domingo, 8 de janeiro de 2012

Eu vi Nicole Kidman

Eu vi Nicole Kidman. Eu não estava em Hollywood. Ela é que estava varrendo folhas secas, junto ao meio-fio de uma cidadezinha do interior desse nosso Brasilzão. Era Nicole Kidman, na minha visão estrábica. Chapéu largo de palha sobre os olhos assustados e assustadores, cabisbaixa, Nicole era a imagem da personagem Ada, do filme Cold Mountain, onde ela atuou, junto com Jude Law, Renée Zellweger e Kathy Baker. E não há como contestar minha visão: eu vi Nicole Kidman.
Assim é a visão humana: enxergamos o que pensamos (ou queremos, ou podemos) enxergar, e afirmamos, categoricamente, estar enxergando, ou ter enxergado, isso ou aquilo, ou nada disso, nada daquilo. O processo é o mesmo – seja diante de um camaleão, uma mariposa, ou até diante de Nicole Kidman. Apesar de, não podemos esquecer que transitamos entre o real, o simbólico e o imaginário. É por isso que todo mundo enxerga diferente – a culpa não é dos oftalmologistas de plantão. A historinha complica, ainda mais, quando testemunhas de um crime relatam o que (acham que) enxergaram.
Todo mundo, um dia, quem sabe, talvez, tenha protagonizado a cena comum:
- Você fez...
- Não fiz...
- Fez sim, eu vi...
Fato idêntico acontece com quem interpreta o que ouve, ou lê – e todo mundo interpreta mesmo. Nada tira a certeza da criatura. Eu nem discuto – não há o que discutir. Por sofrer as consequências do que os outros enxergam em mim, trato sempre de usar uma palavrinha mágica, em quase tudo o que digo: acho que - nunca tenho certeza de coisa alguma.
Por fim, acabamos por interpretar – sempre -, mesmo quando achamos (sem certezas) enxergar, ouvir, ler. Não há o que passe imune à nossa interpretação – sempre alerta. E o que era para ser compreendido já não é, enquanto o inimaginável toma conta da cena, no palco da vida. Por isso, o melhor mesmo é manifestarmos, sem qualquer expectativa de termos nosso idioma compreendido. “Sacou, cara pálida?”
Ah, você ainda pode estar pensando – ou não - sobre Nicole Kidman. Pois eu garanto: eu vi – juro que vi – Nicole Kidman. Ela parecia mais baixa, ou (quem sabe?) mais magra, mais nova, mais loura, mais branca. Mas era Nicole Kidman. Era ela, mesmo que eu jamais retorne a vê-la, naquele meio-fio, varrendo, calmamente, as folhas secas, timidamente encolhida, com uma vassoura nas mãos, sem olhar para os transeuntes.
Do mais fundo, fica a lembrança do maior e mais famoso pensador de todos os tempos (o autor desconhecido): "Batatinha quando nasce, jacaré não tem pescoço. Se não queria bolo, por que roubou minha bicicleta?"

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