sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Notas de rodapé (para Márcia Tiburi)

* Filosofia, você pode exercitar, quando não está linchando alguém na rua, ou ateando fogo em ônibus, ou matando civis e forjando legítima defesa, ou divertindo-se nas práticas de bullying, ou “enchendo a cara” (e todo o resto) e atropelando pessoas, ou deixando de prestar socorro, para fotografar e postar nas redes sociais, ou maltratando animais, crianças e velhinhos caquéticos. Filosofia já foi exercício mais constante, mas hoje acaba, diariamente, sendo substituído por cruéis comentários de apresentadores de programas policialescos de televisão, dividindo tempo com gente que arremessa veredictos, pelas redes sociais, todos a favor da pena de morte. Penso até que filosofar, atualmente, é questionar o inquestionável, refletir sobre qualquer coisa, quando a maioria já nem quer saber de pensar.
** Pensar tem preço - valor muito alto, cada vez mais impagável. Não há dinheiro que pague, realmente, o ato de pensar, por que pensar é ação. Toda atitude demanda esforço, dedicação. De brinde, recebemos a liberdade de pensar certo, ou errado - na mesma proporção. E ainda dói. Mas continuamos com o direito de pensar – às vezes, nem certo, nem errado. Paga-se caro, por pensar, refletir, não imaginar. Por isso, tem tanta gente que não quer saber de pensar. A imaginação é quase gratuita, está sempre em liquidação, a nosso bel prazer. Pensar é que custa caro, muito caro mesmo. Pensar é refletir. Refletir é transbordar. Por isso, o trampolim permanece ao alcance – nem todos desejam ousar.
*** Para conviver bem, na sociedade do espetáculo atual, você precisa conhecer e reconhecer a cartilha: Os outros são os vilões, racistas, homofóbicos, fascistas, egocêntricos, reacionários, machistas, transfóbicos, corruptos, sexistas, psicopatas, xenofóbicos, imperfeitos. Somente os outros, por que você é o máximo da perfeição do centro da pirâmide humana. Ainda há tempo: Você ainda pode ser a (grande) vítima de tudo isso – por enquanto.
**** Friedrich Wilhelm Nietsche está indo além da imaginação (dele mesmo, que não pensava pouca coisa). O ‘caldo’ começou a ‘engrossar’, quando o que chamam livro “Nietzsche Para Estressados - 99 Doses de Filosofia Para Despertar a Mente e Combater As Preocupações” foi lançado. O aproveitador chama-se Allan Percy, um cara que deve usar, na maquiagem, muito, mas muito mesmo, óleo de peroba. Como se não bastasse a dita “obra prima”, tem agora “Funk do Nietzsche”, gravação de Mc Bertas e DJ Leozito. Esses exemplos comprovam que a falta de imaginação e criatividade pode render bom dinheiro, mais, muito mais, do que Nietzsche recebeu.
***** Aviso aos intolerantes impetuosos (kit completo) de plantão: Andem sempre com arma de fogo – até durmam, com um revólver debaixo do travesseiro. Vocês realmente precisam acabar com os motivos que irritam tanto os intolerantes (‘intolerantes unidos jamais serão vencidos’). Vão treinando: quando encontrarem uma manifestação, ou até uma minguada junção de gentes, libertem a impetuosa intolerância, e, literalmente, “mandem bala”. Não esqueçam: Arma ao alcance da mão, sempre, no trânsito (prato cheio – de motivos e justificativas para uma “boa peleia”). Logo, logo, a lei do desarmamento será derrubada pela força dos senhores “representantes da sociedade”, no Congresso. Por enquanto, vão treinando “tiro ao Álvaro”.
****** A campanha que estou lançando é justamente para que os filósofos (mortos e vivos) não se tornem finados. Ainda que a maioria contemporânea prefira ler apenas postagens compartilhadas em redes sociais, os livros (nada silenciosos) continuam a batalha contra o google. Às vezes, até parece que vamos perder – só impressão. De repente, no meio de tantos “fogos cruzados”, alguém larga mão do google, e resolve pesquisar mesmo, e até pensar, refletir. E a filosofia, antes alquebrada, ressuscita, com potência absoluta.
******* Para emagrecer, a receita é seguir todas as receitas, e tomar todos os medicamentos – comece pelos mais caros, até chegar nos baratos. Continue comendo, comendo tudo e mais um pouco de todas as dietas aconselhadas. Acredite em todos os comerciais e receitas emagrecedores. Aproveite, e acredite em papai noel, também. Se, algum dia, você olhar o espelho, e enxergar obesidade mórbida, troque o espelho (para um bem maior) – não é você.
******** Dia desses, assisti à uma entrevista, na televisão. Não tenho certeza se era entrevista. Não lembro. Mas sei que tratava sobre um assunto bastante interessante. Quem falava não era alguém famoso, celebridade. Não. Mas parecia ser alguém com conhecimento de causa – pelo menos, da causa que defendia. Vez ou outra, exasperava-se, falava mais alto, e manifestava discordar de outras opiniões, contrárias àquela que defendia. Eu sempre paro para ouvir, quando alguém não cai na vala comum, ao falar. Gosto de ouvir o que os outros ainda ousam falar, num mundo onde a ordem é “compartilhar” opiniões superficiais e/ou sem sentido, e imagens entorpecentes. Assim é que se preenche páginas e páginas, livros inteiros, sem dizer coisa alguma. Quem imagina que o oco está oco mesmo, esquece de lembrar que o oco não é oco. O oco é e está sempre cheio de ecos – silenciosos. Na maioria desses casos, se traduzidos, os ecos repetem apenas o nada que o escritor tem a dizer, enquanto tantos outros livros continuam transbordando, nas prateleiras. Por isso, também, livros ocos me cansam – eu, que sempre renasço, a cada transbordamento.
A cada dia, só tenho a agradecer a filósofa Márcia Tiburi, e todos que ela traz à minha companhia.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Declaração de amor

Enquanto há tantas separações - por causa de tudo, por causa de nada -, quero deixar, aqui, um manifesto, a minha declaração de amor a um só alguém - único, insubstituível.
Ficamos horas distantes, mas, quando nos encontramos, nem parece que houve algum afastamento.
Você me enche de carinho e agrados, sem interesse algum.
Não importa o que eu fale, você está sempre com esse olhar atento e concentrado em mim.
Pra me fazer graça, você até improvisa alguns passos desengonçados de dança.
Nossos passeios causam inveja nas pessoas, que insistem em manter relacionamentos que nunca existiram, ou acabaram.
Às vezes, você me dá mais trabalho do que jogar uma toalha molhada na cama.
Esqueço o trabalho que você me dá, quando te encontro me esperando, no sofá, para assistirmos juntos, mais uma vez, aquele filme ‘água com açúcar’ que tanto gosto.
Ninguém me emociona, como você, meu querido.
Diante das suas brincadeiras, meu anjo, não resisto, e nos divertimos a valer.
Você, em vez de cobrar de mim, me dá atenção e compreensão silenciosas.
Sei que você não fica imaginando coisas sobre mim, nem me interpreta mal.
Por você, meu amor, que sempre me surpreende, não me importo em manter suas redes sociais atualizadas.
Como não corresponder à sua lealdade canina, meu querido?
Por não haver pessoa alguma que se assemelhe a você, invisto muito em plano de saúde, psicólogo, dentista, trainer, conforto, salão de beleza, roupas, seguro, resorts, terapias, acupuntura, festas, viagens ao exterior, gps, joias, microchip e a melhor alimentação – tudo, tudo, só pra você.
Obrigado, meu fiel mastiff tibetano, que faz minha vida – que, há muito, deixou de ser humana - ter algum sentido. Se todo humano fosse animal...