quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Por agua abaixo

“Quando ele me agrediu, ele mostrou quem verdadeiramente era”. Essa daí é uma frase comum da frustração personificada. Aí, eu fico pensando: Só se mostra quem a gente verdadeiramente é, quando a gente agride?... Por que não mostramos, também, quem somos, de outra maneira, ou de todas as maneiras?... Eu, pessima aprendiz de ser humano, não consigo entender (mais) isso.
O que vejo é que tudo o que foi construído, na relação (seja de casal, ou entre amigos), vai mesmo por “agua abaixo”, depois que o outro agride, violenta – seja o corpo, ou a alma. Por outro lado, por que a gente não está mostrando quem é, quando manifesta amor, carinho, zelo, afeto?... Não compreendo.
Vou adiante, no pensamento que é meu. Acho que vivemos o apice de um momento “divisor de águas”, na historia humana. Aliás, vou além, achando também que, mais que dividir as aguas, o momento em que (sobre)vivemos está mesmo indo, e levando tudo por agua abaixo.
Tudo é descartável – sem filosofias. A todo instante, descartamos e somos descartados, em todas as conjugações. Do ralo e do esgoto, somente as baratas se salvam, e (ainda) vivem. Mas, também, descartamos as baratas, tantas quantas vezes sejam necessarias. Quando o ralo entope, descartamos a possibilidade de não mais sobrecarregarmos a via de esgoto. Contratamos logo um tecnico desentupidor, e continuamos descartando tudo e todos. E aproveitamos – o “ensejo” – para descartar a unica microscopica hipotese de pensarmos sobre essas coisas tão chatas – descartaveis.
O marido, a esposa, os ‘namorantes’ são descartaveis: “Casamento é instituição falida, e tem muita gente no mundo, pra eu investir tudo num unico relacionamento”.
Os amigos são descartaveis: “Amizade, pra mim, é concordar comigo. Discordou, ou falou coisas que não concordo, eu descarto”.
As musicas são descartaveis: “Pego tudo na internet, ouço, e deleto”.
Os livros são descartaveis: “Livro é coisa chata, mas eu leio emails”.
Os sonhos são descartaveis: “Sonhos não existem – eu descarto logo”.
Os filhos são descartaveis: “Não me prendo a crianças – não gosto -, e, por isso, pago pessoas pra criarem meus filhos”.
A profissão é descartavel: “Vou procurar, pela milionesima vez, uma outra carreira profissional”.
Os funcionarios são descartaveis: “Demito quem não me obedece, por que a fila da ‘boiada’ silenciosa aumenta lá fora”.
As igrejas são descartaveis: “Deixei de ir naquela igreja, por que tudo era pecado, e agora estou em outra mais adequada”.
A gente mesma é descartavel: “Já não quero mais nem saber de mim, e até acho que estou me descartando”.
O desafio é descartavel: “Pra que eu vou insistir, se desistir é que vai me manter na minha zona de conforto?”...
Os eletros são descartaveis: “Pararam de funcionar, joguei fora, comprei outros”.
A vida é descartavel: “Se a vida não é do jeito que eu quero, eu descarto”.
Ah, eu já ia quase esquecendo: junto com tudo isso – papel higienico também é descartavel.
Nessa vida descartavel e descartada, numa verossimilidade sutil, parecemos baratas tontas – as mesmas que sobrevivem no esgoto -, tentando, às vezes, resguardar alguma coisa, que nem sabemos mais o que é. Descartamos tanto, que o exercício de reter verdadeiramente qualquer coisa que seja nos é cansativo, por que demanda esforço, tolerancia, compreensão, e - acima de tudo isso e de mais alguma coisa – vontade, desejo, querer mesmo. Descartamos, por que podemos, mas (sabemos) alguma coisa permanece e prevalece, no fundo de nós, por mais que nos retorçamos e nos contorçamos, na tentativa de descartá-la também: a alma...

Um comentário:

  1. Outro dia ouvir falar que a nossa sociedade não luta por grandes causas, não tem objetivos. E concordo com isso, hoje é tudo normal, natural..tudo acomoda-se muito fácil. ótimo texto.

    Beijos, Iza

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