sexta-feira, 18 de março de 2011

Nada com nada

Tenho ouvido muita gente reclamar que a maioria das pessoas não quer nada com nada. Também, tenho observado muito isso, mas nem tanto. Até discordo. Nada com nada é exagero. Acho que a maioria não ‘tá’ a fim de trabalhar, estudar, cumprir deveres, obrigações, assumir e cumprir compromissos. A maioria quer curtir – não sabe, às vezes, nem o quê, mas sabe que quer curtir a vida. Se, em vez de contratar algum serviço, ou pedir ajuda, você oferecer uma viagenzinha de avião – ao entregador de jornal, que sempre joga o diario na poça d’agua, ou ao empresario que te cobra juros exorbitantes -, todo mundo vai ‘estar a fim’. Nada com nada só aparece, quando algum serviço precisa (ou precisaria) ser feito.
Hoje, por exemplo, atendimento é sempre feito de maneira descompromissada, irresponsavel até. Refiro-me a atendimento obrigatorio – eu, que prefiro lojas de departamentos, ou (como são chamadas também) de auto-atendimento.
Duvido se você nunca se deparou – ou até protagonizou junto – com uma dessas cenas:
Na farmacia:
- O remedio que o senhor pediu está em falta. Quer outro? Temos varios, baratinhos. Afinal, nunca se sabe quando vai adoecer, não é mesmo?...

Na loja de ferragens:
- Torneira dupla?... Tipo o que, por exemplo?
- Tipo uma torneira dupla mesmo...

Na loja de confecções:
- Eu sugiro que o senhor leve preto – é mais bonito que o azul...
- Eu quero o azul, por que o preto já tenho. Por isso, não pedi o preto.

No escritorio:
- Você já acabou o seu trabalho?... Então, vem fazer o meu, que estou atrasada para a academia...

Na creche:
- Seu filho não quis comer, mas, em compensação, dormiu o dia todo...

No caixa da agencia bancaria:
- O senhor aguarde aqui no balcão, por que caiu o sistema, e eu vou aproveitar para fazer mais um lanche...

O motorista, dirigindo-se aos passageiros, no onibus:
- Vocês se segurem nos bancos, por que vou acelerar. Estamos atrasados, e não posso perder esse emprego...

No pronto socorro:
- A senhora seria atendida agora, se estivesse desmaiada, ou quase morta. Se não está, trate de não reclamar, e aguarde a sua vez, sentada, por que vai demorar...

Atendente da empresa aerea, justificando mais um atraso no voo:
- Se a aeronave da outra empresa decolou, a gente não tem nada a ver com isso...

Na loja de calçados:
- O senhor não prefere levar este sapato mesmo?... Ficou maravilhoso no seu pé. O outro que o senhor quer experimentar vai me dar muito trabalho, pois está no alto daquela escada... Está vendo?...

Na feira:
- É liquidação, madame!... As frutas não estão podres – só estão pretinhas e moles, mas nem cheiram mal. Pode ver...

O pintor de paredes ao provavel cliente:
- O senhor tem certeza que quer pintar todas as paredes?... Ah, mas aí vai dar muito trabalho... Não vou pegar o serviço, não...

Na funeraria:
- No proximo caixão que o senhor comprar aqui, prometo dar desconto...

No hospital:
- Não fizemos o exame de alergia à penicilina, por que estavamos atrasados e com pressa. Havia muita gente para ser atendida. Lamentamos a morte da paciente.

Pra gente não confundir pobre com humilde – o mendigo fala:
- Esse pão fatiado eu não como, dona!... Quero não!...

... E, assim, quem não quer nada com nada vai “curtindo a vida”, “tirando uma onda”, enquanto as silenciosas vitimas continuam baixando a cabeça, aceitando, cumprindo o papel que acham encaixar-se: eternas vitimas do seu proprio silencio...

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