Pronto. Resolvi falar. Vou logo
dizendo que o que me fez falar foi meu olhar sobre o mundo,
observando gente. Percebo, a cada instante, que também eu, de algum
jeito, mesmo de um jeito desajeitado, também sou gente.
Então, resolvi falar. Pode até
ser que você nunca mais venha a escutar isso de ninguém. Por isso,
mais ainda, sinto urgência em comunicar, a quem desinteressar possa.
Você já pode ter desconfiado,
ou, distraidamente, imaginado. Eu confirmo: o outro existe. Não é
só dentro de você que existe o outro. Também, fora, em lugares que
você nem imagina que existam, o outro continua a existir, à revelia
de sabermos, ou não, a existência dele. Lamento muito mesmo, se
você nunca quis escutar, nem desejou saber, ou pensar, a respeito.
Pois é. Até cada um de nós é o outro, para o outro.
O outro aparece, de qualquer
forma - velho, criança, mulher, adolescente. Tem o outro que passa
pela gente, cansado, ou em plena forma de motivação. Não importa.
Sempre há o outro - que chora, que canta debaixo do chuveiro, que
vaga pelo shopping, que ensina a ler e escrever, que ri, que dorme
embriagado na calçada, que fala, que solta bombas de efeito moral
pelas ruas, que prepara chá de camomila, que grita, que tropeça,
que vai ao teatro, que faz malabarismos no sinal, que retoca a
imagem, que assalta, que gagueja, que toma banho de chuva, que reza,
que remexe as lixeiras, que nem olha para o outro, que pode ser eu,
pode ser você - qualquer um (outro).
Por todo lugar, sempre tem outro
- outro na rua, outro na casa, outro na academia, outro no balcão,
outro no elevador, outro na escola, outro no bar, outro no trabalho,
outro na praça, outro na feira, outro na sala de espera. Às vezes,
o outro acaba por silenciar, uma vida inteira, aprisionado numa
moldura de fotografia amarelada. De todo jeito, o outro se faz
presente desejado, passado descartado, ou futuro ignorado. Não
importa. O outro vive, e respira pontos de interrogação, mesmo
quando não quer pensar. O outro perambula, entre medos e desejos. O
outro perde o sono, depois de abandonar os sonhos, e outro fecha os
olhos, enquanto salta de bungee jumping.
O outro é aquele com quem a
gente cruza na esquina, se esbarra na fila interminável - outro que
nos ignora, outro que ignoramos. O outro dirige o carro com funk no
volume máximo, e o outro ensaia no palco escuro. Enquanto o outro
pratica Tai Chi Chuan, outro planeja assalto, numa saída de banco.
Tem outro que chora, quando nasce, e outro que seca as lágrimas, na
saída do cemitério. Tem outro que segura a mão da gente, quando
todos os outros vão embora.
Ainda que a maioria continue
negando, o outro existe. Pode ser eu. Pode ser você. Pode ser outro.
O outro é sempre mais visto, quando está na nossa frente, em
qualquer fila. Mas tem outro, ainda, que nos pergunta que horas são,
e logo se mistura na multidão, sem tempo à gentileza.
Pronto. Falei. Querendo ou não,
longe ou perto, a realidade mostra que o outro continua existindo -
quem sabe, ignorando, de um jeito, ou de outro, a minha, ou a tua,
existência. Ainda tem mais: num dia, numa noite qualquer, o outro,
feito eu, feito você, também vai deixar de existir, neste mundinho.
E chegarão outros, que continuarão existindo, e deixando de
existir, nesta vidinha de tantos outros.
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