sábado, 27 de outubro de 2012

Sabor de caramelo

A vida pode ter mesmo sabor de caramelo. Acredito nisso, por que alguém me mostrou, há muito tempo, na minha infância cheia de observações, sabores, cheiros, imagens, que o o melhor da vida pode ter sabor de caramelo: meu pai.
Muito mais que falar, meu pai colocava valores, na vida, que, se você não lhes dá atenção, nem os percebe. Foi assim que cresci, na companhia de meu pai: observando tudo, silenciosamente, e aprendendo. Se sempre falo do meu pai, é por que ele foi meu primeiro mestre da vida, na minha vidinha. Depois, tive outros mestres, que me mostraram tantas paisagens, tantos caminhos. Mas foi com meu pai que aprendi a buscar sempre meu olhar microscópico, sem me deter, me perder, na aparência, na casca, no invólucro.
Lembro, agora, quando meu pai, já aposentado, criou um hábito vicioso: comprava sempre pacotes de caramelos. Nada de caramelos linda e separadamente embalados. Não. Eram caramelos comuns – multicoloridos, mas sempre os mais baratos. Comprava um, ou dois quilos, e íamos para casa, chupando caramelos. O sabor era especial – talvez, puro açúcar -, por que tinha o sorriso do meu pai, naquele olhar acinzentado.
Já disse que meu pai não verbalizava tudo – as atitudes eram mais as palavras dele. Foi meu pai que me ensinou, com os exemplos que dava, naturalmente, a buscar o melhor das pessoas. Havia, nos olhos de meu pai, uma esperança na humanidade, que me encantava, e até me fazia acreditar que nem tudo estava perdido, que podíamos nos tornar melhores – todos, todos nós, seres humanos.
Entre um caramelo e outro, meu pai, às vezes, falava da infância dele, quando lembrava ter vendido, de porta em porta, verduras, legumes, frutas. Depois, recordava os tempos de exército, dos exercícios físicos forçados na neve. Ah, mas o melhor sempre ficava por último, na conversa com sabor de caramelo. Meu pai contava sobre as viagens dele, conduzindo trens (por mais de 30 anos, foi maquinista). Quantas paradas de trem meu pai fez, de madrugada, no meio do nada, só para tomar chimarrão, “no ar fresco e puro da noite” - dizia ele. Mas, também, haviam as caçadas de pequenos animais do mato, além da pesca em algum “lugar perdido cheio de água limpa”. Depois, feito menino cansado de brincar, meu pai retornava ao trem, e continuava conduzindo a grande viagem. Antigamente, os trilhos dos trens não tinham pressa, passeavam no meio do mato, adentravam lugares silenciosos e sombrios, para depois se depararem com o nascer do sol.
Ainda sinto o sabor daqueles caramelos que alegravam a alma infantil do meu pai, que, numa noite, seguiu a viagem mais surpreendente da vida - nós todos também trilharemos...

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