domingo, 8 de março de 2015

Vitrines da vida

Foi-se o tempo das vitrines de comércio formal reinarem absolutas, numa concorrência inimaginável. Hoje, as pessoas criam as próprias vitrines - tempo virtual. Quem não quer ir, acaba sendo levado no 'cordão carnavalesco'. Neste mundo, onde vemos e somos vistos, tudo é atrativo, brilhante, todo mundo é bilionário, lindo, maravilhoso, destemido, saudável, magnífico em tudo, o tempo todo. A concorrência já não é pessoal, pois se trata de quem aparenta mais. Mais o quê?... Ninguém imagina, por que não há limites. As redes sociais, principalmente, estão lotadas de fotos que desbancam qualquer manchete do dia.
Nas vitrines da vida, cada qual mostra as (melhores e maiores) armas que tem - com direito a exibir até pistolas e fuzis, nas redes sociais. As máscaras vão muito além daquelas exibidas no carnaval. Tem pra todos os gostos e desgostos. Nem dá pra imaginar o que você vai ver, na próxima página, na esquina seguinte, no próximo toque no controle remoto da tv.
Diante de tudo isso, na minha visão estrábica, só consigo pensar que nunca se viu uma realidade tão estrondosa como essa. Quem não fizer barulho, não chamar a atenção, está fora das vitrines. Se a máscara for maravilhosa, quase perfeita, tem até réplicas, em outras vitrines. Se não brilhar, nem adianta manter a máscara, as caras e bocas. Tudo é brilho. Tudo é lindo demais. Tudo é perfeito, perfeitinho demais.
Por isso tudo, talvez, os escritores de ficção estejam, aos poucos, perdendo terreno, nas vendas de livros. O que todo mundo está querendo saber mesmo é da vida (vitrine) do outro (biografias autorizadas, ou não) - com que grifes desfila, viajou para onde, está 'ficando' com quem, se tem feito mais sessões de botox, lipoaspiração, ou cirurgias plásticas, que gafes cometeu, etc e tal. A realidade mesmo, até no universo virtual, é que ninguém quer mais saber o que as pessoas pensam, se pensam, quem são realmente. Se eu não sou, o outro que não seja, também, e as máscaras acabam auxiliando a 'convivência virtual' (até na real, a convivência tem sido virtual).
Hoje, quando passo por vitrines, nas calçadas da vida, tenho vontade de rir, por que expressam, e por isso representam, bem menos que o brilho todo das vitrines da vida e dos viventes. Não sei se é a realidade, ou o domínio virtual, mas observo que os conceitos estão desaparecendo, nem são mais substituídos, tal como a cara (original) das criaturas, que estão se tornando mais criadoras que criaturas. E já não são modificados somente nariz, barriga, seios, bumbum. Isso é pouco. A disputa, nas vitrines da vida, exige mais, muito mais. Pena que o indolor photoshop (ainda) não modifique a vida (real) de cada ser humano, o mesmo ser que é obrigado a conviver com ele mesmo, cara a cara, a cada segundo do tempo, que não privilegia ninguém, nem espera.
... na real, no virtual, no escambau, até a mais criativa e reluzente máscara revela o que encobre, o que sobrevive no fundo mais fundo...

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