(Desde que me conheço por gente, me chamam Zé Banguela – nasci desdentado, e depois perdi os dentes pro nunca mais. Sou analfabeto de pai e mãe, como milhões de brasileiros trabalhadores. Por isso, essa jornalista maluca vai escrever por mim.)
Sinceramente, fiquei emocionado, quando soube que o meu salário passará de 415 para 465 reais. Falei pra ‘patroa’, lá em casa, que vamos precisar pensar direitinho sobre o que fazer com o dinheiro que vai chegar. Falta tanta coisa, que vai ser difícil investir esses ‘cinquentões’, na família.
A situação está difícil pra todo mundo. Lá em casa, se tem almoço, não tem jantar, e se a gente janta, não almoça no outro dia. Se um dos barrigudinhos adoece, a coisa piora, por que não tem remédio no SUS, e os preços estão pela hora da morte. Eu trabalho, mais de doze horas por dia (domingos e feriados também), como auxiliar de pedreiro, e a ‘patroa’ lava e passa roupa pra gente rica, que tem máquina de lavar, mas parece que não sabe apertar os botões. Falam numa tal de hora extra, mas eu não sei o que é isso, e também não entendo nada de uma tal de “carteira profissional” – não sou profissional, sou peão.
Todo patrão que me contrata diz a mesma coisa: se a gente assina carteira, recebe menos, no final do mês. O salário é sempre mínimo, e o esforço no trabalho é máximo. Se a gente não mostra serviço, eles contratam a fila que fica lá fora, disposta a trabalhar por menos que a gente. Não tem jeito.
Fiquei sabendo do aumento do salário, lá na construção. O “Zé Tijolo” é que disse que a gente vai ganhar cinqüenta reais a mais. Ele falou outras coisas que eu não entendi. Falou de uns tais “economistas”, que fazem os “cálculos” pro bolso do trabalhador brasileiro. De cálculo, só conheço renal – tive duas vezes, e como dói!...
Eu nem sabia que um tal “governo”, que fica longe, numa “Brasília” que nunca vi, é que manda o patrão dar mais dinheiro pra gente. O “Zé Tijolo” quem falou. Parece que tem um grupo que estuda o jeito que a gente vive, conta tudinho pra esse tal “governo”, que manda o patrão da gente pagar mais. Lá em casa, ninguém foi saber como a gente vive, a ‘patroa’ confirma.
Fico imaginando se esse tal “governo” fosse visitar o nosso barraco. A gente não teria o que oferecer, mas, lá em casa, tudo é limpinho, limpo até demais, por que não tem nem comida nas panelas de latão. Sem luz, nem água, a gente saberia agradecer a visita. A ‘patroa’ ficaria preocupada se o tal “governo” iria querer ficar por alguns dias. Claro que não, por que a “Brasília” que eles conhecem deve ser mais interessante, deve servir almoço e jantar, e, se vacilar, deve ter café da manhã, e até lanche fresquinho.
O “Zé Tijolo” disse que o tal “governo” não sabe como a gente vive, nunca passou um dia inteirinho na favela. Se não sabe, como é que vai ‘chutar’ o valor do nosso salário? Andaram dizendo por aí que tem outra gente inteligente (de um tal “Dieese”) fazendo pesquisas e estudos, pra mostrar a nossa realidade, a vida da maioria dos brasileiros. Essa gente é que diz que “o salário mínimo necessário para o trabalhador brasileiro suprir as despesas com moradia, educação, saúde, vestuário, transporte, higiene, previdência e lazer (casal e dois filhos) deveria ser de R$ 2.005,57”. Mas não são eles que “comandam” o Brasil e o meu patrão. Ah, mas aí seria muito dinheiro! A gente nem saberia o que fazer com tanto!
Sinceramente, fiquei emocionado, quando soube que o meu salário passará de 415 para 465 reais. Falei pra ‘patroa’, lá em casa, que vamos precisar pensar direitinho sobre o que fazer com o dinheiro que vai chegar. Falta tanta coisa, que vai ser difícil investir esses ‘cinquentões’, na família.
A situação está difícil pra todo mundo. Lá em casa, se tem almoço, não tem jantar, e se a gente janta, não almoça no outro dia. Se um dos barrigudinhos adoece, a coisa piora, por que não tem remédio no SUS, e os preços estão pela hora da morte. Eu trabalho, mais de doze horas por dia (domingos e feriados também), como auxiliar de pedreiro, e a ‘patroa’ lava e passa roupa pra gente rica, que tem máquina de lavar, mas parece que não sabe apertar os botões. Falam numa tal de hora extra, mas eu não sei o que é isso, e também não entendo nada de uma tal de “carteira profissional” – não sou profissional, sou peão.
Todo patrão que me contrata diz a mesma coisa: se a gente assina carteira, recebe menos, no final do mês. O salário é sempre mínimo, e o esforço no trabalho é máximo. Se a gente não mostra serviço, eles contratam a fila que fica lá fora, disposta a trabalhar por menos que a gente. Não tem jeito.
Fiquei sabendo do aumento do salário, lá na construção. O “Zé Tijolo” é que disse que a gente vai ganhar cinqüenta reais a mais. Ele falou outras coisas que eu não entendi. Falou de uns tais “economistas”, que fazem os “cálculos” pro bolso do trabalhador brasileiro. De cálculo, só conheço renal – tive duas vezes, e como dói!...
Eu nem sabia que um tal “governo”, que fica longe, numa “Brasília” que nunca vi, é que manda o patrão dar mais dinheiro pra gente. O “Zé Tijolo” quem falou. Parece que tem um grupo que estuda o jeito que a gente vive, conta tudinho pra esse tal “governo”, que manda o patrão da gente pagar mais. Lá em casa, ninguém foi saber como a gente vive, a ‘patroa’ confirma.
Fico imaginando se esse tal “governo” fosse visitar o nosso barraco. A gente não teria o que oferecer, mas, lá em casa, tudo é limpinho, limpo até demais, por que não tem nem comida nas panelas de latão. Sem luz, nem água, a gente saberia agradecer a visita. A ‘patroa’ ficaria preocupada se o tal “governo” iria querer ficar por alguns dias. Claro que não, por que a “Brasília” que eles conhecem deve ser mais interessante, deve servir almoço e jantar, e, se vacilar, deve ter café da manhã, e até lanche fresquinho.
O “Zé Tijolo” disse que o tal “governo” não sabe como a gente vive, nunca passou um dia inteirinho na favela. Se não sabe, como é que vai ‘chutar’ o valor do nosso salário? Andaram dizendo por aí que tem outra gente inteligente (de um tal “Dieese”) fazendo pesquisas e estudos, pra mostrar a nossa realidade, a vida da maioria dos brasileiros. Essa gente é que diz que “o salário mínimo necessário para o trabalhador brasileiro suprir as despesas com moradia, educação, saúde, vestuário, transporte, higiene, previdência e lazer (casal e dois filhos) deveria ser de R$ 2.005,57”. Mas não são eles que “comandam” o Brasil e o meu patrão. Ah, mas aí seria muito dinheiro! A gente nem saberia o que fazer com tanto!
Dizem que o pessoal dessa tal “Brasília” ganha muito mais que isso, e ainda rouba do povo brasileiro. Já fui assaltado, tinha só duas moedas no bolso, e um passe de ônibus. Nunca recuperei os vinte centavos e o passe (será que foram pra “Brasília”?), nem vi mais o moleque que me roubou. Acho maldade dizerem que os “comandantes” do Brasil roubam do povo, por que o povo é igual a mim – não tem aonde cair morto.
Não quero enrolar a conversa. Estou aqui para agradecer os cinqüenta reais que eu, a ‘patroa’ e os barriguinhos vamos receber a mais. O patrão fez cara feia, quando eu agradeci a ele. Já falei lá em casa: não vamos gastar esse dinheirão que vem com besteiras. Vamos continuar trabalhando, e fazendo tudo pra não morrermos antes do tempo, por que, um dia, todo mundo vai morrer, de um jeito, ou de outro...
*Essa é minha homenagem aos trabalhadores que já entrevistei, nas favelas da minha vida.
Não quero enrolar a conversa. Estou aqui para agradecer os cinqüenta reais que eu, a ‘patroa’ e os barriguinhos vamos receber a mais. O patrão fez cara feia, quando eu agradeci a ele. Já falei lá em casa: não vamos gastar esse dinheirão que vem com besteiras. Vamos continuar trabalhando, e fazendo tudo pra não morrermos antes do tempo, por que, um dia, todo mundo vai morrer, de um jeito, ou de outro...
*Essa é minha homenagem aos trabalhadores que já entrevistei, nas favelas da minha vida.
Belíssima homenagem, Nara!
ResponderExcluirDelicada visão(e descrição) de tudo, como sempre.
Agora ta escrito aqui, pra quem quiser(ou puder) ler.