sábado, 8 de agosto de 2009

Interstício




sem saber e sem ter por que quero escrever agora livremente aqui sem me preocupar com pontuação ou grafia e digito diretamente na postagem do blog coisa que nunca fiz o que escrevo é sempre atemporal feito carta que chega ao destinatário com dias ou semanas de atraso de esquecimento milhas de distância de uma realidade que nunca existiu perdida no tempo e no espaço criados por quem ocupa tempo e espaço não importa por que também eu chego atrasada e saio antes de cena é uma carta semelhante àquelas que eu trocava com meu pai cheias de não-notícias escritas com árvores folhas nuvens pedras que só brilhavam à noite protegidas por árvores gramados verduras verde verde verde escrevíamos sonhos nunca sonhados e ríamos e chorávamos e escrevíamos mais ainda e adoecíamos por causa da vida ah se essa rua se essa rua fosse minha eu não mandava ladrilhar eu plantava um tamarindeiro bem no meio dela e só permitiria a passagem das árvores que carregam suas pesadas e tortas raízes na infância sonhei uma vez só que era uma árvore pequena mas árvore acordei assustada imobilizada sentindo dores nos galhos mais verdes não dormi mais e fui olhar o céu de madrugada deitada na grama fria não havia estrela a me proteger céu escuro sem poesia e conheci o nada nada de nada mesmo o nada sem tudo o nada de uma vida deitada no gramado à espera do nada olhando o nada do céu e ouvindo o silêncio do nada nada me faz companhia até hoje e às vezes ainda deito com nada sobre o gramado e ainda hoje há nada no céu só o silêncio do nada e nada de estrela a me proteger nada no céu nada na terra nada na bolha de sabão do meu delírio febril vou te contar a minha pequena e única verdade não sei ser e por isso tropeço dificultando o trânsito dos transeuntes que transitam em transe e eu cheia tão cheia de vazios que carrego e eu vazia tão vazia que tropeço nos próprios pés quando começo a voar voar e não me atrapalho com as asas nem tomo conhecimento delas talvez por que não as tenho que eu seja uma bolha de sabão sem destino sem conhecimento algum da existência sem vento que me leve ou me traga apenas só uma bolha que se acaba na transparência do não-existir do não-ser bolha que se deixa ser trespassada por todos os olhares que não olham absortos perdidos bolha inútil bolha esquecida de se olhar bolha que nem respira bolha que passa só e vai para o nada bolha bolha bolha que não vale uma bolha bolha cheia bolha vazia que perpassa frações de segundos do não-ser e sem pensar sem sentir estoura sem estrondo si-len-ci-o-sa-men-te bolha de sabão barato soprada por um palhaço sem graça desempregado bolha que não pousa por não saber pousar nasci sem asas e me disseram quando criança que bicho com asas é assassinado degustado devorado tantas vezes eu quis ter asas para só voar e deixar de ser devorada mutilada sem saber e paro pra olhar pra trás e não enxergo mais do que uma densa neblina sinalizando que já não há mais tempo de resgatar a menina salvá-la dela mesma que guarda sementes que engoliu pra criar raízes galhos folhas flores frutos mas as árvores não nasceram menina que não sabe correr por que tropeça nos próprios pés e não tem asas não tem não tem não adianta querer o que não tem nem consolo nem colo frio nem imaginação nem sono sem sonhos sou só és só é só somos sós serdes sós são sós e tudo se configura solidão de nada solidão no existir solidão no escrever solidão no sentir solidão no pensar solidão no escamotear solidão no viver o que acaba por que sempre acaba e fim fim fim até o fim

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