quinta-feira, 22 de julho de 2010

Palavras

Meu pai sempre dizia que “é perigoso andar corretamente na linha, o tempo todo, por que volta e meia um trem passa” (ele era maquinista). Seu França falava também que “certamente, há uma luz no fim do túnel - o que é a salvação de muita gente, que ignora que por ali passe trem”.
Não acredite nas minhas palavras. Com isso, não quero te dizer que minto. Já falei que prefiro omitir a mentir. Mas não acredite nas minhas palavras – por que até eu as questiono, e amanhã (que pode ser daqui a dez minutos) estarei dizendo outras palavras, não mais essas. Minhas palavras são o meu caminho – não me levam a lugar algum, nem nunca me abandonam no meio do caminho. Minhas palavras me fazem companhia – e se revezam, e se contrapõem, e discutem, debatem, gritam, e silenciam.
Não acredite nas minhas palavras. Busca as tuas palavras – não sei onde podem estar, mas existem. Questiona tudo o que ouve, para não interpretar as palavras que não são tuas, e dar-lhes a vida que não seria delas.
Cada palavra tem significado especial, mesmo quando dita solitária, ou inconsequente. Cada palavra é única, e carrega, em seu vitelo, o grande segredo: dizer tudo, dizer nada.
Confia e desconfia das palavras que não são tuas. Saiba distingui-las – as tuas palavras -, em meio aos burburinhos, às balbúrdias, ao abismo silencioso. Quando inseguras, prematuras, recolha essas palavras, antes que, em ato selvagem, fujam para longe de ti, desarvoradas, derrubando palavras alheias e cheias de certezas.
Quanto às palavras alheias – carregadas de bem ou mal -, escute-as, respeite-as, mas não se apegue a elas. Como as tuas palavras, também as alheias são caminhos, e às vezes até levam a algum ponto final, ou beco sem saída. Não as acompanhe – por que não são tuas. E as tuas palavras jamais levarão o outro (seja quem for) ao teu caminho, por que, para o outro, tuas palavras já não são tuas palavras. Interpretadas, tuas palavras são palavras do outro. E o caminho por onde o outro segue também não é o teu, por onde te levam as tuas palavras.
Não creia nas minhas palavras – nem nas tuas palavras. As tuas palavras só são tuas, legitimamente, num único e precioso momento: quando ainda nem existem como palavras. De resto, será esforço teu querer socorrer-se em palavras que poderiam ser do outro, como forma de dizer as tuas próprias palavras, na malograda tentativa de palavrear o desconhecido. Por isso, o desentendimento, a interpretação diferente do que era para ter sido o conjunto de palavras tuas. Não o são. Mesmo se você expusesse as tuas trêmulas palavras, ainda assim, já não seriam mais tuas, diante do outro, com outras palavras.
És só. Com ou sem palavras. Também o outro é só. Com ou sem palavras. E não há palavras que nos tire da solidão do existir. Cada ser humano é uma palavra única – nunca descoberta, nem por si mesmo. Assim, absorve e devolve palavras emprestadas, que transitam amiúde, enquanto os sentimentos abrem caminhos só percorridos pela alma humana, na companhia da solidão sem palavras...

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