“Nada
lhe posso dar, que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo
de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar, a não
ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu
próprio mundo, e isso é tudo.” (Hermann Hesse)
Se
existe em mim, alguma obstinação, é justamente buscar, cada vez mais, coerência
entre o que penso e as minhas atitudes, que inclui o que Hermann Hesse deixou
registrada em “O Lobo da Estepe”. Posso até não conquistar esse meu objetivo,
mas continuarei exercitando. Esse é o meu alvo: o seu melhor, seja você quem
for – o meu melhor, seja eu quem for. Pode ser até que nem cheguemos a nos
conhecer, mas, certamente, continuarei desejando que você seja o seu melhor, e
seguirei tentando ser o meu melhor.
Sei
que tem um monte de psicopatas, sem a menor empatia, por todo lugar, querendo
só o melhor dos outros, para usufruir-lhes prazer, status e poder. Mas existe algo
melhor – acredito nisso -, em cada um de nós, que vai muito além do que alguém
possa querer ‘vampirizar’. Penso mesmo que o melhor de cada criatura pode, num
momento da vida, apresentar-se visível e inquestionável, e ser tão
surpreendente, que nem ela mesma acredita. Mas o melhor jamais se torna ‘moeda
de troca’ – o melhor permanece dentro, tendo como vizinho, o pior, até que a
gente faça a escolha que considera mais acertada.
Obstinadamente,
também eu busco o meu melhor. Quanto me faz bem, quando encontro alguém que
também quer que eu seja o meu melhor. O outro pode ser até psicopata. Mesmo que
eu o identifique (são tantos), ainda assim, continuarei tentando fazer e ser o
meu melhor. Afinal, não posso tornar-me líquida, de repente, diluir-me à forma
do recipiente mais próximo, para satisfazer essa ou aquela exigência externa.
Se continuo tentando ser o melhor que reconheço em mim, não é por causa de
alguém, ou de alguma circunstância. É por mim mesma, e pelo que acredito, neste
mundinho que me fascina tanto.
Mas
nem todo mundo quer o melhor da gente – a maioria nem quer saber dessas coisas.
Independente do que as criaturas desejam (o melhor ou o pior de mim), minhas
expectativas em relação aos outros têm sido reduzidas – menos frustrações, mais
surpresas boas (simples equação). Honestamente, já me sinto satisfeita, quando
o outro, seja quem for, me sinaliza respeito – com gentileza, melhor ainda.
Pode ser que o outro não me compreenda, às vezes sempre, nem queira me
compreender. Mas, havendo respeito e um pingo de gentileza, já demonstra que está
sendo o melhor que pode, ou se acha capaz de ser.
Eu
costumo dizer que pouco adianta eu me preocupar somente com as luzes da minha
casa, se a rua precisa de mais luz, da luminosidade das outras casas. A gente
pode observar isso, em época natalina, quando quilômetros de fios com
pisca-pisca enfeitam as ruas, as praças, as cidades. Volta e meia, a revolta
dos pisca-pisca (sempre existem os revoltados mesmo, em qualquer situação)
causa apagão, até apagões, pelo trajeto, o que acaba chamando mais a atenção dos
transeuntes. Talvez, por isso, tem tanta gente manifestando o pior de si mesma,
como se tivesse lido “O Lobo da Estepe” pelo avesso. Pode até chamar a atenção,
mas causa muito mal, fermento instantâneo para o pior do mundo.
Podemos
comprovar, no cotidiano, que a violência tem se exacerbado, por falta de coisa
melhor. As relações têm ficado cada vez piores – as melhores estão nas redes
sociais, onde cada qual desfila com a máscara e a fantasia que escolhe, sem
envelhecer, diante dos outros. Na realidade, o que chamamos relações amorosas
estão carregadas de desrespeito, desconfiança, más interpretações,
indiferenças, e tudo mais que é reclamado, nas sessões de divórcio. Afinal, não
é todo mundo que se acha capaz de administrar cenas como essa, sempre tão comum:
-
Você atrasou dezenove minutos, hoje. Onde você estava, com quem, fazendo o quê?
Tem
alguém que até responde:
-
Eu sei que tem gente que vende muita coisa, no sinal, mas eu dei, enquanto o
semáforo estava fechado, e desobstruíam a área de mais um acidente.
-
Deu pra quem? Eu conheço? Nem responda. Vou ver os detalhes do acidente, na
televisão...
...
E já não escuta:
-
Dei toda a minha paciência, no meio do congestionamento...
Todo
mundo quer só o melhor da vida, e, quase sempre, exige isso, da pior maneira. Se
existe mesmo algo que me faz mal indescritível é justamente quando eu contribuo
para que o pior de alguém ocupe tempo/espaço. Isso me causa mais dor, se
comparado ao fato de alguém provocar o meu pior, para que escape da jaula
vigiada pelo meu desnutrido equilíbrio. Enquanto há provocação, eu posso
defender o que acredito ser meu amadurecimento, minha consciência. Mas, se o
meu pior contra-ataca, o meu pobre equilíbrio, minguado de vergonha de si mesmo,
sai de cena, e retorna à lição que já pensava ter aprendido.
O
pior e o melhor – sempre fazem parte do que denominamos caráter, personalidade.
E tudo isso descamba, mais uma vez e sempre, nas escolhas que fazemos, a cada
instante da vida inteira. A maior ironia, nisso tudo, está justamente nas consequências
das nossas escolhas, nem sempre imaginadas: “Eu não sabia”.
Viver
também pode ser transbordar, ir além – de si mesmo. Num dia qualquer, todos
morreremos (a fila é longa) – sem sabermos se a vida teria sido melhor, se
tivéssemos feito outras escolhas.
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