quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Do vazio de que somos feitos


Dia desses, estava conversando com uma amiga sobre coisas da alma. Sem pensar, me veio a imagem de (como símbolo da alma) um queijo suíço, cheio de furinhos – mais furos do que queijo mesmo. A conversa não acabou (nunca acaba), mas minha amiga tinha de ir embora, e foi, e eu fiquei pensando, ainda pensando: a alma humana é tão cheia de vazios. O vazio pode ser ausência de presença que não há mais, ou ausência de sonho (vida), ou ‘ambas as duas’ coisas.
Talvez, na infância, pouco nos apercebemos, conscientemente, das perdas que (já) começamos a sofrer. Mas aí chega a pré-adolescência, seguida de uma adolescência confusa, questionadora, desafiadora. Mais perdas. Já compreendemos, então, e nos revoltamos, ou decidimos não nos manifestar, por que a revolta existe – imersa no que apreendemos, ou liberta no que ainda estamos nos tornando.
Mas “o tempo não pára”, como ainda canta o poeta, e a gente vai crescendo, senão mental e emocionalmente, pelo menos fisicamente. A idade madura chega num repente, junto com um punhado de responsabilidades, que, em nossas mãos, se multiplicam. E não há mais como nos revoltarmos deliberadamente, ou simplesmente cruzarmos os braços. Mesmo que a gente não decida ‘porra’ alguma, ainda assim, estamos tomando decisões. A todo instante.
Quem sabe, por isso tudo, a gente vai enchendo, mais e mais, a alma de vazios – primeiro, pequenos vazios (furinhos de queijo suíço mesmo); depois, aos poucos, grandes vazios, vazios oceânicos (imensos, profundos, mutiladores). Não há como fugir. A gente mergulha nesses vazios, ou é tragada por eles todos – um de cada vez, ou todos ao mesmo tempo (não importa a dosagem – homeopática, ou cavalar).
Vou mais adiante. Sofremos o estado de ‘queijo suíço’, ao mesmo tempo em que também vamos ‘contribuindo’ para que a alma alheia torne-se ‘queijo suíço’, no vazio da nossa ausência. “Isso tudo acontecendo, e eu aqui na praça, dando milho aos pombos” – canta outro poeta. Não sei se acabamos refletindo no outro, o que sentimos (sofremos), mas acho que esses vazios multiplicam-se no mundo, tomando conta de todas as almas humanas. Algumas criaturas ainda tentam preencher os ‘buraquinhos do queijo suíço’ com outro queijo qualquer, ou até com miolo de pão. Mas não é a mesma coisa, e não há quem não perceba a fraude, pois o que resta, na boca, é um gosto insípido, gosto de nada mesmo. Por que queijo suíço é ‘esburacado’ mesmo, e não há outro jeito. Também o é a cárie dentária – e como dói...
Há quem diga que o queijo suíço é feito de mais ‘buracos’ do que de queijo mesmo. Nunca examinei tão minuciosamente, pra comprovar isso. Sou uma ‘rata’, e não me dou tempo a esse tipo de observação. Quanto à alma humana, acho mesmo que, aos pouquinhos, imperceptivelmente até, vamos nos enchendo de vazios – tanto, tanto, que chegamos nos ‘habituar’ com isso. Dizem que o ser humano é quem mais se adapta às circunstâncias (por mais adversas que sejam) – eu discordo, por achar que não é questão de hábito, mas sim, o instinto de sobrevivência que prevalece (salvar o que ainda permanece vivo).
O queijo suíço não pode reclamar dos seus vazios, nem exigir que sejam preenchidos. Quanto a nós, humanos mortais, até podemos reclamar, mas os vazios permanecem lá: na alma. Queijo suíço é (também) identificado, justamente por causa dos ‘buraquinhos’. Será que a alma humana também?...
Não pretendo escrever objetivamente sobre perdas, por não saber lidar com isso. Os ‘cursos’ existentes não me convencem que “as perdas são necessárias à evolução humana”, que “é preciso haver desencontro, para haver encontro e reencontro”, e todas essas coisas que sempre leio, ou ouço. Mas gosto (e como!) sempre de um queijinho suíço – incluindo, principalmente, todos os seus ‘vazios’...

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