Enquanto muitos teimam em
reinventar a roda, estou lançando um negócio realmente inovador, no
mercado das concorrências cada vez mais desleais e apelativas.
Resolvi criar (de segunda a sexta) feira da felicidade artificial.
Vou logo adiantando que não se trata de venda de produtos de segunda
mão. Absolutamente. Tenho caixas, grandes e pequenas, todas
lacradas, formatos variados, as quais recebo, sem eu ter feito pedido
- às vezes, até desconheço o remetente. Todo mundo quer parecer
feliz, e acaba repassando pra gente essas imagens, sempre novinhas em
folha, tinindo, com tanto brilho.
E ainda tem gente que alimenta -
se engasga - com a doce ilusão de que “todo mundo parece feliz, no
universo virtual, na internet”. Que nada! Todo mundo quer parecer
feliz, o tempo todo, no universo mais real, físico, humano mesmo.
Dizem que os que ostentam felicidade, dia e noite, noite e dia, estão
sempre nas rodas sociais, animando casamentos, batizados, e até
velórios. Por isso, muita gente se preocupa tanto - não em querer
ser, mas - em parecer feliz.
Devido ao grande estoque que
tenho dessa felicidade artificial, que me chega, em bombardeios
constantes, de todos os lados, resolvi fazer o maior negócio da
minha vida: uma feira, para atender à maior demanda atual do mercado
consumidor. Não aceito troca, nem devolução, sem direito a “test
drive”. O estoque que tenho é diversificadíssimo - para todos os
gostos e desgostos. Os produtos dessa feira não têm qualquer
garantia, ou bula, manual de instrução, ou de destruição, pois
depende do modo de usar de cada consumidor. Sabendo dosar a
felicidade artificial, o tempo de validade pode ser bem maior do que
se imagina - às vezes, pode funcionar por uma vida inteira.
Sem viajar na carona da
imaginação, penso que a feira que estou lançando será o maior
sucesso, em tempo mínimo, recorde absoluto. E, ainda, penso mais: as
vendas dos 'produtos' que entorpecem o pensamento serão as maiores.
Logo depois, outro sucesso previsto é a venda de caras e bocas,
sorrisos e gargalhadas gratuitos e descontrolados, para serem usados
nos hospitais e velórios.
Hoje, a ciência e a religião
vendem a cura de todos os males. Mas só a felicidade artificial
vende a imagem sem dor, sem sofrimento. Não são necessários
tratamentos intermináveis - médicos e/ou religiosos. A felicidade
artificial oferece efeito imediato, indolor, a qualquer olhar
desinteressado (afinal, quem quer saber realmente do outro?). Em
pouco tempo, a criatura se torna (aparentemente) feliz - às vezes, o
efeito é tamanho, que ela mesma acaba se convencendo que a dor é
pura invenção de gente melancólica.
Não posso esquecer do amontoado
de futilidades, para escamotear qualquer sofrimento, angústia, dor,
tristeza. A feira da felicidade artificial é tão variada, e
cuidadosamente completa, que nem consigo lembrar do estoque todo, que
continuo recebendo, a todo momento, em qualquer lugar - tudo
encaixotado, no aguardo de uso desesperado. Se todo mundo quer
parecer feliz, o tempo inteiro, não há melhor presente: comprar o
produto dessa feira inédita, longe da televisão brasileira.
Aos chorões de plantão,
àqueles que resistem bravamente, e continuam demonstrando tristeza,
sofrimento, aviso: não adianta chorar, sem direito a descontos. Se
ainda existem os que manifestam essas emoções (“bobagens!”) em
público, acho que já estão tão isolados, pela boiada eternamente
feliz, que vão querer pagar qualquer preço por uma caixinha de
felicidade artificial. Comprem, na feira, e se esforcem para aprender
o uso mais adequado - tem gente Phd nisso, numa vida cheia de fogos
de artifício.
De brinde, um livro de
autoajuda acompanha cada caixa de felicidade artificial. Afinal, nem
todo dia, mesmo para quem está habituado a usar sempre, o artificial
encaixa, não incomoda. Para continuar usando essa felicidade sem
sentido, quando o que não é artificial desaba, nada melhor que um
livrinho de autoajuda.
Observando os índices de
mercado, percebo que tem um monte de gente investindo em produtos de
imagem - botox, lipoaspiração, maquiagem definitiva, cremes
milagrosos, etc e tal. Disso, o mercado consumidor está cheio. O
fato é que a maioria não quer pensar, muito menos falar o que
realmente pensa (se pensasse), não quer viver a própria vida. Se
aparentar estar bem, o tempo inteiro, já é desgastante, imagine,
então, parecer, ou, melhor ainda, convencer os outros que tem outra
vida, que é feliz o tempo todo, plenamente - é o sonho de consumo
da maioria. Nem estou pensando, neste instante, nas vitrines das
redes sociais.
Se a maioria não quer parecer
que sente dor - a dor que sente, sem querer -, só mesmo recorrendo à
artificialidade. Ser humano é sofrer - prazer e dor.
Ninguém quer saber de gente que
pensa, gente que sofre, gente que se entristece, gente melancólica.
Por isso, tanta gente não quer saber nem de si mesma. Está cada vez
mais difícil competir com tantas felicidades aparentes e constantes.
Daí, o melhor mesmo é apelar, aprender a investir, vestir e trocar
máscaras efusivas. Viva a felicidade artificial!...
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