terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O que resta fazer?

“Ser ajustado a uma sociedade profundamente doente não é sinal de saúde”. - Jiddu Krishnamurti

Tem muita gente que demonstra realmente não saber o que fazer. Às vezes, assusta o que muita gente decide fazer. Escolha é algo complicado: a gente faz, a vida inteira, e sempre respinga nos outros – perto, ou longe. Sempre repito que onde há dúvida, há esperança. As certezas são, sempre, tão pesadas, que acabam mesmo sufocando qualquer outra escolha.
Houve um tempo em que muita gente sinalizava referências – de humanidade, vida, ética, saúde, estudo, solidariedade, e tantos outros valores. O tempo passou – implacável. Penso que estamos vivendo um tempo de derrubadas de conceitos. Até aí – se tivesse parado por aí -, tudo certo. Pena que os preconceitos estejam sendo fortalecidos, e ocupando todos os espaços vagos. Ainda não estamos - a maioria de nós - adaptados aos novos tipos de vida. Avançamos na tecnologia, na ciência, mas agimos com mais violência do que os nossos antepassados, quando a vida nos apresenta formas diferentes de viver. Tanto é real, que vemos muita gente, com tablet, smartphone, repudiando uniões homoafetivas, e/ou o fato de que crianças, com alguma deficiência, frequentem salas de aula, onde os demais alunos são considerados “normais”(?) – afinal, são maioria.
Nas ruas, motoristas embriagados atropelam e matam números de vítimas de uma crescente estatística de acidentes. Pelas vias públicas, também, pessoas da zona sul e da favela lincham pessoas da favela e da zona sul. E ainda tem os ‘milicianos’, os ‘justiceiros’, os (de)formadores de opinião, na tv. O motorista bêbado atropela a criança, na calçada. Os transeuntes lincham o motorista bêbado. A polícia bate nos linchadores. Os moradores da área, em protesto à ação policial, ateiam fogo nos ônibus. Enquanto tudo isso acontece, no programa policialesco da televisão, o apresentador defende a pena de morte. 
Vivemos numa sociedade, onde a maioria das pessoas não quer saber de desafios, ou qualquer coisa que remeta a isso. O que todo mundo quer é parecer super herói. Por isso, penso eu, se proliferam tantos jovens que arriscam a própria vida, 'brincando' de jogo da asfixia, roleta russa, ou fazendo piruetas, nas alturas, sem qualquer equipamento de proteção. Na minha visão estrábica, os que fazem isso não são mais que suicidas exibicionistas - prova é que acabam postando vídeos e fotos, nas redes sociais, com essas baboseiras. Enquanto isso, os reais desafios continuam sendo negados, deixados de lado. Às vezes, um grande desafio é feito tão interna, intimamente, que acaba nem sendo divulgado, e até reconhecido. Na minha desimportante opinião, desafio mesmo não é você colocar a vida em risco. Pelo contrário, desafio é você lutar pela preservação da sua vida, com compromisso, por uma vida melhor, mais responsável. Mas, em tempo de aparências, quem quer saber de estar em paz consigo mesmo?... O que vale, numa sociedade sem valores, é o status: “comprar coisas que você não quer, com o dinheiro que você não tem, a fim de mostrar, para gente que você não gosta, uma pessoa que você não é”.
De repente, prender o ar por mais tempo, em rede social, e/ou pendurar-se em cabo de aço, no mais alto edifício, é considerado mais desafiador, neste mundo de imagens, do que, por exemplo, reconhecer os próprios erros e acertos, diante do outro, ou de si mesmo. Quem arrisca nas alturas pode, no máximo, morrer; quem reconhece os próprios erros, arrisca tantas coisas - não ser bem interpretado, compreendido, perdoado, aceito, etc. Cometemos o que achamos ser grandes atos, para que grandes holofotes nos tornem os grandes seres que desejamos ser para os outros, no momento. Mudarmos nossas atitudes, para o amadurecimento, pressupõe muito trabalho, muito mais que nos pendurarmos, por alguns segundos, lá no alto, seja como for. Até por que amadurecimento de personalidade não vira vídeo, ou foto, na internet. E o que a maioria quer mesmo é ser vista, e passar, dias e noites, comemorando o número de visualizações, enquanto está no pronto socorro, engessando uma perna, um braço, ocupando lugar na fila dos desesperados. Na pior das hipóteses, alguns alcançam a fama esperada, mas não podem comemorar – morreram no que consideravam desafio.

… E ainda tem gente que acredita que, nesse ano de 2017, tudo isso vai mudar, de uma hora pra outra, sem toque de mágica, simplesmente por ser ano novo… O que resta fazer?… nem arrisco perguntar isso