Maria perambula, todos os dias, pelas ruas centrais da cidade. Arrasta-se com dificuldades, carregada pelas pernas com trombose e inchaço constante. Banguela, Maria sorri. E me conta que já não mora mais em barraco de plastico preto, em chão de terra batida. Não. Maria tem casa, agora, lá na favela.
Maria tem dez filhos. “Toda vez que embarrigava, eu não tomava aquelas xaropadas, pra tirar os inocentes” – me relata Maria, a velha que quase ninguém vê. Banguela, Maria ainda sorri. E me conta que a maioria dos filhos foi morar no litoral, mas Maria ainda ajuda alguns que ficaram por perto, deram-lhe netos - “umas riquezas de crianças”.
Percebendo a dificuldade de caminhar de Maria, principalmente quando atravessa as ruas, eu alerto: Precisa se cuidar mais, Maria! E ela me responde, com a ingenuidade do sorriso banguela: “Não preciso. Deus cuida!” E Maria me conta que não frequenta igreja alguma: “Na igreja, querem dinheiro, e eu não tenho dinheiro pra dar. Deus me ajuda com o que preciso. E só.”
A velha Maria foi analfabetizada – vida afora -, nunca leu, ou escreveu, uma oração, uma prece suplicante. Mas Maria me revela, enquanto dá mais uma “paradinha na calçada, pra tomar folego”, que “nem preciso pedir, por que Deus me conhece, e me dá o suficiente pra viver”. De olhos fechados, cabisbaixa, a velha Maria ainda sorri o sorriso banguela da fé sem nome, sem explicação alguma.
Maria me conta que vai buscar, a pé, frutas, no interior, pra vender na cidade. “Tem gente rica que come as frutas, e fica me devendo, mas não tem importancia” – me diz o sorriso banguela. E ninguém fica sabendo que Maria vai, toda semana, no “postinho de saúde”, com uma só esperança: “Vou lá saber se os cientistas descobriram um remedio pra essa trombose, que é a minha unica dor na vida”. Mas o remedio não chega, e Maria segue perambulando, na companhia da dor, que, à noite, quando Maria deita, lateja, “arde fininho, cortando minhas pernas”.
Ao atravessarmos a rua movimentada, sem pensar, eu ainda repito à Maria: Precisa se cuidar, Maria! E Maria arregala os olhos miúdos, mostrando timidamente o sorriso banguela, para repetir: “Já falei que Deus cuida, e Ele não faia”.
Na esquina, Maria limpa, desajeitadamente, a mão direita no vestido roto, e estende à minha mão. Cumprimento Maria, como quem dá a mão à esperança cega, sem razão alguma para existir (como o é toda esperança genuína). E Maria me mostra, pela ultima vez, o sorriso banguela silencioso mais bonito que já vi...
(Ah, velha Maria, quem dera eu – só por um dia! – sentir teu “Deus” cuidando de mim, me dando o suficiente para viver. Não duvido de tuas palavras, Maria. Só queria senti-las – apenas por um dia, Maria. Quem dera eu repetir tuas palavras sentidas, Maria, e também dizer que “Deus não faia”...)
Maria tem dez filhos. “Toda vez que embarrigava, eu não tomava aquelas xaropadas, pra tirar os inocentes” – me relata Maria, a velha que quase ninguém vê. Banguela, Maria ainda sorri. E me conta que a maioria dos filhos foi morar no litoral, mas Maria ainda ajuda alguns que ficaram por perto, deram-lhe netos - “umas riquezas de crianças”.
Percebendo a dificuldade de caminhar de Maria, principalmente quando atravessa as ruas, eu alerto: Precisa se cuidar mais, Maria! E ela me responde, com a ingenuidade do sorriso banguela: “Não preciso. Deus cuida!” E Maria me conta que não frequenta igreja alguma: “Na igreja, querem dinheiro, e eu não tenho dinheiro pra dar. Deus me ajuda com o que preciso. E só.”
A velha Maria foi analfabetizada – vida afora -, nunca leu, ou escreveu, uma oração, uma prece suplicante. Mas Maria me revela, enquanto dá mais uma “paradinha na calçada, pra tomar folego”, que “nem preciso pedir, por que Deus me conhece, e me dá o suficiente pra viver”. De olhos fechados, cabisbaixa, a velha Maria ainda sorri o sorriso banguela da fé sem nome, sem explicação alguma.
Maria me conta que vai buscar, a pé, frutas, no interior, pra vender na cidade. “Tem gente rica que come as frutas, e fica me devendo, mas não tem importancia” – me diz o sorriso banguela. E ninguém fica sabendo que Maria vai, toda semana, no “postinho de saúde”, com uma só esperança: “Vou lá saber se os cientistas descobriram um remedio pra essa trombose, que é a minha unica dor na vida”. Mas o remedio não chega, e Maria segue perambulando, na companhia da dor, que, à noite, quando Maria deita, lateja, “arde fininho, cortando minhas pernas”.
Ao atravessarmos a rua movimentada, sem pensar, eu ainda repito à Maria: Precisa se cuidar, Maria! E Maria arregala os olhos miúdos, mostrando timidamente o sorriso banguela, para repetir: “Já falei que Deus cuida, e Ele não faia”.
Na esquina, Maria limpa, desajeitadamente, a mão direita no vestido roto, e estende à minha mão. Cumprimento Maria, como quem dá a mão à esperança cega, sem razão alguma para existir (como o é toda esperança genuína). E Maria me mostra, pela ultima vez, o sorriso banguela silencioso mais bonito que já vi...
(Ah, velha Maria, quem dera eu – só por um dia! – sentir teu “Deus” cuidando de mim, me dando o suficiente para viver. Não duvido de tuas palavras, Maria. Só queria senti-las – apenas por um dia, Maria. Quem dera eu repetir tuas palavras sentidas, Maria, e também dizer que “Deus não faia”...)