(Acho mesmo que foi essa placa aí de cima - Pare Olhe Escute - que me sinalizou o universo das palavras.)
Há tempos (particulares) que ficam em nós, desobedecendo a lógica do próprio tempo, à mercê do nosso desejo, que dá sempre um jeito de os reter. E são desses tempos todos que somos feitos. E, assim, nos tornamos atemporais, pelo menos, na nossa imaginação de vida. Afinal, precisamos, de algum jeito, sobrepor, ou simplesmente ignorar o tempo, este velho tempo que nos consome, que se alimenta das nossas horas, e acaba sempre nos matando – a todos.
Também em mim, ficam tempos que não querem ir – talvez, por não saberem o caminho de volta (o passado não existe mais), ou a trilha (sem luz) do futuro. Eu os liberto, e os acolho, pois permanecem em mim, tão habituados a esse convívio vivo.
Uma das presenças mais marcantes, na minha vidinha, sempre foi meu pai, que me apresentou o mundo, por incontáveis janelas de trens (ele era maquinista). Quando eu tinha cinco anos, passei a ter, em meu pai, a disponibilidade de um avô – foi quando ele aposentou-se. Entre tantas caminhadas que fazíamos juntos, ele começou a ensinar-me a magia encantada e encantadora das palavras. Como morávamos à beira dos trilhos da velha estação de trens, a lição que meu pai mais me repetia era: “Nunca esqueça o valor dessas três palavras mágicas: Pare Olhe Escute”. Eu fiquei extasiada com os três segredos desvendados, que, quando a família viajava de trem (eram tantas as viagens), eu ia lendo, em voz alta, pelo caminho: “Pare Olhe Escute”, “Pare Olhe Escute”, “Pare Olhe Escute”, “Pare Olhe Escute”...
A partir daí, as palavras me libertaram para o mundo que me é desconhecido até hoje. Depois daquela infância rica de fantasias e imaginação, nunca mais viajei de trem. Mas continuo viajando na lição do meu velho pai: “Nunca esqueça, Nara, que você precisa sempre parar, olhar, e, principalmente, saber escutar. Se conseguir fazer isso, você compreenderá mais, e sofrerá menos”. Ouvi isso, muitas vezes, e guardei as palavras de meu pai, sem saber a tradução do que ele me repetia. Acho que ainda estou aprendendo a lição – e já faz tanto tempo!...
Meu pai era um ser humano bem humorado, de bem com a vida mesmo, brincalhão – a minha ironia é toda dele. Quando saía, cumprimentava todo mundo, sempre sorridente, tirando a sisudez de muitas aparências hostis.
Acho que até cabe uma historinha, pra te apresentar meu pai:
Durante um tempo, meus pais ajudaram na construção de um Hospital Espírita, atendendo numa lojinha improvisada, que vendia todo tipo de objetos arrecadados, desde roupas, calçados, até móveis e outros tantos “trecos” (inimagináveis). Numa dessas tardes, eu estava passando pela lojinha, quando vi meu pai atender um velho desconhecido. Meu pai, todo animado, mostrou-lhe um pequeno ventilador, e o senhor respondeu: “Não posso com isso, tenho doença nos pulmões”. Num só ímpeto, meu pai interrompeu, dizendo: “Então, este aparelhinho foi feito para o senhor, pois ventila fraquinho, fraquinho”. E ligou o 'pobre' do ventilador, que mal conseguia girar, len-ta-men-te... Esse era Seu França, meu pai. (Acredite, vendeu o “ventiladorzinho aposentado” - como o chamou.) hehehehehehehe
Meu pai completaria, nesses dias de outubro, 92 anos, mas, há algum tempo, dormiu, e esqueceu de acordar – talvez, estivesse sonhando. Eu não sei. O que sei é que continuamos caminhando – meu pai e eu, juntos -, ou viajando de trem, olhando a paisagem, e a placa insistente:
Pare
Olhe
Escute
… como dizia meu velho pai: “Ainda que não parem. Ainda que sequer te olhem. Ainda que não te escutem”...
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