domingo, 17 de maio de 2015

Um crime sem precedentes

Crianças e adolescentes do nosso Brasil varonil estão para sofrer um crime sem precedentes. Senhores e senhoras do Congresso Nacional estão querendo rasgar a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, para, justificam eles, atender à sociedade conservadora e imediatista, que não quer a solução dos problemas, mas, sim, o fim deles, através do atalho mais curto, sem se importar com as consequências.
Não é à toa que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) tem o número 171, no Congresso Nacional – se aprovada, a 171 jamais será esquecida mesmo. Nada por acaso – o número 171 remete a outras representações, que, talvez, não sejam outras, mas somente sinônimos.
Por diversas vezes, já postei, neste blog, a minha preocupação com os nossos adolescentes e as nossas crianças. Adulta que sou, começo a me preocupar mais com o que os adultos estão fazendo - esses que dizem representar “a vontade da maioria”. Mas isso realmente não importa – é pouco. A realidade é que tem muita gente levando a cabo o conservadorismo que fazemos questão de destacar que não existe mais, que faz parte de um passado ainda sombrio – isso tudo, só em discurso político, que mais parece setor de frigorífico, onde enchem linguiça.
Não quero tratar, aqui, sobre a questão legal da dita PEC 171 – se atropela a nossa Constituição Federal (ainda temos uma, soberana, para quem já esqueceu), ou se vai mais longe, e faz parte de um processo legal, para chegar à aplicação da pena de morte, no Brasil. O que tenho acompanhado, principalmente, nos canais de televisão e jornais de circulação nacional, é que, de fato, está sendo feita uma campanha massiva, para que a redução da idade penal seja colocada em prática, o quanto antes.
A maioria dos canais de televisão não é sutil, quando vende felicidade, como bônus da redução da idade penal. Em qualquer programa do que costumo chamar picadeiro televisivo, sempre fazem alguma associação com a palavra ‘menor’. Inclusive, dá pra perceber que os ‘famosos’ programas, que jorram sangue pelas salas dos brasileiros, apresentam, diária e prioritariamente, crimes cometidos por menores. A partir da exibição dessas notícias, os comentários dos apresentadores remetem às piores épocas da humanidade – nazismo, ditadura militar, etc e tal. Alguns apresentadores se empolgam tanto, que chegam defender, ao vivo, a aplicação da pena de morte no Brasil. Quando assisto isso, mesmo por distração, me assusto, e penso: Isso também é ser humano. Olho pela janela, enxergo uma criança brincando na calçada, um gato se espreguiçando no gramado, me acalmo – nem tudo está perdido (ainda).
Quando ouço um desses conservadores justificar que “precisamos dar uma resposta à sociedade”, fico pensando: de que sociedade ele está falando?... Onde está a 'faixa de gaza' brasileira?... Se realmente existe, preciso me posicionar, urgentemente. Na condição de participante dessa sociedade (sou ser vivente, brasileira, devidamente registrada em cartório), nunca foi essa a resposta que esperei, até mesmo dos 'poderosos' conservadores. Acredito em amadurecimento, mas pode ser que haja alguma alteração genética, e o apodrecimento chega antes. Alguém precisa pagar por isso, também?... Não sei. De repente, se, numa só sociedade, existem 'nós' e 'eles', eu preciso ter atitude, e assumir se sou 'nós', ou 'eles'. Nunca pensei chegar a tal questionamento. Mais uma vez, eu faço minha escolha simples: Não sou – nem ‘nós’, nem ‘eles’, nem...
Resumindo a história, na minha visão estrábica, daqui pra frente, tudo pode ficar diferente. Os mesmos conservadores que defendem a redução da idade penal continuarão contra a legalização do aborto. Só pra fazer pensar: o menor é obrigado a nascer, pra ser encarcerado, aos 16 anos (vida curta essa, hein?). Essa é uma possibilidade, caso a criança sobreviva até os 16, já que, volta e meia, tem bala perdida (de alguma arma policial) matando menores, pelo País, não só no Rio de Janeiro. Desse jeito, qualquer gravidez é de sério risco...
E ainda tem mais possibilidade: os 'poderosos' representantes dos eleitores podem ganhar essa de reduzir a idade penal mesmo. De outro lado, os 'poderosos' do crime podem, também, reduzir a idade dos menores contratados, os únicos, aliás, nada 'poderosos'. Nesse “samba do crioulo doido”, pode não demorar muito pra reduzirem a idade penal aos recém-nascidos - pobres e negros, claro, por que os outros, com 'pedigree', nascem com oportunidades, e, quase sempre, têm apoio dos 'poderosos', com quem aprendem a fazer o mesmo, no futuro cada vez mais próximo. ‘Apartheid’ velado, sem que uma só criatura tenha de assumi-lo, já que diz representar ‘a sociedade’, que não é identificada.
Falamos tanto em ditadura, e torturas e injustiças, mas, pelo visto, ainda tem muita gente que não saiu dos tempos da escravidão, que foram muitos. Naquela época, sim, uma 'lei do ventre livre' libertava um nascituro, que acabava por conhecer somente torturas e injustiças sofridas pelo povo pobre e negro (já citei pobre e negro, neste texto, né?). E ainda tem tanta gente se preocupando com “curtidas e compartilhamentos”, em rede social, enquanto um bando de conservadores quer ser aplaudido, pra 'ficar bem na foto' – ou selfie, para os que não estão nem aí com o que escrevi... Os 'poderosos' parecem não estar muito interessados – nem com a minha, nem com a sua opinião. Sem plebiscito. Depois disso, não vamos dizer que jamais imaginamos chegar a tal ponto (oh!), quando a pena de morte for à votação, no Congresso Nacional.
Quando encontro a ignorância defendendo a pena de morte, sempre digo: Deixemos isso para o primeiro mundo – lá nos Estados Unidos (mero exemplo), esse termo chega ao termo. Não merecemos isso – nem nós, nem os que virão, se virão. E viva o terceiro mundo. Fim de linha.
Se houver mesmo redução da idade penal para 16 anos (ou 15, 14, 13, 12, 11, 10, ou para recém nascidos sem ‘pedigree’ – que diferença faz?), acreditemos nos políticos que estufam o peito, para dizer: “o futuro é agora”. Será mesmo – por que outro futuro não haverá, senão construído por herdeiros do sistema cada vez mais ‘poderoso’, e alguns poucos mutilados, ignorados pela mesma sociedade moralista, conservadora, preconceituosa, irresponsável, discriminadora, imediatista, extremamente cruel e injusta, sem qualquer noção de humanidade.

(Enquanto houver crianças e adolescentes, em condição vulnerável, à mercê de desmandos políticos, e/ou da hipócrita sociedade, escreverei a respeito o que não deixo de pensar – sempre tem mais a ser pensado, e repensado.)