segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Psicopatia sem dó

Pensar só em si mesmo. Querer fazer e participar somente do que lhe dá prazer, status e poder. Criar imagens de si mesmo, sem falhas e características de maldade, ou ignorância, para ser amado e idolatrado. Tudo isso parece ser caraterístico do individualismo, que predomina nos tempos atuais. Pode até ser – nem sempre.
Às vezes, a psicopatia se esconde tanto, nessas pessoas egocêntricas, que ninguém identifica – nem elas mesmas. Nascem, são estimuladas pela sociedade, e até morrem assim: sem diagnóstico. Por que psicopatia não é doença – consequentemente, não tem tratamento, nem cura. Psicopatia, dá pra dizer isso, seria um desvio de caráter, de personalidade. Simplesmente, no caso, a criatura não enxerga o outro, não há qualquer empatia nela.
Não havendo patologia, a psicopatia apresenta sintomas sérios, e consequências maiores ainda. Tenho me dedicado, há algum tempo, a estudar a respeito. O que percebi, sem conclusão, até aqui, é que o caso é mais sério do que se possa imaginar. Por isso mesmo, duvido muito que algum ser humano vivente não tenha conhecido, ou convivido, com um psicopata.
Quantas vezes, passamos noites em claro, lembrando e julgando nossos próprios atos, assumindo a responsabilidade que, parece, nos cabe, no que diz respeito a relacionamentos. Nem sempre, a responsabilidade pelos ‘acidentes de percurso’, numa relação, é nossa. O outro, seja quem for, pode até nos imputar o título de causadores da tragédia, o que nos toca, profundamente, quando somos exageradamente autocríticos. Mas não podemos concluir que somos os piores dos piores, só por que alguém resolve acabar com a nossa ‘raça’. Às vezes, nem existe culpa, ou culpado(s). O que sempre existe é escolha – e consequência, claro.
Certamente, nem toda atitude egoísta pressupõe (mais) um caso de psicopatia. Fique tranquilo, se, na maior parte de sua vida, você prioriza você mesmo, por motivos de medo, insegurança, autoproteção, ou seja lá qual for a justificativa que você usa para si mesmo. O psicopata, pelo que já li, não quer nem saber o que pode existir além do próprio umbigo, e, por isso mesmo, não pensa no outro. Sempre repito que não há como colocar-se no lugar do outro, que está completamente ocupado (pelo outro, obviamente). Mas sempre há um jeito de, através de nossas semelhanças humanas, sabermos o que faz bem, o que faz mal, perto de nós, ou na Ilha de Java, ou no Azerbaijão – desde a mais tenra idade, começamos a compreender isso.
A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva é, a meu ver, quem mais esclarece sobre psicopatia. Ela é autora de diversos livros, com o objetivo de chamar a atenção dos leitores sobre manifestações humanas distorcidas e doentias. Um desses livros chama-se “Mentes Perigosas – O Psicopata Mora ao Lado”. Lembrando que o indivíduo carrega, na própria genética, as características de psicopatia, Ana Beatriz esclarece que “a índole da pessoa já vem, geneticamente, com essa tendência à perversidade”. No livro, ela cita casos, onde crianças não manifestam compaixão, quando maltratam animais, fazem brincadeiras perversas com coleguinhas, e sentem prazer de ver o outro cair, se machucar, etc. A psiquiatra alerta que, somente na infância, há condições de minimizar os efeitos da psicopatia, impondo limites.
Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva explica, ainda, que, quando se torna adulto, “todo psicopata é megalomaníaco, gosta de exibir a sua esperteza, e está sempre se vitimizando, contando histórias tristes, e se dizendo vítima da sociedade”. Outra característica dos psicopatas, conforme a psiquiatra, é que “são sempre pessoas simpáticas, gentis, educadas, até você estar fazendo tudo o que elas querem. No momento em que você começa a deixar claro que está percebendo o jogo dele, o psicopata pode até se tornar violento. Então, psicopatas são pessoas que mudam o comportamento, conforme são revelados. Uma outra característica fundamental é a ausência de culpa. Essas pessoas nunca se arrependem do que fazem”. Nem todos os psicopatas são violentos; nem todos os violentos são psicopatas. A psicopatia perpassa pelos níveis leve, moderado e grave.
A psiquiatra destaca, ainda, que “a internet abriu um grande campo, para que a psicopatia pudesse se proliferar. Eu costumo dizer que existe um porão de psicopatas atuando na internet, hoje, existe mesmo, existem comunidades que você não acredita, na internet. E isso se fez muito, por que eles se valiam do anonimato. Um psicopata, no anonimato, pode ser quem ele quer, quem o outro quer que ele seja, e ele – o psicopata – sabe fazer isso, melhor do que ninguém, por que é o verdadeiro grande artista da vida, por que ele se transforma naquilo que as pessoas querem. Você ser camaleão (termo dado ao psicopata, na Espanha), num universo sem leis, sem regras, onde o que vale é o que você diz, onde você pode forjar e fingir, a internet é um prato cheio”.
Ana Beatriz aconselha a gente a não dar tempo de detectar o grau de psicopatia, e manter distância: “Nunca ache que você vai mudar um psicopata. Nunca menospreze o poder de sedução de um psicopata: ele vai te seduzir. A melhor coisa é se afastar”. Explica a psiquiatra: “Os psicopatas nascem com um cérebro diferente. Os seres humanos têm o chamado sistema límbico, a estrutura cerebral responsável por nossas emoções. É uma espécie de central emocional, o coração da mente. Nos psicopatas, o sistema límbico não funciona”. Ana Beatriz chama a nossa atenção: “Há algumas características básicas, entre os psicopatas: falam muito de si mesmos, mentem, e não se constrangem quando descobertos, têm postura arrogante e intimidadora, por um lado, mas são charmosos e sedutores, por outro. Costumam contar histórias tristes, em que são heróis e generosos”.
Essa psicopatia sem dó deve nos fazer pensar, e repensar, não só sobre os relacionamentos que mantemos, mas as nossas próprias atitudes. Afinal, somos todos humanos. Por isso, já que (ainda) não nascemos com dispositivo detector de psicopatia, fiquemos atentos às lábias sedutoras, egoísticas e egóicas. Depois da disparada fuga emergencial, podemos até pensar em participar da Corrida Internacional de São Silvestre.

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