Sempre
repito que a primeira lição que aprendi foi não ser. Foram e
continuam sendo tantas lições pra eu não ser, que, às vezes, me
restam ínfimas escolhas. Confesso que, de quando em vez, tilinta,
bem no fundo de mim, um prazer intraduzível: não sou. De mão com a
contramão, continuo não sendo, e aprendendo ser quem (acho que)
sou. E não há solidão maior - pra mim, pelo menos -, enquanto a
maioria segue quem segue a maioria.
Acredito
mesmo que o maior desafio, nos tempos atuais, é não ser. Até
parece que a maioria ignora mesmo os assaltos constantes do
consumismo, com campanhas devoradoras de qualquer vontade: carro,
cerveja, comida, roupa, produto de alta tecnologia, adereço, joia
para animal de estimação, oferta de medicamento, calçado,
acessório, maquiagem, vitamina, roteiro de viagem, curso que ensina
trocar fraldas, batatinha com sabor de churrasco, emagrecedor
milagroso, livro de autoajuda, etc etc etc. Somos assaltados,
diariamente, mas ninguém quer saber - o que todo mundo deseja mesmo
é consumir, estar na moda, pra se ver sendo parte do que, na maioria
das vezes, nem sabe. Eufórica, a maioria segue, obediente.
Que
todo mundo quer ser diferente, todo mundo sabe - todo mundo quer.
Mas, na mesma proporção, todo mundo quer pertencer, fazer parte,
ser igual. Os modelos de heróis que temos hoje são frágeis,
efêmeros, não duram mais que uma manchete on line. Por isso, me
parece, a mesma via, que ainda mantém a placa antiga de mão dupla,
acaba se tornando mão única, onde a boiada passa, sem pensar, na
mesma direção, oscilando entre a euforia e a tristeza causada por
falta de euforia.
Seres
humanos que somos, queremos ser aceitos, mas, na maior parte do
tempo, pra sermos aceitos, não podemos ser quem somos. Por isso,
talvez, a maioria, pra não ficar sozinha, não ser descartada, deixa
de ser quem é, ou até se distancia de si mesma, sem saber quem é,
ou quem pode ser. Ignorando a sinalização de mão dupla, a maioria
segue a mão única, feito espectro, massa que se modela ao exemplo
da maioria que segue.
Eu
ainda não sei qual a maior solidão: quando não somos quem os
outros são, ou quando somos quem os outros não são. Talvez, eu
ainda descubra que a solidão, em ambos os casos, seja a mesma -
única, fatal. No fundo, penso eu, independente de quem realmente
somos, ou até mesmo quando escolhemos seguir a boiada de olhos
fechados, a solidão continua fazendo parte de cada ser humano.
Parece
que o ato de seguir pressupõe segurança - se alguém foi por aquele
caminho, e se deu bem, os demais terão o mesmo resultado. Quem dera,
mas nem sempre é assim. De repente, no meio do caminho e da boiada,
alguém resolve pensar: dana tudo, por que não há como voltar, nem
sair do meio da maioria, que não olha para baixo, para ver em quem
pisa. O que a boiada sabe fazer é passar - passar por cima de tudo
que a remeta à individualidade(solidão), ao pensar(mais solidão),
para continuar devorando o cardápio principal, que tem tempo de
validade cada vez mais reduzido. Não há tempo a ser perdido - a
ordem é seguir a mão única do consumismo que consome a maioria.
Antes, lentamente. Agora, com fome cega e voraz. E a boiada segue.
Por
isso, se você ousa equilibrar-se na contramão, aja com precauções.
Não se desespere com a solidão(companheira inseparável), nem
pense, por um momento sequer, que a via é mesmo de mão única, como
grita a boiada. A placa antiga continua sinalizando via dupla -
atitude depende de escolhas. Não se deixe levar pela boiada. Procure
enxergar você - a boiada não quer ser identificada individualmente,
o que mais deseja é parecer igual. Jamais feche os olhos, diante da
boiada que passa. Deixa passar. Feito no trânsito, cada vez mais
caótico, você não vai querer perder a vida, que é só sua,
seguindo na contramão, indo para o meio de uma boiada que nem sabe
pra onde vai, né?... A placa continua à beira dos trilhos: Pare
Olhe Escute (ainda não sei se esse é um conselho, mas eu continuo
tentando aprender).
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