemos a carta ao papai noel que escreveu a filha alfabetizada ela escreve sobre miseria e fome e pede roupas calçados e comida a familia nem um sonho doce no outro lado da cidade nossa familia apressada se acotovela nas escadas rolantes de um luxuoso shopping apinhado de gente rica e apressada a filha reclama da mesada que e sempre pouca para tanto o filho vai direto na vitrine de tenis de marcas e diz apressadamente que nem quer saber quanto custa que vai levar todos de presente de natal a mae ja esta na boutique o pai vai apressado a loja de informatica a massa humana caminha com pressa para todos os lados enquanto se atropelam pelos corredores a nossa familia caminha aos empurroes pelo shopping atendendo celulares respondendo ao feliz natal com boas festas apressadamente sem pensar nao ha tempo para sentir ou pensar o tempo corre em disparada enquanto tentamos nos desentalar da pressao dos corredores contra as vitrines em frases desconexas impensadas e apressadas mae pai e filhos falamos ao mesmo tempo chegando gritar sem querermos ouvir qualquer coisa apressados escolhemos os presentes que faltam aos sogros tios sobrinhos socios e clientes vips qualquer coisa serve por que nao ha tempo a perder depois saimos em disparada um pobre motorista de carro popular bate na traseira do nosso automovel somos obrigados estacionar em plena avenida mas nao ha tempo com pressa entregamos o cartao da empresa com o nome do pai escrito em dourado brilhante feito a decoraçao natalina que pisca pisca apressadamente por todos os lados aceleramos cada vez mais para irmos a entrega dos ultimos presentes o pai reclama da mae que poderia ter comprado qualquer coisa de presente durante a semana e mandado os empregados entregarem a mae responde que esteve ocupada demais com cabeleireiro manicure pedicure sessoes de bronzeamento e botox no banco de tras os dois filhos adolescentes apressam o pai motorista do carro importado na entrega dos presentes pelo caminho abraços frios beijos sem o toque dos labios se juntam a frases decoradas sem sentido com o tradicional aceno de vamos nos reunir no proximo ano quando as famílias se encontram em casa a ceia de natal todos estamos exaustos estressados e com pressa de descansar os presentes nao sao os desejados a ceia foi preparada as pressas falta tempero falta assado no ponto faltam velas na decoraçao falta mais alguma coisa que ninguem quer pensar todo mundo rasga os papeis dos presentes tenta esboçar sorriso que sai amarelo e por fim acaba comendo apressadamente a ceia natalina sem notar a decoraçao com mais pressa ainda todo mundo sai da mesa nem toma banho e vai dormir na companhia da pressa que ja faz planos apressados para o proximo ano por causa da pressa que e tanta registramos num rabisco a nossa pressa a pressa de todos sem acentos sem aspas sem virgulas sem interrogaçao sem parenteses sem maiusculas sem exclamaçao sem pontos finais e tanta press

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Sem palavras

Sabe quando sobram palavras, quando as palavras transbordam tanto, que já não há mais espaço pra qualquer coisa?... Sabe quando você escuta tantas palavras, e todas elas – as palavras – parecem desconexas, interpretadas por outras (palavras) estranhas, alheias?... Sabe quando você já usou tanto as palavras, na tentativa de expressar tanta coisa que não nasce, nem vive, no universo das palavras palavreadas?...
É assim que me vejo, me sinto: sem palavras. E meu silêncio não decorre da falta de palavras – pelo contrario, há palavras demais em mim, ao redor de mim, e até onde não sei. Então, talvez, por isso, ou por nada disso, escolho não escolher palavras. Além de sinonimos, cada palavra carrega interpretações – por isso, as palavras pesam tanto.
Simplesmente, sem palavras. Nos instantes em que enxergo e sinto com a alma, abandono as palavras (ou são as palavras que me abandonam?). Simplesmente, não há palavras simples que traduzam as palavras (intraduzíveis) da minha alma sem palavras. Resignada, aceito o abandono do convivio de todas as palavras que me cercam e tentam me domar – eu, alma indomável que sou, até a mim mesma, sem uma palavra sequer que me traduza, ou me justifique.
Se as palavras – todas – são interpretáveis, interpretadas, mais ainda, o silêncio o é. Mas, pra mim, que convivo com, e sobrevivo das palavras, o silêncio sobrepõe a todas elas – as palavras, em quaisquer idiomas, ou dialetos. E não há palavra que traduza a alma, tão cheia de palavras e palavreados – silencio.