Definitivamente, liberdade não é para todos, desde os tempos da escravatura, no Brasil. Naquela época, os escravos, na ânsia natural pela sobrevivência, criaram pratos culinários, valorizados, até hoje: feijoada, farofa, angu, etc. Quando foram libertados, além de não terem emprego, nem auxílio-desemprego, os pobres negros africanos tiveram de enfrentar a fome e a falta de comida, sem teto que os abrigasse. Isso não foi dar-lhes liberdade – foi o preço que os escravos pagaram, para sentirem o gosto do que poderia ser liberdade. Quem sabe até, tenham se sentido, por algum tempo, livres, distantes do trabalho escravo, das chibatadas, das humilhações. Mas, logo depois, devem ter percebido que ficaram longe da senzala e da comida que preparavam, com os restos da cozinha dos senhores.
Por todos os lados, falam em liberdade – liberdade de expressão, liberdade nas relações em família, na escola, no trabalho, nas vias públicas, etc e tal. Por todos os lugares, há liberdade – tão, ou até mais, cerceada do que a exercida nas prisões. Quando os outros não nos cerceiam, nos limitam, nos aprisionam em estereótipos, somos nós mesmos que fazemos isso. E ainda tem gente que infla o peito, para dizer que “não obedeço, por que sou livre”. Outros, em nome da 'liberdade', desrespeitam, violam, invadem, até violentam. Definitivamente, liberdade sequer passeia por esses caminhos.
Hoje em dia, prevalecem tantas faíscas de liberdade, em completo desuso: liberdade de pensar, liberdade de vestir, liberdade de se alimentar, liberdade de fazer moda, liberdade de viajar, liberdade de aprender, liberdade de navegar na internet e no controle remoto, liberdade de viver, etc etc etc. (Ainda) podemos nos libertar, mas a poltrona da zona de conforto nos protege – tão aconchegante.
Numa completa demonstração de imaturidade, tem gente que implora o que considera liberdade, feito adolescente (“Eu quero! Eu quero!”), enquanto espera a mesada. Liberdade paradoxal de existir. O que a maioria usa e abusa mesmo é o que enxerga como liberdade, quando deseja ter o que o outro tem, fazer o que o outro faz, comer o que o outro come, ir aonde o outro vai, vestir-se como o outro se veste, viver a vida do outro. Quantas vezes (sempre), o outro segue essa mesma linha de desejo, doido para trocar de vida com outro. Definitivamente, desejo não é caminho à liberdade. Desejo (realizado, ou não) pode causar mal à saúde: frustração, decepção, corte de pulsos, e até assassinato. Desejo é escolha. Liberdade é outra coisa – vai além.
Até hoje, liberdade é sempre tema de longos e inócuos discursos – sempre políticos, nem sempre partidários, nem sempre em palanques. Enquanto isso, eu fico pensando que a liberdade não é para todos. Definitivamente.
Viver a liberdade pressupõe romper laços e nós com o que está colocado, socialmente – explícita ou implicitamente imposto. Nem todos resistem aos apelos sociais – vida em grupo (família, escola, trabalho, amigos, etc). Contrário a isso, a maioria quer mesmo participar. Para ser participante, necessário se faz, de antemão, que a liberdade seja afastada, para dar lugar ao comum, ponto de convergência nos convívios sociais. Somente os que se assemelham é que se aproximam – eis o “óbvio ululante”. Para sermos aceitos, abandonamos a liberdade de manifestar quem somos. Deixamos de lado o que consideramos nossa personalidade, nossos princípios, nosso caráter até. Quantas vezes, nos distanciamos, ainda mais, do caminho da própria liberdade, para seguirmos a boiada, que também não é livre – sem saber. E a boiada se contenta com (tão) pouco, sempre.
Enquanto tudo isso acontece, o que seria a nossa liberdade cambaleia pelas redes sociais, na superficialidade de todas as relações que mantemos, diariamente, até ser desenganada, por falência múltipla de sonhos e pelas nossas escolhas, numa vida que não é nossa, nem de ninguém. Assim, penso eu, nos aproximamos dos outros, e nos afastamos de nós mesmos, esquecendo a liberdade que nunca ousamos sonhar.
Liberdade é, essencialmente, solidão. E quem deseja solidão?… A maioria confunde tanto, que, no máximo, pensa que liberdade é fazer o que quer, no momento que bem entender, com quem quiser – caprichos, caprichos. Longe disso, a liberdade (mesmo!) caminha, solitária, sem qualquer tristeza, ou desânimo, ou frustração. Melancolia? Talvez. A liberdade é – simplesmente. Não necessita de traduções, explicações, ou justificativas – sem legenda. A liberdade (em si mesma) não se permite fazer companhia a medos atávicos, ou servir de muleta emocional. Até por que a liberdade voa (alto, muito alto) – tem asas (enormes) invisíveis, para que não sejam cortadas.
Ao contrário da vida social, que nos torna objetos de espelhos desconhecidos, a liberdade nos faz sujeitos de uma vida única, história escrita de maneira solitária e consciente. Não há perda, ou ganho, nisso – se existe, o resultado é sempre empate. Fazemos escolhas – vivemos as consequências das nossas escolhas, temos de assinar embaixo. E isso é (quase) tudo.
… E, no meio do caminho, por onde segue a boiada, ainda escolhemos ficar presos ao passado – enquanto o presente e o futuro nos acenam liberdade… liberdade!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário