segunda-feira, 5 de julho de 2010

A volta do trem


Uma amiga mudou-se, recentemente, da cidade onde moro. Pertinho da casa onde foi morar, há trilhos de trem. Ela me enviou gravações que fez dos trens que ainda cruzam lá. Posto um desses vídeos - que permaneça feito trilho, pra que sempre o trem possa passar por aqui.
Uma emoção antiga tomou conta de mim. Meu pai era maquinista de trem. A vida inteira, brincou de trilhos e trens, viajando por tantos lugares. Nem pensava dirigir outro veículo. Aliás, dizia sempre que não se dirige trem – “se conduz o trem”. Transporte pra meu pai conduzir, só sobre trilhos: “é mais seguro, e não desvia o trajeto”.
A casa onde nasci ficava à beira dos trilhos que levavam os trens à estação. Volta e meia, retornando de viagem, o trem passava devagarinho, e meu pai corria pra nos pegar e levar (eu e meus irmãos) “de carona” à estação. Quando meu pai puxava o gancho do apito, era sempre um susto bom, seguido de risos infantis.
Às vezes, meu pai tinha de ir aos vagões, pra retirar encomendas, ou averiguar se estava tudo em ordem. Algo assim. Nós, as crianças, íamos junto. Lembro que eu tocava as paredes de ferro do trem (ainda guardo este toque, na minha alma infantil). Minha memória também guarda o toque no couro grosso dos bancos – até o cheiro dos vagões de carga.
A volta do trem me fez viajar. E agora me vejo menina, encolhida na janela, sentada naquele banco que parecia enorme, sem conseguir encostar os pés no chão do vagão do trem. Não havia solavancos, e a paisagem ia cruzando pelo meu olhar atento, devagarinho, sem nenhuma pressa. Naquela época, eu já admirava as nuvens, as árvores, os campos, os animais no pasto. Nem pensava que tudo aquilo era vida pulsando, enquanto o trem seguia o destino traçado pelos trilhos...
Depois de um tempo, meu pai aposentou-se. Mas continuamos viajando de trem – longas e inesquecíveis viagens, inclusive em trem-leito, por que o trajeto levava dias. Foi um tempo incrível, por que o meu pai já não conduzia mais o trem, mas sim, ficava perto da gente, apontando pra algum lugar distante, pela janela, e contando histórias. E eu sempre queria ouvir mais e mais.
O tempo (sempre o tempo) passou, e acabaram retirando os trens, os trilhos de minha cidade natal. E eu também fui embora da cidade, sem a companhia do trem. Numa manhã, meu pai esqueceu de acordar – provavelmente, sonhava estar brincando de trem, e não mais voltou da viagem...

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